quarta-feira, 30 de setembro de 2009

RIBEIRA - 421

MAUSOLÉU DE MAO TSÉ-TUNG
Desde 1977, ou seja, um ano após a morte do Grande Timoneiro, dois Mao se encaram na praça Tiananmen: um retrato, pendurado no portão da Praça da Paz Celestial, parece contemplar seu duplo simbólico, o corpo embalsamado que repousa, em seu caixão de vidro, no mausoléu erguido para lhe garantir uma eternidade imperial.
Na manhã de terça feira, 29 de setembro, dois dias antes da festa nacional que verá o regime chinês comemorar seu 60ª aniversário em uma abundância de desfiles militares e delírios pirotécnicos, a multidão ainda era pequena. É preciso dizer que o tempo não está muito favorável: o outono em Pequim oferece um céu de um cinza infinito sobre a maior praça do mundo, aquela que Mao Tsé-Tung mandou ampliar após a vitória comunista. Mas há grupos de turistas chineses tirando fotos diante do mausoléu ou do grande monumento "aos heróis do povo", erguido no centro da praça. Hoje, com a aproximação do 1º de outubro, outro retrato vem perturbar o habitual face-a-face dos dois Mao: é Sun Yat-Sen, pai da República de 1911, que consagrou o colapso do império; o regime comunista o incluiu em seu panteão. De bigode e olhar severo, apertado em um uniforme cinza azulado - que os ocidentais chamam erroneamente de "terno Mao", mas que os chineses chamam de "terno Sun Yat-Sen" - o primeiro revolucionário da China examina o Mao do retrato apoiando-se no Mao do mausoléu.
Estranho face-a-face na bruma de setembro. Por toda a praça, cada um dos "postes cerimoniais" mostra uma figura dançante, representando as 56 etnias da China. É parte da preparação para a grande missa de quinta-feira, onde todo um povo deve comungar na unidade nacional. Se houve um "santo dos santos" entre os locais sagrados do maoísmo, certamente foi na praça de Tiananmen, coração do império. Alí, por vezes o governo foi celebrado (discurso de Mao em 1º de outubro de 1949; histeria coletiva quando os guardas vermelhos agitaram seu Livro Vermelho durante a "revolução cultural" de meados dos anos 1960), por vezes desafiado (movimento de contestação dos estudantes em 1989). Situado no sul da praça, esse mausoléu simbolicamente construído com materiais vindos de toda a China - granito de Sichuan, porcelana da província de Cantão - contém segredos mal guardados. Em um livro que foi um grande marco, "A vida privada do presidente Mao" (1994), o Dr. Li Zhisui, antigo médico do número um chinês, contou as dificuldades encontradas depois que o comitê executivo decidiu que o corpo do presidente seria embalsamado - e não incinerado, como ele mesmo havia desejado. O Dr Li conta que, na companhia de seus assistentes, ele examinou "as antigas técnicas chinesas de conservação". "Arqueólogos haviam desenterrado recentemente corpos velhos com centenas de anos, em um estado de conservação extraordinário. Nós rapidamente concluímos que, no caso de Mao, essas técnicas seriam inutilizaveis: enterrados a uma grande profundidade, o corpos nunca haviam sido expostos ao oxigêneo e se desentegraram imediatamente ao entrar em contato com o ar", ele explica.
O médico e seus auxiliares em seguida se depararam com outro tipo de problema: era fora de questão pedir conselhos aos soviéticos, que haviam embalsamado Lênin; as relações entre Pequim e Moscou estavam muito degradadas na época. Depois foi decidido que iriam buscar ajuda dos vietnamitas, que haviam sacralizado o corpo do Tio Ho, morto em 1969, e o expuseram em seu mausoléu em Hanoi. Mas essa tentativa também resultou em fracasso; os vietnamitas, com ciúmes de seus segredos de mumificação, se recusaram a ajudar os camaradas chineses. Entretanto, alguns fofoqueiros contaram para dois enviados de Pequim que, ainda segundo Li Zhisui, "o nariz de Ho Chi Minh havia apodrecido e sua barba havia se desintegrado". Então nada disso previa algo de bom para a sequencia dos acontecimentos.
O episódio que se seguiu imediatamente à morte de Mao Tsé-Tung, às Oh 10 de 9 de setembro de 1976, ultrapassou os limites do grotesco: depois de receber 22 litros de uma solução de formol, o cadáver inchou tanto que foi preciso massagear o corpo para fazer baixar parte do líquido. E um dos participantes da operação pressionou tão forte que a pele da bochecha direita rasgou. Mas o mais importante não está nesse relato macabro: o bom Dr. Li conta que os dois especialistas chineses foram enviados para examinar as estátuas do Madame Tussaud, o meseu de cera de Londres, Inglaterra. Na volta, um manequim de cera muito parecido foi moldado por artistas pequineses. Uma vez construído o mausoléu, desceram os dois Mao, o embalsamado e seu duplo, na cripta perfurada sob o monumento. Um elevador foi instalado, permitindo a subida até a sala onde o corpo está exposto. E então é feita a pergunta crucial: o que realmente se vê no mausoléu de Mao? O verdadeiro Mao, com rosto de cera, ou o manequim de cera com o rosto de Mao?.
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