sábado, 19 de setembro de 2009

RIBEIRA - 410

- MENINA CIGANA -
Certo dia, eu caminhava apressado ao longo da rua Frei Miguelinho, no bairro da Ribeira, em Natal, Rn, para chegar à Agência dos Correios, onde eu buscaria velhas e novas cartas vindas de outras partes do Brasil, para o meu tio, pois assim ele mandara. Na rua havia um vasto comércio que, para mim, já não importava tanto, pois era o meu costume de passar naquela artéria. Contudo, mesmo assim tendo visto, olhei com precisão as Casas de Créditos que lá existima, lojas onde se podia comprar fogos de artificio e outras coisas, também e uma tipografia, onde trabalhava um meu amigo, o então novo Palocha, cujo nome, na verdade, era Paulo. Paulo Rocha. A tipografia onde Palocha trabalhava ficava quase que vizinho ao Beco da Quarentena - de saudosa memoria. Hoje, o beco existe. Porém, nessa altura, ninguém mora mais em seus cubículos que serviam para dar moradia as "velhas" ex-damas da noite. No beco também havia um ou dois bares. Talvez mais.
Eram 9 horas da manhã. Eu passei correndo de rua a fora, buscando chegar o mais rápido possivel da Agencia dos Correios, pegar as cartas, e voltar. Na esquina da rua Frei Miguelinho com a Esplanada Silva Jardim, eis que vinham umas ciganas. Um grupo de cinco mulheres, dentre as quais, uma menina dos seus 7 anos de idade. As ciganas - mulheres - me abordaram para que eu mostrase a mão onde elas - ou ela - leriam os segredos e fortunas do meu incerto futuro. Sem saber o que fazer diante de tantas mulheres vestindo roupas coloridas de cima até em baixo, ao arrastar no chão, mangas igualmente compridas, colares, pulseiras, miçangas e diferentes adornos eu pus a minha mão para que uma das mulheres pudesse ler um meu destino. Certamente aquilo resultaria em uma doação - em dinheiro - à velha-jovem mulher cigana.
Das mulheres presentes, aquela era a mais velha. Talvez tivesse uns 55 anos. Outras, tinham bem menos idade. Havia uma moça dos seus 20 anos e a menina cigana, a mais nova de todas. Eu olhava em torno, a observar as mulheres-ciganas, temendo um incerto acontecimento que porventura viesse a suceder de imediato. Todas elas me olhavam, inclusive a menina, com uma expressão altiva, olhos negros, mãos suaves, dedos delicados, boca miúda, nariz afilado, cabelos longos que lhe baixavam os ombros, um véu de seda brilhande de cor vermelha, comprido até chegar ao meio de suas perninhas grossas, para tal quem era uma menina.
A cigana me olhava com seu agreste sugestivo olhar de mulher viajada por esse rincão brasileiro enquanto que as demais ciganas ficavam apenas como se propusessem uma ajuda para elas que tanto caminhavam por essas terras de ninguém desse enorme continente. Eu meu lugar, a ouvir toda a preleção da mulher-cigana, certa feita eu olhei para a figura de menina que se conservava junto a mim, quase rente a minha perna, a olhar meu rosto ou meus olhos com seu inefável cúmplice olhar de menina que um dia seria uma indulgente mulher. Eu a olhei e então, sorri, buscando apenas alguma resposta para aquele tão mágico inquietante momento de indiscritível e encantador instante. Porém, não senti afeição de parte da criança que concebia apenas o desejo sereno de olhar. Notei em seus tenros braços, uma porção de adornos feitos de metais como algemas, cujo labor de deixou impressionado. A menina tinha vestes de cor púrpura, combinando com o véu que lhe cobria a cabeça. Porém a veste que ela trajava era de uma cor mais forte, cor de sangue quase morto. Um flor de tom amarelo lhe enfeitava o cabelo acima da testa, mais para a cabeça onde seus ternos cabelos desciam em auricolor ondulação mais abaixo dos ombros. Com certeza, alí estava uma cigana que o tempo jamais me faria esquecer. O seu modo ingênuo de olhar era tudo que inebriava o meu instinto de garoto rebelde. Confesso que, ao perceber aquela ingênua imagem de mulher em formação me deu força interior de largar tudo e me juntar ao grupo de alegres e divinas ciganas que vivem a perambular por esse território onde o certo é o incerto, onde o ensejo é largar o problemático, onde o presente é saber viver o futuro. Livres mulheres da India onde viver é aproveitar a vida no que ela tem de melhor. Ciganos são povos livres, vindos da exotica India e hoje vivem espalhados pelo mundo.

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