quinta-feira, 30 de julho de 2009

RIBEIRA - 350

CARANGUEJO-UÇÁ
Em uma manhã de domingo, minha mãe, meu pai, meu irmão e eu fomos passar o "dia" - como se dizia naquela época - em casa da minha prima Neusa, mãe de um sem numeros de crianças. Neusa morava no bairro das Rocas que ainda não era um "bairro". Era um aglomerado de casas, vindas do tempo em que se fez o Cais do Porto de Natal (Rn). Em outros dizeres, Rocas também foi um bairro onde os soldados portugueses lotados no Forte dos Reis construiram seus casebres em terra firme, onde moravam. Ah! Isso, faz tempo das antas. Minha prima Neusa morava em uma casa - casinha pequena - sem serviço nem de água, nem de luz. Era um breu, o bairro. A água, seu marido, Guilherme Mendonça, extraía de um poço feito no quintal, usando uma bomba que, com a alavanca, se podia retira-la do fundo do chão, que não era tão fundo, assim. Dessas bombas de água que ainda existem no interior do Brasil. Casas, só havia do lado do sol, na rua São João. Em frente a casa em que a minha prima morava. havia só um charco que a maré fazia, para desaguar ali. Nao havia moradias. A Feira das Rocas, era ao longo do Grupo Escolar "Isabel Gondim", muito antes da casa de Neusa. No local, também não havia o prédio do Hospital dos Pescadores - ao que eu me lembre, construído na administração Café Filho, presidente do Brasil -. Afinal, no local, só havia mangue de um cheiro horrível. "Uma podridão", como dizia a minha mãe, ao sentir um cheiro como aquele.
Ao chegarmos à casa de Neusa, logo me entreti com um dos seus filhos - Dita, era como a gente o chamava. Seu nome verdadeiro, era Wilton. E, olhando para o manguezal, vi que alí dava para brincar, mesmo atolando os pés que se aprofundavam até as canelas. E lá fomos nós - eu e Dita - buscar caranguejo ou mesmo "tesoureiro", outra espécie de caranguejo de somente uma pata, valente que só ele. Ao presentir os algozes, lá estava o caranguejo com sua tesoura armada para a defesa do seu habitat. Um "mordida" de um "tesoureiro" era tenaz, pois só largava quando seu "inimigo" saísse de campo. Não raro, o desafeto lhe tirava a pata, e o animal saía cambeta. Para se retirar a pata encravada na pele (da mão ou da canela) era preciso muito esforço, pois já sem vida, a pata fincava no local da mordida, como se diz, com unhas e dentes. Era preciso força para abrir os dentes afiados da pata do "tesoureiro". No mangue, havia de tudo para se brincar. Tinham piabas - peixes miúdos, pequenos, vindo com os peixes maiores, que com o secar da maré, saíam em correria para pegar as águas do rio Potengi e somente voltar quando a maré enchesse. As piabas, essas não tinha jeito. Ficavam mesmo no lamaçal.
Além dos peixes miúdos - piabas - nós se arranjava com as ostras de conchas afiadíssimas, suficientes para se encravar no pé da pessoa. E para não dizer que não falei de crustáceos, tinham alí os caranguejos que o povo chamava - e ainda chama: caraguejo-sá. - Na verdade, o seu verdadeiro nome, é caraguejo-uçá. Uçá deriva do nome "Ulcedis cordatus", nome bastante estranho. Quando era Janeiro, os caranguejos-uçá ficavam "bêbados" ou "de leite". Era o tempo da desova de caranguejos. Os bichos saíam das tocas peranbulando pela rua e, raro era de se encontrar um caranguejo dentro de uma casa, no quarto e até mesmo na cozinha. Tais caranguejos-uçá, não são próprios para o alimento humano, porque elas - os caranguejos femeas -estão no ponto da desova. No caso, estão de leite. Em Natal, o apanhar de caranguejo é frequente e os apanhadores enfiam o braço na lama preta bem fundo, até ao ombro, para para caçar ou pescar o crustáceo pelo casco. Quando o caranguejo está no seu ninho, ele encolhe as duas patas ao redor da boca e, então, o apanhador pega o bicho pelo casco. Quando na terra firme, ele é enrolado com imbira, pois o bicho é valente e só entra na cidade se for amarrado. A sua captura pelas comunidades extrativista foi e é sempre desse mesmo modo. O caranguejo-uçá desempenha um importante papel ecológico na cadeia alimentar do povo mais pobre. E, hoje, até os ricos turistas se ambientam desse fruto. Tem, hoje, inclusive locais de se capturar caranguejo-uçá na região de mangue.O caranguejo-uçá representa a maior parte das capturas do pescado.Por sinal, esse tipo de caranguejo é bastante apreciado nas praias e restaurantes de Natal. Quando nós voltamos para a nossa casa - eu, com cortes profundos nos pés, provocados pelas conchas de ostras, vimos bem os caranguejos entrando pela porta a procura de um ninho de desova. As mulheres gritavam pela sua presença enquanto Dita chutava para fora os amentradores animais, calando o temor de sua tia, mãe e avó que por certo já tinham nas mãos as vassouras para dar cabo ao bicho.

Nenhum comentário: