quarta-feira, 15 de julho de 2009

RIBEIRA - 339

À SANGUE FRIO
- CONTO -
Quase 8 horas da noite e Otávio resolveu tomar um banho, pois o dia foi de muito serviço na sua oficina e, então, ele já estava exausto de tanto montar e desmontar motores de barcos à óleo diesel. O bairro estava todo ou quase todo escuro com um silêncio profundo, apenas quebrado pelo barulho intermitente do rio que amançava nas pedras suas águas mornas, num sacolejo de vai e vem, à toda hora. Era sinal de que a maré estava enchendo naquele ponto do destino. Do mar, só se ouvia o barulho das ondas, e nada mais. O trem de carga estava parado há um longo tempo, na rua, e nem o pobre do maquinista estava por lá. Enfim, tudo era calmo, apenas quebrado pelo marulhar das ondas pequenas e lentas do rio.
Naquele instante, Otávio empurrou a porta que dava para o banheiro, fazendo um grosso barulho como se estivesse há um largo período sem ser aberta. Dentro do banheiro úmido, assumia um cheiro desagradavel vindo do sanitário, uma peça que, de branca só existia o nome, pois, de todo, era encardida. Nesse instante, o homem puxou uma tira que servia à descarga, para ver se limpava a privada, cheia de urina dos homens que trabalhavam com ele. Tais homens - cerca de três - já haviam saído logo cedo, coisa de 5 ou 6 horas da tarde. Apenas ele ficara alí, consertando um motor velho que se quebrou porque não tinha mais jeito. O motor era de um barco que fazia tempo que estava anconrado à margem do velho rio de muitos outros barcos. Na oficina, tinha para além de 10 motores, uns já sem jeito para reparo. Logo a seguir, ouvio-se a torneira despejando quase em gotejo a água que, com certeza era o homem lavando-se das agruras do dia. Era uma lavagem que o homem fazia diariamente para tirar as maselas do seu corpo em uma oficina fétida e cheia de ratos, baratas e grilos. Para Otávio, nada daqueles ruidos provindos dos bichos tinha qualquer importância. Ele, só estava interessado em se lavar para tirar o mau cheiro do óleo que tinha penetrado em seu corpo já um tanto cansado. Havia que dissesse que, naquele velha estrutura física só existia óleo amargo, pois a água e o sabão não largavam em nada aquela inhaca grudenta e profunda que já vivia com ele. Quem não soubesse, Otávio estava pegado desde criança em motores dos mais antigos e modernos. No início, eram bravos motores de motos pequenas e barulhentas, de ensurdecer qualquer um. É que ele ajudava ao pai, que também era mecânico de alguma certa fama. Com o passar do tempo, Otávio enveredou por motores de maior ganho, como jeeps, jipões até que ele entrou no mercado dos barcos movidos à diesel. E já estava nisso há um tempão. Coisa de trinta anos.
Logo depois do banho, ele se enxugou com uma toalha feito um trapo, suja como todo aquele ambiente nauseabundo e procurou se vestir como se fosse um homem elegante, apesar das velhas roupas serem um farrapo, que de nada mais o serviçe. Na saída, apagou a lâmpada do recinto, puxou a pesada porta de madeira, trancou a feixadura e saiu de um modo todo alquebrado como se estivesse bêbado. Na rua, avistou alguns alcoolatras dorminhocos que se agasalhavam nas portas das casas de comércio, àquela altura, todas fechadas e bem seguras. Eram casas de vendas de objetos para de pesca marinha, armazens de algodão, cimento e madeiras, sem falar em escritórios de toda a espécie. Alí, os bêbados desprovidos de qualquer vergonha encontravam um canto para sossegar o sono.
Sem mesmo notar aqueles ébrios, e se notava, nao dava atenção, Otávio seguiu o seu caminho, em busca da casa da mulher amada, um apartamento tão desprovido da sorte como a sua dona, Emília, que habitava alí há alguns anos. Já perto do apartamento, Otávio notou que ainda estava funcionando - quem sabe! Por muito tempo ainda - o bar de Alcides, um homem parrudo, cheio de trejeitos, calças de suspensorios, camisa aberta ao peito, chinelas nos pés, com um palito escavacando os dentes, soltando um efeito como sendo um sonoro assobio, ao puxar uma farpa de algo que ele mastigara instantes antes.
Alí, Otávio bebericou um conhaque, enquanto uma dama-da-noite se acercava dele, se fazendo entusiasmada, chamando-lhe de "bonitão" e se agasalhando em seu colo, tecendo-lhe caprichosas tranças em seus parcos cabelos da cabeça. Diante de tanto afago, o homem se fez rogado, beijando-lhe os seios da inquieta dama-da-noite que soltava um estranho perfume de resedá por todo o seu corpo. Então, a mulher se viu sentida por aquelas doces carícias e se deleitou cada vez mais ao corpo do homem. Entre beijos e mimos, a dama sorriu como uma gata sorri quando está no cio. Eram todas imensas e inebriantes fantasias aqueles dolentes afagos que a dama fazia ao seu dono protetor de rápida ocasião. A mulher lhe pediu um drinque e o homem não fez segredo.Ambos beberam como dois eternos ébrios, sem nem notar as demais damas que passavam ao seu redor.
Trajando um vestido comprido, com a saia arrastando no chão, cheia de anaguas por baixo da veste, a dama, à certa altura, chamou o homem para que fossem dormir juntos. Porém, Otávio lhe negou o tendencioso pedido, pois a sua "mulher" lhe estava esperando. Por fim, a dama se mostrou satisfeira com um agrado que o homem lhe pôs nos seios. E disse, entre beijos e carinhos deleitantes que estava tudo bem, pois de outra vez não tinha escapatória. O homem, sorriu. Em alguns instantes Otávio saiu e foi direto para o seu - ou dela, Emília - apartamento bem curto e pequeno, como se fosse um local de bocecas de porcelana onde brincavam as meninas travessas.
Após subir uns degraus do primeiro andar, Otávio chegou ao apartamento. Antes, porém, uma cara de mulher abriu a porta para ver passar o homem que quase não fazia barulho ao galgar por entre o acesso até o seu aposento. Esse rosto desfigurado e esbranguiçado, Otávio nem chegou a notar. Era já alta hora da noite, coisa de 11 horas quando o homem chegou ao cômodo um tanto úmido. A mulher, Emília, estava postada junto a uma pequena janela que dava para a rua, olhando fixa, a porta onde o seu amante entrara. Não teceu conversa. E nem o homem.Ela estava como a esperar que Otávio entrasse e fosse deitar, talvez dormir. Por isso, o seu silêncio. Horas antes, Emília esteve na rua. Foi até ao bar onde viu, ao deleite, prazer suave e demorado, o seu homem ao agarro com a outra dama-da-noite. Ela esteve um tempo fora. Depois, retornou ao apartamento. Por isso, o seu jeito de guardar silêncio, sem discutir, à espera do amante. Com um instante, Otávio procurou o catre e, como já estava sonolento, dormiu como um justo. Nem conversou com a mulher que de sua altivez, também não fez contenda. Enfim, quando o homem adormeceu, ela golpeou com uma faca, dessas que se corta as partes maiores de carne ou do peixe, torceu o seu pescoço até sentir que o amante não mais resistia. Ela pôra um fim ao amásio cujo sangue derramou por sobre o leito, enxarcando por todo vasto apartamento. A cadeira que ela se sentara, caiu, num movimento qualquer feito pelo seu braço ou o braço de Otávio, no extertor da morte. Aquele era o fim do seu amado.

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