terça-feira, 28 de julho de 2009

RIBEIRA - 348

ERNANE ALVES DA SILVEIRA
Quando eu era menino, coisa de 7 ou 8 anos, ouvia passar sobre minha casa, um avião teco-teco que fazia vôo do campo que ficava na estrada de Ponta Negra, onde só tinha cajueiros entre outras árvores frutíferas, e muito mato. Alí, era a que hoje conhecemos como Rua Roberto Freire. No tempo passado, alí não havia rua. Eu me lembro muito bem que os aviões teco-teco - era esse o nome porque o seu motor ao ser acionado fazia um barulho como se fosse um teco-teco - levantavam vôo desde o campo que se chamava "Aéro Clube", pois fazia parte do patrimônio dessa associação - Clube Social Aéro Clube, cuja sede ficava no Tirol, bairro distante do campo de aviação - e voava para a cidade - Natal Rn -, fazendo um contorno até chegar a um campo de pouso do lado esquerdo do rio Potengi, onde pouca gente costumava ir, a não ser os mecânicos que davam assistencia aos teco-tecos. O campo ficava em frente, do outro lado do rio, ao Cais Tavares de Lyra, no bairro da Ribeira.
Para a criançada era uma alegria ver passar de perto, a uma pouca altura, um avião teco-teco, e em terra acenavam com brio para os aviadores que passavam no alto. Nós ficávamos contentes só de olhar as pequenas cabeças dos comandantes aviadores. Na verdade, para que estava em terra, não era próprio saber se os aviadores estavam vendo, lá de cima, os garotos - e garotas, é claro - cá embaixo. Dava prazer quando, dos aviões teco-teco, se jogavam boletins de propaganda das casas de comércio e a garotada em alvoroço, corria para pegar, ainda voando, aquelas propagandas que, para nós, era o máximo da alegia.
Um dos aviadores que fazia esses vôos acrobáticos, era o ainda não doutor Ernane Alves da Silveira, para nós, que tinhamos a oportunidade de vê-lo de perto, era um verdadeiro deus do Olimpo. Caso inusitado para os meninos da redondeza onde Ernane da Silveira costumava ir, na rua Mossoró, cruzamento com a Avenida Afonso Pena, no bairro do Tirol. Na casa que Ernane costumava ir, era a residência do senhor Plinio Saraiva, histórico comerciante de Natal, cujo estabelecimento ficava no bairro da Ribeira. Ali, também residia a jovem Darque Saraiva, filha de Plínio Saraiva. Ela, pelo que eu sabia na época, era também aeronauta, viajando no seu teco-teco, cruzando Natal, passando quase por cima de sua moradia. A residência de Darque Saraiva, era uma espécie de casarão, como um largo jardim em sua frente, formando de uma rua - Morroró - à outra - Av Afonso Pena - e no mesmo terreno, por trás da casa, havia uma serraria onde homens cortavam torras de madeira prontas para ser usadas em casas que usavam fogões à lenha. Havia toras de várias grossuras e de tamanhos diferentes. O pó da serra se espalhava pelas cercanias, ficando grande parte ao pé do muro da casa, pela av. Afonso Pena. Quando alguém passava pelo local, fazia poeira ao fazer uma marcha como sendo um trem - tuc-tuc -.Na parte de dentro da serraria, juntava-se o pó que Plínio Saraiva doava a gente moradora no morro do Alto Juruá, em Petrópolis, pois aquela gente não tinha meios de comprar carvão ou mesmo madeira torada para queimar. O pó de serra dava um bom fogo que durava bem mais que a madeira. Eram mulheres, rapazes, meninos e os próprios homens que buscavam o pó de serra, levando em sacos de açucar, feijão ou mesmo de farinha, para ir fazer o seu fogo. Na casa de Plinio Saraiva tinha ainda uns pés de manga que serviam muito bem para o seu filho - Dupont - e os outros garotos da redondeza, fazerem um "circo" onde se brincava como em um Circo de verdade. Quando não, Dupont arrumava a sala de visita para projetar "filmes" feitos em papel celofane que se projetava em uma "tela" feita com um lençol. Uma lâmpada servia como lente para levar a imagem até à tela. As sessões, se fazia à noite, enquanto Ernane namorana Darque, sob um alpendre tomado todo por uns pés de rosa ou mesmo, de trepadeira. Quando a turma entrava casa a dentro, sempre cuprimentava aqueles herois de Olimpo, pois para nós, eles eram verdadeiros heróis por voarem como asses de cinema em seus aparelhos, embora sendo um teco-teco, que cruzavam Natal, indo até à praia do Meio, e circundar para atingir o ponto de pouso do outro lado do rio. Alí, os aviadores ficavampor longo tempo - uma hora - até que pudessem voltar ao seu campo de orígem, no recanto de Capim Macio, quase na divisa com a vila de Parnamirim. Para nós, Ernane e Darque, eram ícones de um novo mundo onde bem poucos poderiam estar presentes. Eles afrontavam o ar, o céu, o mar para fazer o que mais lhes aprazia. Ernane da Silveira esteve com o seu nome na política, tendo sido vice-prefeito e prefeito de Natal Rn, pelos ídos de 1960 a 1964. Depois desse tempo se desligou da política, ficando como esportista, presidente do ABC Futebol Clube. O seu nome passa desapercebido pelos mais jovens, esquecendo-se de que ele foi o homem que esteve à frente da obra do Estado João Machado. Ele mesmo disse: "É bem melhor que ser um desportista, que ser um político". Por algum tempo, a Prefeitura de Natal deu a Ernane da Silveira uma pensão como pagamento pelo serviços prestados à Prefeitura de Natal nos anos em que foi Prefeito da Cidade. Eu não sei se ele, até hoje, recebe tais proventos. Do alto da sua glória, como heroi do céu, ele sabe bem mais que os insignes homens da plebe.

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