segunda-feira, 2 de junho de 2008

RIBEIRA - VII



A Ribeira era um sonho para todos que frequentavam as suas ruas, diariamente, mesmo aos domingos e feriados. Era um bairro cheio de vida e de um resplendor inconfundível para os que faziam a festa de dia ou de noite. Uma certa manhã, Zeca mandou o garoto ir aos Correios, como já era costume. O garoto veria se chegara alguma correspondência na caixa-postal. E ele foi. Foi, mas por outro caminho. Foi pela rua Chile onde havia um trem atravessado na rua Tavares de Lira para a entrega de mercadorias, cimento, algodão e outras coisas, como caixas de vinho. O trem, quando chegava ali, demorava um bom tempo. Às vezes, o dia todo. E a noite, também.

O garoto foi ver de perto os carros do trem, visto que a máquina já havia saído, voltado à estação para fazer sua manobra e ter que ir para a Tração, uma estação que ficava no Alecrim, longe de onde ela estava a descarregar suas mercadorias. Porém, isso não era importante para o garoto. O importante era cruzar pelo meio, entre dois vagões e ir até o Cais Tavares de Lyra de onde se avistava todo o rio Potengí. Os barqueiro arrumavam seus botes enquanto que outros juntavam suas cordas de atracação. Uma lancha buzinava alertando aos passageiros que já estava pronta para largar. Navios enchiam o Porto e de onde o garoto estava, podia ver com atenção igual movimento que se fazia tanto no Porto como no Cais. Homens de pele negra, mais enegrecida pelo sol, eram os barqueiros que passavam o dia levando e trazendo mercadorias e passageiros de um lado para o outro da ribeira.

Não sabia dizer o garoto a razão de tudo aquilo que lhe extasiava a alma, vendo de perto o movimento imparável de barcos, barqueiros e gente. No Cais Tavares de Lyra era um movimento sem fim, o dia todo, de gente indo e vindo da Praia da Redinha para a Cidade do Natal todos os dias e o dia todo. Era um verdadeiro formigueiro sem parar.Um ébrio, deitado em um canto da murada, era um notívago que adormecera num resto de noite quando todos os bares da Ribeira já estavam fechados. Aquela cena era normal de se vê. Outros ébrios já começavam a bebericar àquela hora do dia, cedo ainda, para tirar a ressaca do dia que findara.

Alí estava o segredo das noites do dia-a-dia de quem vivesse no bairro para nem sempre poder contar o que fizera durante sua vida de tão pobre que era. O movimento se fazia na rua, com gente de toda a espécie indo e vindo, cada qual conduzindo as suas obrigações para o seu patrão ou para si mesmo. Depois de um curto tempo parado ali no Cais, o garoto seguiu o seu caminho, enveredando pela Rua Chile e lá na frente rumando pelo famoso Beco da Quarentena, um beco mesmo que ligava a Rua Chile com a Rua Frei Miguelinho. No Beco, havia bares que aquela hora já estavam abertos e casas de meretrizes, as pobres meretrizes que não tendo mais onde ficar, buscavam no Beco a sua saída para então dormir em um resto de sala após ganhar uns trocados de um freguês que naquele Beco encontrava o sonho de sua vida. Dali, o garoto rumava para os Correios a fim de ver se havia alguma correspondência na caixa-postal que ele traria de volta para entregar ao seu tio.
Por certo, havia de ouvir as reclamações de Zeca pela demora que ele fez, indo da rua dr Barata, no edifício da Ordem, até os Correios, cerca de 400 metros adiante. O garoto não tinha como responder, dizendo apenas que o local era longe, e nada mais. E seu tio naquele dia sentenciava que a partir de então o garoto só iria aos Correios quando estivesse pronto para sair. Era isso e nada mais. Então, o garoto calava e deixava seguir o tempo e se possível, no outro dia, pela tarde, quando não tinha trabalho, ele voltava a ver o movimento das lanchas e dos botes fazendo o seu vai-e-vem de todos os dias.

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