segunda-feira, 8 de junho de 2009

RIBEIRA - 297 -

AÇUDE GARGALHEIRAS
RITO DA PASSAGEM
O segundo maior acontecimento da história indígena do Rio Grande, depois da Guerra dos Índios, foi o Rito da Passagem realizado às margens da lagoa Macaguá, atual açude Gargalheiras, município do Acarí, Rn, de onde a noticia percorreu toda a Europa, passando a história da humanidade, sem a necessária atenção, a exemplo de outros fatos da terra potiguar. (AF)
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Rito da Passagem foi a grande festa realizada pelos índios Tarairiú, a 25 de junho de 1647, no mesmo local onde, atualmente está a Barragem Marechal Dutra ou Açude Gargalheiras, município do Acarí-Rn. Esse grande acontecimento foi levado ao conhecimento de toda a Europaem 1651, pelo historiador francês Pierre Moreau, através de seu livro publicado naquele ano, em Paris - baseado no relato do holandês Roulof Baro.. Naquele ano - 1647, a bacia do Açude Gargalheiras tinha o nome de lagoa Macaguá denominada pelos indigenas Tapuia, do povo Tarairiú, chefiado pelo rei ou cacique Janduí - dominador de todo o sertão no então Rio Grande. Depois de 360 anos - ainda sabemos muito pouco dessa ocorrencia, no Rio Grande do Norte porque vivemos esquecidos da importância histórica e cultural daquele acontecimento para a coletividade nordestina e brasileira. A festa do Rito da Passagem durou mais de uma semana com 3 a 5 mil índios, em torno da lagoa Macaguá, constituidos de mulheres e homens - crianças, jovens e velhos, vindos de outros locais do sertão. As mulheres grávidas alí tiveram seus filhos, sob as árvores, durante o dia ou à noite, como parte da festa, segundo os costumes indígenas, sob a proteção dos pajés ou tuxauas, a exemplo do que se repete, hoje em dia, nas tribos indígenas. O casamento de jovens - foi outra passagem significativa da festa, após muitas horas de preparação dos noivos, com suas tangas longas, feitas de grandes penas de emas e outras aves, expostas nas costas, desde a cabeça até a cintura, conforme os hábitos e as recomendações indígenas. Os adolescentes e jovens masculinos foram, naquele mesmo dia, segundo a tradição nativa, marcados pelos pajés, com pontas de pau ou de osso, transpassadas pelos tecidos laterais do rosto, enquanto o sangue escorria, sem choro de lágrimas, oferecidos ao deus Tauba. Para que servia essa marca? Era o símbolo do próprio povo Tarairiú, conforme o seu maioral - Janduí, também assim caracterizado desde criança, como descendente do povo Gê, ainda existente no Brasil. No final das tardes - início das noites, às margens da lagoa, as índias solteiras faziam as danças de roda, de mãos dadas, cantando e sorrindo, com gestos de alegria, esperando a hora do rito de união aos seus companheiros ou futuros maridos. O peixe, especialmente a Traíra pescada, fartamente na lagoa, era um dos principais alimentos naqueles dias, além do milho e mandioca produzidos na região, pelos habitantes de então, enquanto o algodão era exportado para a Europa por mercenários e piratas franceses.
No céu azul, o Sol banhava as montanhas e serras, enquanto as aves de rapina, inclusive a Macaguá ou Acauã - espécie de gavião, sobrevoava o espaço daquela lagoa, onde os indígenas jogavam os restos de comidas transformados em carniças para servir de alimentos aos animais. Após um longo ritual de cura sobre uma criança doente, um dos feiticeiros Tarairiú - foi expulso daquele ambiente, pelo fato de não haver salvo o menino, com suas manifestações de rezas e bafejos de fumaça - próprios dos curandeiros nativos. O cadáver daquela criança - foi motivo de culto com respeito e amor dos seus familiares, assim como de outros indígenas, ao ser cozido e comido, depois de ter sido oferecido aos participantes do ato canibal, sem ódio e vingança.
Nas semanas anteriores daquele encontro, os jovens índios fizeram , diante das moças tribais, as corridas do tronco em suas aldeias, como demonstração de força, coragem e masculinidade, visando conquistar as suas pretendentes para a união definitiva ou casamento dos homens brancos. Durante o Rito da Passagem em Macaguá, o rei Janduí no silêncio de sua tenda, em companhia das suas mulheres e mais de 60 filhos, mais os feiticeiros e guerreiros de canfiança - olhavam para o tempo, perdia a esperança no apoio manifestado pelo governo holandês para o combate aos portugueses que dominavam o litoral brasileiro. Desde 1639 - Janduí procurava obter o esperado reforço dos holandeses para as lutas contra os portugueses, quando, naquele ano de seca, foi realizada a expedição de 2 mil índios do sertão até as proximidades do Rio Grande, atual Natal - como demonstração de força e decisão para a guerra aos luso-brasileiros. A maior decepção de Janduí sobre o governo holandes no Brasil - foi quando houve a negação deste, em 1646 - para que o assassinato de Jacob Rabe, sob as ordens do coronel Joris Garstman, comandante do forte Ceulen, ex-Santos Reis, atual Reis Magos - fosse julgado e vingado pelos Tarairiú. Na chacina de Cunhaú-Uruaçú - 1645, no Rio Grande, Rabe tornou-se o centro das atenções indígenas do sertão, após muitos anos de convivencia com eles na qualidade de representante ou intérprete dos flamengos junto as aldeias do povo Tarairiú, de onde vieram os guerreiros para a tomada do engenho de Cunhaú e as colônias de Uruaçú, em companhia desse agente holandês. Para cessar o grito de guerra dos Tarairiú contra os portugueses, mediante o esperado reforço dos holandeses no Brasil - os diretores da WIC - Companhia das Indias Ocidentais, em Pernambuco - determinam ao seu agente, Rouloef ou Roldolfo Baro junto a Janduí, que fosse levar para este, os pacotes de presentes em machados, tecidos, espelhos, colares e pentes. Fazia mais de 20 anos que Baro vivia com os índios do sertão no Rio Grande, para onde fora levado, aos 7-8 anos de idade, como sobrevivente do navio holandês Mar Azul, atacado e destruido - 1617 pelos portugueses no litoral do Rio de Janeiro, quando ele e o comandante foram os únicos salvos, levados presos para Salvador - Bahia. Na sua terceira viagem a Macaguá, iniciada a 3 de abril - 1647, quando saiu de sua casa-fazenda Jacaré-Mirim, à margem do rio Potengí, atual municipio de São Gonçalo do Amarante - Rn, Baro cumpria a missão do governo holandês, para evitar que os índios Tarairiú prosseguissem destruindo as plantações e o gado dos colonos. No roteiro do Rio Grande - atual Natal, naquele periodo, havia somente matas, rios e serras, sem qualquer estrada, exceto o denominado Caminho de Garstman, até próximo de Santa Cruz, por onde Baro foi com quatro auxiliares, no percurso de 80 léguas - 480 km até Macaguá, no prazo de 80 dias, em virtude dos rios cheios e muita chuva.
A jornada não parecia ser da piores, considerando numerosas outras, feitas com Janduí e seus índios, não somente pelo sertão e litoral do Rio Grande, assim como pela Paraiba, Pernambuco e Alagoas onde ele esteve expulsando os colonizadores portugueses. No rio Picuí - foi localizado por Baro e comitiva na direção Sul de Macaguá, no dia 22 de maio, quando foram vistos, naquele local, quatro guerreiros índios, montados em seus cavalos, dispostos em orientar os visitantes até a aldêia de Janduí, situada na margem da imensa lagoa Acauã-Gargalheiras. O pai adotivo de Baro - Janduí recebeu o filho em sua tenda, com alegria e admiração, fazendo ao mesmo tempo, as reclamações sobre os holandeses pela falta de reconhecimento aos Tarairiú dispostos em expulsar os colonizadores. No "altar para os céus" das serras de Macaguá, atual Acarí, o prof. B.N. Teensma assinala que Baro passou mais de 30 dias ao lado dos indígenas, vendo e participando do Rito da Passagem, falando, pensando, rindo, cantando e chorando com eles, relembrando os dias de sua infância e juventude.
Sem haver mais as fortes chuvas de maio-junho, Baro iniciou o seu regresso ao Rio Grande, dia 7 de julho, seguindo o mesmo roteiro de antes, até o forte Ceulen, onde se apresentou à tarde de 14-7 ao comandante Cornélio Bayaert, como interino de Joris Garstman, este convocado para ir a Pernambuco fazer depoimento sobre a morte de Rabe. Antes da missão Macaguá, o alferes Baro havia adquirido em 1644, com o dinheiro do primeiro ano de serviços naquela Companhia, uma terra na aldeia Jacaré-Mirim, ao norte do rio Potengí, onde ele pretendia fazer agricultura e pecuária, nos anos seguintes, sem prejudicar suas atividades na organização holandesa. Outra decisão de Baro foi a sua viagem à Holanda em outubro daquele ano, para o casamento com Lobberich Wijbrants, em Amsterdam, tendo regressado ao Brasil nos dias posteriores com o fim de continuar na mesma função de antes.
Na expectativa do atendimento, a exemplo do que ocorria com outras pessoas comprometidas com o governo holandês em Pernambuco, inclusive o coronel Garstman, então comandante dos flamengos no Rio Grande, Baro apresentou requerimento aos diretores da WIC no sentido de que ele fosse autorizado à criação de gado em sua fazenda as margens do rio Potengí. A permissão esperada, foi negada no início de 1648, motivo pelo qual Baro preferiu afastar-se ou deixar a Companhia para cuidar exclusivamente de sua fazenda, ao lado da exposa, na terra em que ele cresceu ao lado dos índios com quem aprendeu a ser livre, o que jamais ocorreu.
Em decorrencia de tais questoes, Baro preferiu em agosto, quando completava cinco anos de função na Cia. das Índias Ocidentais, desligar-se da mesma, ou seja, demitir-se, pois os planos adotados anteriormente estavam sem indicadores positivos.
Os sonhos de Baro, assim como de Janduí, a partir do Rito da Passagem, ficaram no abandono e esquecimento, no mistério do tempo. ou seja, sem história, até mesmo na hora da morte, pois ambos não tem a definição das datas e locais dos finais de suas vidas. Apesar de quase 4 séculos desses acontecimentos, ainda podemos esperar que a cultura dos indígenas seja reconhecida, admirada e respeitada na linha infinita dos três tempos, a partir do Acarí, pelos grupos sócioculturais do Brasil e, necessariamente, da Holanda que preferiram soterrar os fatos históricos e culturais dos Tarairiú.
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Arlindo Freire -
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