quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AMANTES - 11 -

- Mariana Ximenes -
- 11 -
No dia seguinte, de paletó e gravata ultimo modelo, Silas Albuquerque já estava, muito cedo, 8 horas da manhã, em seu novo estabelecimento. Um birô último modelo com fino e esmerado acabamento, estantes ao redor da sala, pastas da mesa, computador para digitar o que fosse necessário, papéis, canetas e todo o luxo que se podia pensar. À frente do birô, uma poltrona. Ao seu lado, uma cadeira de um esmerado acabamento. Funcionários chegavam e passavam para os seus serviços. Todos se cumprimentavam uns aos outros. E ele estava só em um ambiente por demais acanhados que Silas se sentia envergonhado. Ao lado do seu gabinete, estava o da vice-presidente, Vera B. Muniz. Ele logo avistou esse pormenor. Na sua porta, estava o marceneiro a pregar – Silas Albuquerque – em um pouco abaixo – Assessor -. Porém não dizia de que ou quem ele era o sentido de assessor. E Silas ficou a imaginar:

--- “Assessor de quem?” – pensava Silas com um amargo sorriso.

Por um tempo Silas ouvia o leve tilintar dos computadores na imensa e destinada sala com vertiginosos executivos imersos em seus afazeres. O edifício era um super mega para tantos funcionários, servidores, executivos e tudo mais envoltos nos seus eternos compromissos. E Silas envolto em seu trabalho de não fazer coisa alguma. Àquela hora da manhã era bastante cedo para a vice-presidente estar presente. Silas ficou a imaginar com quem a moça dormira, pois o eterno ciúme já lhe assomara o peito. Lembrava de qualquer modo Silas do tempo de criança. Ou mesmo garoto, quem sabe jovem. E assim ele se lembrou do sítio de Heráclito que a gurizada chamava apenas de “Eraquis”. Do dia em que foi com Vera até o local por entre morros, bem no centro, em uma depressão. O Sítio era repleto de mangueiras, cajueiros, pitombeiras e outras frutas então desconhecidas pelo garoto. Ele se lembrava das historia que o velho Heráclito contava para ambos. Vera ficou assombrada quando o homem contou o fato das raposas.

--- Elas vêm todas as noites. Caem na risada. As galinhas e os galos ficam assombrados. As raposas pulam de um lado e para outro dando risada. Quando cai um, elas pegam e traçam. – contava o velho Eraquis.

--- Traçam o que? – indagou Vera assustada com a estória.

--- Traçam. Comem as galinhas. – sorria o velho Eraquis.

--- Virgem Nossa Senhora! Comem? Vivas? – argüiu Vera em pânico.

--- É. Elas comem vivas. De noite. Nem tem graça. Rasgam tudo. – contou o velho.

--- Vou embora! As raposas podem aparecer! – levantou a mocinha cheia de temor.

--- Espere. Espere. Certa vez, eu me armei de uma espingarda e fiz tocaia. – disse Eraquis.

--- Fez o que? – perguntou a garota com assombro.

--- Tocaia. Esperei as raposas. Esperei até certas horas da noite. Quando elas apareceram, a galinhada já ficou alarmada com elas. Có-có-có Co-có-có. Eles em cima dos cajueiros. E as raposas sorrindo. Pulando de um lado para o outro. Foi aí que eu disparei: pei! – um só tiro. Matei quatro raposas. As outras foram embora e nunca mais voltara. – sorriu o velho.

--- Voltaram não? – perguntou Vera de olhos esbugalhados.

--- Voltaram nada. Às vezes aparecem umas ou outras. E eu já sei. Quando as galinhas começam a cacarejar, eu: pei! Só dou um tiro. Mato todas! – sorriu Eraquis a boa graça.

--- Vamos embora Silas. Pode ser que hoje elas apareçam por cá! – recomendou Vera com medo terrível das raposas.

--- Espere. Não vá agora. Eu tenho uns cajus para você. E vamos conversar mais. A tarde está calma. Não se vê viva alma! – sorriu o velho Eraquis.

--- Alma???? E tem alma aqui???? – indagou alarmada a garota Vera.

--- Tem. Mas só aparecem de noite. – tranqüilizou a sorrir o velho.

--- E o senhor mora aqui sozinho? – perguntou Vera assombrada.

--- É. A mulher morreu por esses dias. Eu fico só nesse matão. – respondeu Eraquis.

O velho então encheu o cachimbo de fumo e pegou a fumar. Cada tragada que dava gosto. O fogareiro acesso de brasa era o ponto para se acender de novo quando tudo tivesse apagado.

O rapaz se lembrou desse momento enquanto Vera Muniz entrava no seu acanhado escritório. A cumprimentá-lo com um leve beijo na face ao dizer:

--- Cuidado. Aqui é diferente. – sorriu Vera Muniz.

E começou a indagar de Silas se ele tinha alguma idéia para se resolver. Ele respondeu que não, pois nem sabia por onde começar. Estava apenas a pensar no local que ele era para ir onde faria o documentário sobre toda a ampla região.

--- Capadócia. Vamos para o meu gabinete e poremos o caso em dia. – respondeu Vera Muniz.

Na verdade, não era de fato Capadócia a terra que Vera queria fazer um documentário de cinema para exibir no Brasil e, principalmente, no exterior. Depois de longo espaço de tempo, Vera falou em um sítio arqueológico existente no Brasil. Era tão sagrado o sítio, que ela achou por bem chamar de Capadócia em homenagem a região da Turquia. E foi desse termo que ela colocou a idéia em suas próprias mãos. O destino era longo demais. Pelo menos duas unidades foram conectadas para rodar a filmagem. O tempo que levaria este documentário talvez fosse de doze meses. E talvez mais até. A locação era algo de difícil acesso para os cinegrafistas, diretores, roteiristas e demais pessoal empregado nessa aflitiva filmagem. Vera Muniz tinha tudo em sua memória. O texto estava pronto, o roteiro também. Então somente faltava se por a mão na massa. A idéia de buscar um novo elemento para auxiliar na direção do filme surgiu quando Vera viu o nome de Silas no jornal no qual o rapaz trabalhava. A despeito de ser um quase jornalista, Silas havia se comprometido com o Clube de Cinema da Cidade. Então, cravou a sopa no mel.

--- E eu disse; Silas é o nome. – sorriu Vera ao contar a trama a Silas.

--- Até aí esta tudo muito bom. Mas eu não sei nem um pouco de filmagem. - argumento Silas impressionado.

--- Então é aí que entra você. Não importa que saiba ou não. Eu tenho cinegrafistas. Em tenho diretor. Eu tenho roteiristas. Eu tenho tudo que se precisar ter. Mas não tinha alguém da minha confiança para ajudar nas filmagens. Daí por que eu chamei você. – sorriu Vera Muniz.

--- Em palavras bem simples: eu não faço nada. – sorriu Silas preocupado com o tema.

--- Não é bem assim. Você administra tudo o que tem que ser feito em termos de direção. E além do mais você viaja comigo. – sorriu Verinha aos olhos de Silas.

--- Até ai está uma beleza. Mas na prática, o que eu faço? – indagou Silas atormentado.

--- Hora meu bem. Nós estamos falando de uma região inóspita. O plano é de trabalhar da região da Chapada Diamantina. É um sertão terrivelmente remoto. A Chapada fica no centro do Estado da Bahia. Temos ali o chamado Rio das Contas. Esse rio brota no cume de uma pedreira e despenca como verdadeira cachoeira com a formação de piscinas belas e naturais de águas cristalinas. Temos ali uma vegetação exuberante e de caatinga. E em todo esse local você está presente. E, aliás, comigo. Agora entendes? – indagou a sensual Vera Muniz.

A cabeça do rapaz girou ao contrario, pois jamais pensaria em termos tão avantajados como o que a moça explanava. Tudo era magnífico e de uma eloqüência tal cujo poder de vislumbrar somente podia vir de uma mente tão brilhante como a de Vera Muniz. Eles conversaram horas e mais horas perdendo até a noção do tempo. A Chapa era o marco para alavancar toda a proeza daquela exuberante moça. Ela, que viajara por todo o resto do mundo, seria a mentora de algo sensacional para expor o País à altura de qualquer outra nação. Quando a conversa veio ao seu final, os dois amigos estavam exauridos. A filmagem do trabalho começaria na semana vindoura com as entrevistas de pessoal dos de escritórios. Ministros, Governador entre demais pessoal que se pudesse compor. Até aí, Silas não tinha coisa alguma a poder fazer. Apenas ele estaria a concluir os seus estudos. Quando as equipes fossem deslocadas para o sertão da Bahia, os amantes estariam presentes.

À noite, após a aula, o rapaz foi ter ao apartamento da doce mulher amada para se deleitar em conversas corriqueiras ao som de um cd acalentador. Ao toque sutil de um bolero despertou a chama do peito dos ardentes amantes como nos velhos e distantes tempos onde orquestra e nem radio havia para o deleite dos dois. A dança de salão enlevava os amantes a recomeçar tudo que havia perdido na voragem das quimeras. Longo espaço de amor fecundo inspirou os amantes ao deleite da candura a viver sonhos entre laços. Sonhos de alcovas perduravam aos dois enamorados. Carícias latentes eram somente afagos cuidadosos para a eternidade do prever. Na rua, dez pisos abaixo, enamorados sorriam embevecidos de tanta durável alegria costumeira. O buzinar dos veículos nem ao menos tirava os sonhos dos eternos namorados. Havia música ao luar e a candura de solilóquios de amor.



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