quinta-feira, 16 de julho de 2009

RIBEIRA - 340






O BÊBADO

- CONTO -




- CONTO -





Faz tempo que tal fato aconteceu. Foi numa manhã de verão que tudo isso ocorreu. Picula era como lhe chamavam. O seu verdadeiro nome, porém, era José Bonifácio, nome muito estranho para ele, que nem sabia quem foi o José Bonifácio de Andrada. Um dia, alguém lhe chamou de "pinguço" ou era "pingunço". Uma coisa assim. O certo é que ficou sendo o seu nome como Picula e não pingunço apesar de ser mesmo um bêbado contumaz. Pois bem! José "Picula" amanhecia o dia acordado do jeito que Deus lhe deu, pois, para ele, dormir, só de quando em quando. Às vezes, Picula dormia na mesa de um bar. De outras, lá estava deitado à beira da porta de um armazem qualquer, dormindo porque já era a vez "de quando". Um dia, eu vi Zé Picula bom que nem acreditei no que estava vendo. Para mim, eu estava sonhando, pois se encontrar um bêbado do jeito que era ele inteiramente desperto, sem ao menos o cheiro etílico da aguardente que talvez não tivesse bebido, aquilo não era possivel. Cumprimentei-o e ele, a mim, do mesmo gesto, afinal, entre nós, havia uma certa amizade. Não que houvesse uma amizade de bêbados. Porém, apenas uma amizade. Uma simpatia entre ele e eu.




Recordando bem, fazia tempo que eu conhecia Picula. Não raro, eu falava com ele, em tempos que ele estava mais sóbrio. Ou, pelo menos, não tinha, ainda bebido que ele costumava fazer. Lembro-me que certa vez, ele um tanto sóbrio, falou-me do seu passado, sua meninice, sua juventude, seus encantos e desamores. Lembrou de uma dama por quem ele verdadeiramente se apaixonou. Amor de juventude, mas um amor virtuoso, cheio de encantos e de esperança. Eu até diria que aquilo sucedido nada mais era que uma espécie de melodrama. Um drama meloso, de mel. Era o que deixava entender o que Picula me contou. Disse-me ele que a dama era bela, aos olhos dele, cheia de encantos, perfumosa pois o seu cheiro encandecia por onde ela andava, em um local onde a mulher estivesse. Eu escutei com bastante atenção, vez que o homem não estava, ainda, tão embriagado assim. Ele queria falar da mulher deslumbrante, na qual ninguém podia se acercar um minuto sequer para não embrutecer o enigmático rapaz, naquele tempo, alinhado e bem tratado. Ele me contou que a jovem mulher tinha um sabor de nectar inigualavel. o seu perfume era embriagante e os dois apesar de tudo, namoravam, mesmo ela trabalhando em um bar como aquele que nós estavamos, onde damas passavam, olhavam, algumas, me sorriam como querendo furtar-me para longe dalí. E eu, com a minha formar de amar mulher com as que eu via, denotava a elas uma leve esperança. Enquanto isso, Picula contava o seu conturbado segredo. Segredo de alcova, segredo de amor.Não sabia ele que aquelas eram cartas que ja haviam passado de há muito e ele, naquele instante infindo apenas rogava um pouco de tranquilidade e de felicidade, de um sonho louco que na febre de dor ele deixou-lhe, no qual ofereceu-lhe um dia àquela amada em troca de uma ilusão perdida que ele ainda julgava ter. O tanto que ele queria era um pouco de bem que se fez fracassar para o eterno recanto onde se guarda os ninhos desfolhados cheios pranto a correr pelo vagar das imensas ondas.



Para mim, aquilo era uma eterna poesia cheia de mágua e de rancor de um pauperrimo coração feita por um notívago ébrio em plena luz do amanhecer. E ele continuava a contar com a sua voz trêmula motivada pela bebida que já vinha consumindo há um largo tempo. Ás vezes falava baixo, tão baixo que eu não ouvia direito. Era mais um ronronar contando tudo o que já havia passado em sua dura e incansavel precária existencia. Em outras ocasiões, o tom da sua voz era mais audível. Estavamos sentados à mesa do bar, em um cantinho afastado, encostados na parte de tras, onde havia logo fora, um monte de carcaça enferrujadas de carros, alguns imprestáveis, outros, somente a parte da cabine. E, Picula, entre uma careta e outra, falava-me do desamor por quanto já havia sofrido. A dama que ele se referia, partira, e ele não sabia do seu destino. Partira, tão somente, como o vente que açoita a pessoa sem essa nada poder fazer algo para a sua proteção.Nesse ponto da história, o bêbado verteu lagrimas dos maculados olhos, fundos como se quisessem naufragar na face alquebrada daquele homem. Menos homem. Mais um ébrio. Eu serví-lhe uma dose de bebida. Ele afastou o copo, como quem não quisesse. Apesar de oferecer-lhe a bebida, ele se negou a receber. Toda aquela história lhe deixara alquebrado e triste como se ele já tivesse tomado a bebida.


De um instante para outro, Picula procurou se levantar da cadeira, na verdade, um tamburete. Ele tentou, porém caiu ou sentou-se rápido, como quem desandava no tempo. A falta de equilíbro lhe fez impotente. É o caso de todos que começam a experientar o vício da bebida. Quando não mais se espera, vem o tombo levando ao chão aquele inveterado bêbado de todos os dias. Era assim, também com o jovem Picula. Jovem, porque ele não aparentava ter sequer 40 anos de vida.Por isso, ele era um jovem, apesar de ter aquele vício terrivel que tem todos que bebem.

Certa vez, um outro conhecido meu de Picula, havia me contado uma história triste: a história do ébrio Picula. Na verdade, esse meu conhecido, "Farinha com Sal", me dizia tão bêbado quanto estava, que o seu amigo tinha vivido uns tempos com uma dama de bar, de nome Clara. Eu ouvi e nada respondi. Então, "Farinha" começou a dedilhar devagar toda uma história quase que inacreditável. Soava como se fosse uma fantasia de um bêbado quando não tinha o que dizer. Porém, mesmo assim, eu ouvi o recitar de "Farinha", com toda aquela pausa que os bêbados constumam dar. Ele contou que já conhecia Picula há uma porção de tempo. Muito tempo, mesmo. Mesmo quando eles eram rapazes. Eles se conheceram alí por perto. Somente após um bom período é que "Farinha" veio a saber que ambos moravam no mesmo bairro. E, desde então se fomou uma amizade duradoura.
Quando o romance de Picula começo, então "Farinha" se afastou um pouco para não atrapalhar os dois enamorados. Disse-me "Farinha" que Picula era muito ciumento, mesmo sabendo que Clara trabalhava em um bar. Mas o ciume do rapaz era algo doentio. Um dia, os dois - Picula e Clara - foram morar juntos. Era um quarto de dois vãos. Uma sala e um quarto onde os dois se agasalhavam. E a mulher tinha uma menina de seus 7 anos de um outro relacionamento. Mesmo assim, Clara e Picula viviam bem. Era comum ver-se os dois caminhando para o bar, logo cedo da manhã, de mãos dadas, pareciam dois pombinhos. Então, Picula deixava a dama no bar e rumava para a oficina onde trabalhava. E viveram assim por um largo período de tempo, talvez anos. Foi daí que Picula começou a ter ciumes por causa de seu Manoel do Cigarro, um homem bem mais velho que ele, que se engraçou de Clara, pagando bebidas dia e noite para a mulher que quase não bebia e deixava o dinheiro no caixa, retirando depois uma parte. O restante ficava por conta do preço da bebida e um troco para a dona do bar, Alzira, era o seu nome.
Então, Picula começou a fazer malquerencia com Clara, por conta do homem, principalmente. Sabia ele que a mulher dava umas "voltas" com Manoel do Cigarro para conseguir dinheiro, pois o que fazia como garçonete, não lhe rendia muito. Tremendas brigas se formaram entre os dois até que Picula retirou Clara para viver em casa. Para ele, havia triunfado de vez. Por isso mesmo, por várias vezes, os dois foram beber em outro bar, comer peixada e viver felizes. E o tempo passou. Os anos se foram. Estavam sós, a dama e o cavalheiro. Quando não esperava, Picula, tomando as suas carraspanas, motivos para brigas imensuraveis entre ele e a mulher, um dia, ele chegou em casa e não mais a encontrou. Apesar de esperar até altas madrugadas, Clara não voltou hora nehuma. No dia seguinte, ainda cheio de bebidas, Picula procurou a mulher no bar de Alzira, não conseguindo resultado, com a mulher dizendo que fazia tempo que não via Clara. Passou o dia, com Picula sem trabalhar e sem ganhar também. Não conformado com a situação, ele voltou para casa e, por mais surpresa ainda, a mulher tinha vindo buscar a filha. Não disse nada a ninguém. Só levou embora a sua filha. Daí por diante, Picula desequilibrou e passou a fazer da vida um copo de cachaça. Nunca mais foi nada na vida. Nada, não. Era a forma de esquecer a sua desventura. Quando tinha uns trocados, pagava a bebida. Quando não, ele pedia aos outros ou se arranjava como sobras de copo. Manoel do Cigarro, nunca mais se ouviu falar nele.





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