sexta-feira, 12 de junho de 2009

RIBEIRA - 301

A FESTA DA MENINA MORTA
"A Festa da Menina Morta" chegou aos cinemas nesta quinta-feira (11) com a marca de ser o primeiro longa-metragem dirigido pelo ator Matheus Nachtergaele. Consagrado nos palcos e nas telas. Nachtergaele, o traficante Cenoura de "Cidade de Deus", assina a direção e o roteiro do filme, este último feito em parceria com Hilton Lacerda. O resultado não é de fácil digestão. "A Festa" transita em temas abstratos que devem provocar inquietações no espectador.
O filme acompanha os preparativos e a realização da Festa da Menina Morta, que lembra os 20 anos de desaparecimento de uma criança em uma cidade do interior do Amazonas. Ao longo dos anos, o irmão da criança desaparecida, Santinho, passa a ser visto como um "milagreiro" capaz de curar pessoas e fazer previsões do futuro.
O tema do misticismo transita na superfície do filme. Os personagens de "A Festa" realizam suas ações em decorrencia da "menina morta". De fato, quem parece protagonizar o filme é um fantasma que assombra a vida de todos que vivem naquele povoado amazonense. Todos têm suas existências guiadas (ou paralisadas) em decorrência da "menina morta". Em uma comparação, "A Festa da Menina Morta" seria um "Esperando Godot" misturado ao misticismo brasileiro. Mas Nachtergaele não faz apenas o retrato de um povoado preso ao misticismo.. O ator nos faz notar o deslocamento dos valores que criam novos sentidos. É o que acontece com Santinho, um jovem que é alçado ao status de santo vivo.
Essa transformação causa estranhamento. Como nós, espectadores, poderemos ver essa figura? Como um mortal, ele não passaria de um personagem afeminado e com acessos de fúria. Mas se quisermos compreendê-lo como um santo, a sua feminilidade poderia ser estendida como uma maneira de neutralizar a sua condição masculina. Assim, Santinho se torna uma figura andrógina, de sexualidade indefinida. Como santo, ele não poderia ser visto nem como homem, nem como mulher.
A impressão de que os valores estão fora de seus lugares torna-se ainda mais intensa na cena em que Santinho é sodomizado pelo seu pai. A cena é chocante se vista sob um véu de nossos valores morais. Afinal, em um primeiro momento, trata-se de uma relação carnal explícita. Mas no mundo proposto por Nachtergaele, ele pode ser também a relação de uma figura terrena (o pai) buscando "humanizar' seu filho. Quando Santinho se depara com sua mãe, o processo se inverte.Ela busca "santificar" a figura do filho.
As frequentes cenas com personagens ao banho, de animais sacrificados e de expressôes de dor não física sugerem que há algo além daquilo que vemos. Elas nos apontam para interpretações simbólicas. Em um mundo em que impera o abstrato, o espectador pode se sentir um tanto deslocado e perdido, o que enfraquece a compreensão do filme.
Ser um filme de um estreante, sem trabalhos anteriores para termos uma referencia de apoio, pode deixar o espectador ainda mais desorientado. Aqui vale uma dica. Há algo de "O Rio" (1997), de Tsai Ming-liang, em "Festa da Menina Morta" no que se refere ao uso da água e de um sofrimento "espiritual". Pode ser uma pista para ser introduzido no universo desse novo cineasta.
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