sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 54 -

- Constance Bennett -
- 54 -
No mesmo dia em que esteve em visita a Honório, a mulher Luiza pensou mais de uma vez: era a hora de fazer o seu pé de meia. Como Presidente a organização, ela tomaria quase todo o numerário existente na empresa e depositaria em dólares em um banco das Ilhas Caiman e mesmo nos Bancos da Suíça. Depois, largaria tudo, deixando a jovem Racilva de Mileto a tomar conta do patrimônio ainda existente e desapareceria de vez da cidade. E foi isso o que fez. Honório era um homem incapacitado, o senhor Jorge Dumaresq já estava muito velho para Luiza. E ela queria gozar a vida longe de todos. Europa, principalmente onde inventaria outra loja de artigos velhos e, quem sabe, novos. Abênção mãe, abênção pai e tchau. Ela ao chegar ao escritório da firma assinou um protocolo dando amplos poderes para Racilva e dizendo que desta vez partia em viagem para ver uma exposição de artes sacras. A moça concordou e nem mais perguntou se poderia ir também. Apenas arquivou a nomeação para efeitos de seguro. Daí por diante, Racilva avisou por escrito aos Bancos da praça onde a empresa tinha negócios que, daquela data em diante, Racilva de Mileto era a nova presidente do aglomerado Duma/JD para todos os efeitos. Com Luiza de Campos em viagem, Racilva fez logo um levantamento bancário do que a empresa tinha a sua disposição em toda a rede de Bancos. Foi com surpresa, ao cabo de uma semana, que Racilva notou o caixa da DUMA/JD praticamente zerado. A não ser os negócios feitos durante a semana, de resto, o equivalente em moeda nacional era praticamente zero. Com os demonstrativos em suas amorosas mãos, Racilva consultou o velho Dumaresq se alguém mais tinha noção do tal saque ou se alguém podia fazer tamanho saque. O velho tinha ainda reflexo rápido e não tardou em desconfiar: os saques só podiam ter sido feitos por Luiza de Campos, pois sua assinatura constava em toda documentação. E mesmo as contas onde não havia assinatura, eram convenientes se notar ter sido feitas transferências de Bancos para Bancos.

A polícia Internacional, com duas semanas, iniciou a cata de Luiza de Campos por todos os lugares, pois havia indicação de que a moça teria feito viagem para a França. Na certeza de que estava livre Luiza se acostumou a viver a seu bel prazer pelos hotéis grã-finos da Europa com sucos e caviar. Era da França a Bonn. De Bonn a Roma. De Roma a Mônaco. Em todos esses locais eram prazeres e amizades. Luiza chegou a trocar de nome com uma nova identidade: Camila Dalla Dea. Com essa identificação seria bem mais fácil passar por uma italiana filha da nobreza. Mulher riquíssima esbanja todo o seu glamour nas piscinas dos hotéis europeus. Podia Camila dormir com senhor de vários anéis e acordar com um moço sem nada na vida. Nesse ponto, a Polícia Internacional perdeu o seu rumo. E Camila Dalla Dea contraiu núpcias com um soberbo cavaleiro do Reino da Suécia para ter o seu nome projetado na imprensa internacional. Ela era para todos os efeitos uma mulher de formosura sem par. Almoço, jantar, suares ao som de violinos em sua própria Mansão dos Bergman.

Jorge Dumaresq não perdia uma oportunidade de apanhar Luiza. Porém, o homem não sabia a troca de nomes com Luiza se passando a chamar Camila Dalla Dea Bergman ou apenas Camila Bergman. Às vezes e mais freqüente ela era apontada de Senhora Bergman. Enquanto isso Racilva assumira a presidência do DUMA/JD impulsionando os negócios de forma impactante e, no final do primeiro semestre do ano, a DUMA já auferia uma arrecadação de verdadeira monta. Racilva contratou diversos auxiliares para obter trabalhos feitos na região e mesmo as mais belas obras sacras no interior do País. O trabalho de Racilva era primoroso ao acabar se servir de exemplo para outros ateliers. O velho Dumaresq dava todo o empenho ao esforço da moça e agüentou o contratempo do prejuízo com os mais desenvolvidos negócios. Com os olhos mais abertos para a fama, Dumaresq não largava de vez aquilo que a sua impulsionada nova presidente tencionava fazer. Uma das irmãs de Honório esteve no atelier certa vez para ver se as coisas andavam em perfeita ordem. A mulher observou tudo e depois voltou para Estado onde morava.

Certo dia, quando era sol, Luiza ou Camila, viajava em seu carro tendo a companhia de uma enteada, ao inverter uma curva no roteiro Paris-Bruxelas perdeu o controle da direção e despencou em um abismo profundo rompendo as barras de contenção da estrada. O carro saiu da rodovia de caiu em cambalhotas por diversas vezes indo parar junto ao leito de um riacho há trinta metros de profundidade. No acidente apenas Luiza morreu uma vez que a sua enteada foi despejada fora do veículo. A notícia correu o mundo afirmando que a dama Camila Bergman foi vítima de um estupendo acidente em uma estrada francesa. Fotos foram feitas do carro capotado e uma foto da Madame Bergman foi vista ao redor do mundo. Ela era esplendorosa em sua foto dado a beleza que possuía. Não houve suspeita que madame Bergman fosse Luiza a não ser pela curiosidade do velho Jorge Dumaresq. Ao ver a foto em uma revista o homem se debruçou bem para examinar o que estava impresso. Ele viu uma leve cicatriz no pescoço que a mulher havia tido desde menina. Era costume de Dumaresq tocar na cicatriz quando os dois estavam em um quarto de motel. E essa cicatriz foi o que norteou o velho Dumaresq.

Com poucos dias após o acidente, estava o velho Jorge Dumaresq em torno na urna mortuária em Estocolmo quando devia ser sepultado solenemente o frágil corpo de Luiza em terreno da Mansão dos Bergman. Ele buscou ver se de fato era a moça que trazia à mostra a cicatriz no pescoço. E era. Uma pequena cicatriz contraída quando menina por um furo de uma tesoura. Comoção geral tomou conta do velho Dumaresq que estava em companhia da presidente das organizações DUMA-JD, Racilva de Mileto. Uma cadeira alcochoada para acomodar o velho e medicamentos para elevar sua pressão. Foram passados alguns minutos e o um nobre homem procurou saber que era aquele velho que tanto chorava. Logo veio a resposta ser o senhor Dumaresq. O homem se aproximou do cavalheiro e disse para não se importar, pois a sua mulher estava em um bom lugar. E quis saber se havia parentesco entre os dois.

--- Não. Não há. Ela apenas trabalhou na minha organização. Foi presidente de um atelier. – respondeu o velho Dumaresq.

--- Ah, bom. Era uma bela mulher. – defendeu o homem cujo verdadeiro nome era Kamby Bergman esposo de Luiza e para todos, Camila.

Para Dumaresq nem importava a soma em dinheiro que Luiza levou. Ela então só desejava que a vítima estivesse em paz. Após se despedir do esposo enlutado, Dumaresq partiu de volta ao seu País em companhia de Racilva, tão bela quanto foi, quando viva, Luiza de Campos.

A noite era tenebrosa. Relâmpagos, trovões e chuva alarmavam toda a gente da Mansão. Apenas Honório não sofria por isso. Em sua cama. Agasalhado, ele estava a dormir. Na cabeceira, se notava a presença de Adélia. Ela casara com Honório em dias que passou. Na verdade, era o afago que Adélia tanto negou a seu amado. Quando da morte de sua irmã. Ângela, a moça se comprometeu em promessa que não largaria nunca mais em tempo algum o rapaz que sempre teve em seus sonhos. Maldizia-se pelo que fez com Honório que por mais de uma vez pediu a sua mão em casamento. E ela não preferiu casar. Veio a irmã em primeiro lugar. E então, depois de tanto sacrifícios Adélia resolveu casar com o moço. Já não sendo rico, mesmo assim, apenas o título que lhe atribuía era por demais sagrados. Da vez que houve inverno, ela se lembrava do dia posterior. O tempo havia passado. Veio a morte da irmã e o aleijamento de Honório. Sem futuro para dar, Adélia preferiu casar com o rapaz sem pompas nem jantares. O casamento foi mesmo em casa da família, a Mansão dos Dumaresq na presença de Dona Do Carmo, as empregadas e a mãe de Adélia. A moça chorou de pleno contentamento de receber Honório por seu esposo. Afinal ela teria a cumprir o que sua irmã não pode fazer.

O vento frio e ensurdecedor zumbia a todo instante fechando as janelas ainda abertas. Coisa alguma se ouvia. Mais pareciam as eternas exéquias das almas. Apenas o uivo da ventania ladrava no cume das árvores. Balanços sofridos gemiam os pés de ciprestes. O desaguar do céu bem debatia o clamor do tempo. Catarina adentrou no quarto com uma admirável bandeja de prata trazendo bolachas, biscoitos, leite e café quente sem falar no açucareiro também de prata. Xícaras arranjadas de modo acolhedor enfeitavam ainda mais a refeição das sete horas. Adélia agradeceu a cortesia da moça e essa, com o joelho a vergar, retribuiu o agradecimento prestado. Relâmpagos acudiam em meio à chuva incessante caindo tenebrosa e fria de todos os lados da Mansão. Os cães dormiam recolhidos como um verdadeiro imbua gigante. Gatos procuravam locais mais aquecidos para se por a sonecar. Catarina olhou para Honório e abriu o leve sorriso mesmo sabendo que ele não havia como retribuir. De modo delicado e simples, Adélia pôs um biscoito na boca de seu esposo.

Racilva já estava consolidada como presidente do conglomerado DUMA/JD ao lado do velho Dumaresq. Quando havia um conflito nas negociações ela pedia a Dumaresq a sua opinião. A Europa era um mercado aberto para os negócios. Naquele continente se fazia de tudo. Desde as artes sacras encontradas nos mais longínquos pontos de todos os pais até as bem modernas artes dos dias atuais. Com esse propósito, Dumaresq findou erguendo uma filial da empresa em outro ponto do País por ser mais fácil ter de conseguir artes exóticas e maravilhas de Países da America do Sul, como peças Incas, Astecas e até mesmo de Países menos procurados onde o trabalho em arte era muito pouco de se ouvir dizer. O conglomerado passou a atuar na África, onde peças eram encontradas dos mais variados tipos. A gloria de Dumaresq somente se concretizou com as ilustrações tais como as de Santo Antão e painéis de São Vicente. Entre tantos outros se encontram igualmente artes da Nigéria e peças de confecção de Angola entre diferentes países. Racilva estava sempre a viajar por essas nações a cata de obras esquecidas e postas como uma pedra escorando algo, como porta.


- O COMEÇO -
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