segunda-feira, 11 de outubro de 2010

DANÇA DAS ONDAS - 47 -

- Isabelle Huppert -
- 47 -
Após longo período a examinar àquela obra que Carmen reproduziu do original e todo se contorcendo como quem tinha uma espinha enfiada na barriga, Honório já sem poltrona, pois o velho Dumaresq ocupou o assento em que Honório se espojava com toda a impetuosidade de alguém que não sabia quem era, ele então falou, procurando ouvir os conselhos do seu tio, o velho Dumaresq. Pelo seguir da carruagem, tendo recebido um sinal de desaprovação o seu próprio tio, por não conhecer “Ressurreição”, de Rafael, ele procurou afirmar:

--- Muito bem! Eu aprovo, - e olhou para o seu tio Dumaresq.

O velho sentado na poltrona comentou apenas com um gesto da mão, postando a mesma para um lado como quem dia:

--- “E por que não?” – fez com a mão o velho D.

A moça sorriu timidamente ao ser aprovada naquele exame de boa forma. Na verdade, a tela feita pela dama era tão perfeita que o próprio Rafael teria dito a mesma coisa. Ao lado da “Sagrada Família”, a última tela de Rafael ali reproduzida era uma verdadeira perfeição. Algo sublime sem comparação. Naquele instante podiam-se ver duas obras primas: a de Rafael e a de Carmen que alguém poderia dizer ser a dama a reencarnação de Rafael. Luiza não se queixava de coisa alguma. Apenas se postava distante das telas a olhar indiferente. Na verdade Luiza observava bem melhor a dama que as suas magníficas e admiráveis pinturas como quem estava a perscrutar algo de especial na atraente dama da tarde. Para Luiza aquela dama ela já a conhecia de algum lugar. Então, se voltou a sua paupérrima cadeira diante da maquina de escrever ficando a imaginar de onde fora que aquela dama se originou. Luiza era bem jovem. Porém com a sua idade já conhecera diferentes locais. Em um deles ela já teria visto a dama da tarde.

O tempo passou e a dama acerto deixar as suas obras quase primas para que Honório pusesse em sua galeria de artes já naquele dia à noite. A se acerto o preço, pois se veria a ação dos compradores a arrematar o óleo. Notadamente aquela seria uma luta de gato e rato, pois com paciência se veria o valor daquela obra de arte, apesar de não ser autêntica para ter um bom preço afinal. Após a dama sair, o velho Dumaresq opinou que gostaria de ver as obras da moça em local de destaque. Assim se poderia sentir o seu verdadeiro valor. O sobrinho, já suado, disse afirmativo e levou as telas para o atelier que ficava na parte de baixo do prédio. Jovem moça gerente do atelier de nome Nora Velásquez ainda não tinha chegado, pois, afinal, o seu expediente era a partir das quatro horas da tarde apesar de ter que chegar horas antes.

O velho ficou sentado em sua poltrona a olhar sem sorrir, a sua secretária, cuja tarefa estava a fazer naquele momento. Luiza batia à maquina como se estivesse ao desespero para terminar o que tinha acumulado desde a sexta-feira. O velho a olhava com uma caneta batendo nos seus próprios dentes e com o seu jeito tranqüilo de um homem por sinal às vezes sério. O telefone tocou. Era o rapaz que estreava no seu trabalho. O rapaz perguntou se Honório estava e prontamente a moça declarou:

--- Ele saiu. Quem é que está procurando? – indagou a moça.

O telefone parou um pouco e em seguida voltou o rapaz a falar.

--- É para seu Honório – disse o rapaz amedrontado.

--- Passe a ligação – respondeu a moça ligeiramente irritada.

Na ligação estava à senhora Ângela procurando falar com o seu marido. Luiza respondeu que ele havia saído fazia pouco tempo. A senhora então perguntou se seu Dumaresq estava. E a moça respondeu afirmativo. Então a moça pediu muita cautela e que passasse o fone para o seu Dumaresq. Luiza prontamente passou a ligação para o velho D. Nesse ponto o velho D não se esquivou em receber a ligação e de imediato atendeu a Ângela esposa de Honório. A mulher indagou o que o velho estava a fazer do escritório. E ele respondeu:

--- Sentado à mão direita de Deus pai. – sorriu fartamente.

--- Mas o senhor não sabe que está de dieta? – indagou Ângela alvoroçada.

--- E estou? Mas não tem nenhuma importância que eu venha até o escritório. Que está muito bem arrumado, por sinal. – sorriu o homem abertamente como um neném.

Ele ouviu a mulher rosnar de raiva como uma pantera negra. Se um animal como esse fosse sua companheira ele estaria perdido ou então já estaria longe. Então o velho D. procurou ser mais suave em suas contemplações para amenizar um pouco a raiva que a linda mulher sentia e deixar o seu coração nem tanto a palpitar. Ele sabia que tudo aquilo foi plantado por sua mulher Anita Colares. E nesse meio tempo, lhe veio o som de um distante rádio a tocar velha melodia de doce encantamento. A letra falava de certa bailarina. Ela estava a dançar cheia de momentos de felicidade. Mesmo assim, era total engano quem observava a bailarina em ver tal deslumbramento, pois em vez de alegria havia ali apenas a tristeza. Em seu humilde coração pairava um sonho desfeito, uma lembrança perene de um amor. Por tal motivo, ao desengano, ela era forçada a enganar o seu par de ocasiões e com ele a dançar para ter apenas o seu sustento garantido. Em todos os momentos de sua limitada vida ela, a bailarina, era como um lírio em verdadeiro lamaçal em suas noites de orgias. Sem poder ter a escolher o seu par dileto a bailarina passava de mão em mão com as suas fugas de nebuloso e triste sorriso encobrindo de certo uma lágrima caída de seus olhos amargos. Isso o velho Dumaresq ouvia e senta uma profunda vontade de chorar.

--- Que bela música. - disse o velho entristecido

--- Qual? – indagou Luiza de forma tardia.

--- A que tocou no rádio. – falou o velho Dumaresq a enxugar uma lagrima caída de seus prateados olhos.

--- Não ouvi. Estava envolta no trabalho. – sorriu Luiza.

--- É. Não tem importância. Era só uma música. – falou o velho apenas desconsolado.

A moça voltou a sorris novamente e lhe pediu desculpas por sua distração. O rádio era colocado em outro edifício e ela pouco ouvia as melodias por ele compostas e tocadas. Luiza, distraída, só se lembrava dos momentos alegres e felizes que passou ao lado de Honório no final daquela semana, e nada mais.

--- Estás ouvindo? – gritou Ângela com plena brutalidade ao velho Dumaresq.

O homem já nem mais se interessava com o caso e postou o telefone em cima do birô ficando a admirar somente a moça Luiza que não deixava de teclar a maquina de escrever. Triste por causa da melodia, Dumaresq ficou a solfejar a melodia e a bater os dedos em cima do birô lembrando-se dos seus dias de mocidade e a alegria que lhes traziam para sempre como um vigoroso Danúbio caudaloso. O desencanto da velhice já assumia o coração de Dumaresq, pois não podia evitá-lo de vez e para sempre. A vida se transformava em rua escura de um tempo frio inclemente com deveras de um desencanto perdido. Em tal momento, o velho se levantou devagar e foi até onde estava Luiza e se encostou ao seu corpo apenas a dizer o quando a amava por todo o resto de sua incompreensível vida. A moça sorriu, pois tais palavras vindas de um velho advinham um momento de solidão e ternura. Luiza teve um instante sublime de compaixão e beijou-lhe as suas mãos sofridas que alguma vez e muitas passaram na face de outra dama.

--- Se eu pudesse a tomaria em meus braços e voaria para os campos longínquos do afeto. Relatou o velho Dumaresq entristecido.

--- O senhor está demais, hoje. – sorriu Luiza levantando-se de repente da bancada onde escrevia e abraçando o nostálgico velho em compadecimento pelos lamentos sentidos.

--- O que eu sinto é amargura. Se tu estivesses comigo, nesses últimos dias, eu não estaria isolado em uma cama de hospital. Você pode nem saber. Porém eu te digo quanto te quero. – lamentou o velho a chorar de fora incontrolável.

--- Sossegue amor. Tenha calma. Não vá se desesperar. Eu sempre estarei aqui ao seu lado. Sempre contigo. – respondeu a moça de forma seria. Era tudo mentira. Porém era tudo que ela podia fazer naquele instante de dor e solidão.

Outra música dolente tocada no rádio assombrando de vez o velho e sonhador Dumaresq. Era uma melodia tão distante do seu tempo que ele nem mais se lembrava tanto. Falava de um amor sofrido. Por todo o tempo, a musa que cantava estaria a dizer algo de tão sublime para os esmerados e delicados corações apaixonados. O velho tomou Luiza em seus braços e passou a dança ao som daquela suave melodia em plena estreita sala, pois era o que restava para acudir o seu pobre e enfeitiçado anseio. A luz do sol do lado de fora não encantava mais aqueles nobres sentimentos do velho. Ele só queria dançar com a bela e sublime dama, tudo o que lhe sobrara naquela manhã. Por todo o resto de sua vida o velho a lacrimejar dizia à bela e insinuante dama: nada mais poderia fazer por seu amor tão doce e ameno resedá. A dama se encostou bem ampla ao corpo do homem que um dia fora alguém de muito especial para outra nobre e delicada pessoa. A luz difusa entrava pela janela onde a felicidade era um subterfúgio de duendes encantados. Luiza pensava em ter um lar que lhe fizesse mulher mesmo sendo uma mulher de segunda classe. Porém, de primeira classe ela já perdera a esperança. E então, naquele fútil instante valsava com o velho dos velhos sonhos de outrora.

Nenhum comentário: