domingo, 18 de outubro de 2009

RIBEIRA - 342

- VÍCIO -
Eu a conheci menina. Magra de cabelos longos, boca suave, olhos tristes e sempre com a sua companheira, uma criança sempre menor que podia ser a sua irmã. Nas noites caladas da Ribeira, ela estava sempre por lá, tentando algum ébrio, mais embriagado que sóbrio, para ir com ele ao "sobrado" e lá fazer o que ele queria. Depois, ela tirava do bolso do bêbado o seu quinhão e alguns cigarros se lá encontrasse. Toda noite era assim. Mesmo nas noites de chuva. Então, ela se agasalhava em baixo de uma marquise e ficava sempre à espera da sua vítima. Se alguém perguntasse se a menina tinha mãe, ela dizia que estava no outro ponto do bairro fazendo a mesma coisa que a filha. Porém, isso era conversa que não lhe agradava. Portanto, ela preferia alguém que não fizesse tantas perguntas. "Qual o seu nome, menina?". Ela respondia: "Miriam". De outra vez o seu nome era diferente, porque não interessava a ninguém saber que seu nome era Maria, Conceição, Matílde ou Marta. Ela dizia um nome qualquer que lhe viesse à lembrança. Sempre perguntava ao possivel freguês se ele tinha um cigarro, mesmo que estivesse fumando, naquele instante. O homem lhe dava e ela fazia a pergunta costumeira que aprendera com sua mãe.
--- "Quer sair ?" - era a sua deixa.
De acordo com a cara do freguês, ela já sabia que ele estava a fim. E o "sobrado" era o caminho mais seguro. Se o homem não quisesse ir para um lugar "mal visto", então ela atendia e partia para um outro local que ficasse perto da Ribeira. E os dois seguiam para os "Coqueiros", onde a menina já era por demais conhecida por sua artimanha de conseguir parceiros.
--- "A chave !" - dizia ela à gerente do randevu.
--- "Uma hora !" - a mulher dizia.
Ela nem sorria, pois queria acabar logo e voltar para o seu "canto" no bairro da Ribeira. Sabia que o freguês tinha dinheiro, e era só. Ao voltar ao seu recinto, ele se encostava a um poste de iluminação pública, de preferência o que estivesse sem iluminação, e ali ficava mais um quarto de hora. Isso, ela fazia todas as noites, mesmo nas noites fracas, de menor movimento no bairro. A menina também tinha os seus companheiros de muito dinheiro. Os "gringos", com certeza. Com estes, ela procurava ser mais prudente e, certamente, eles levavam para os seus apartamentos ou nos hoteis de classe. Quando "saía" com um gringo, ela deixava dito à sua companheira, a outra menina, que não sabia se voltava. A garota, gordinha, dizia que "sim". Se houvesse mais de um "gringo", a outra menina também era convidada para "sair", pois a garota tinha o tento de que a noite era de ouro. Somente elas deixavam o quarto de Hotel, quando o dia amanhecia, após tomarem café com outro ingredientes salutar enquanto seus "maridos" dormiam. E dessa vez, os cigarros eram bem melhores, pois os gringos só fumavam cigarros de boa qualidade, todos, importados.
Certa vez apareceu um homem com uma mal conversa. Ela logo viu que se tratava de um cafetão. Por isso, a menina não quiz saber do assunto, pois os cafetões só tinham mesmo "conversa" a fim de ficar com todo o dinheiro que a garota conseguia fazer durante a noite. Esses protetores das mulheres desavisadas, eram crueis, pois quando não recebiam todo o dinheiro, aplicavam socos nas seus meretrizes. Ela já conhecia muito bem esse tipo de gente. Portanto, não queria saber de conversa com cafetões, mesmo que eles corressem atrás para dar-lhe uns bons tabefes, o que resultaria em prantos sem fim. De um modo ou de outro, ela corria até a Delegacia de Polícia, onde arranjava amparo e o cafetão sempre findava preso.
De cigarro em cigarro, a menina foi crescendo até virar mulher feita, quando conseguiu arranjar um homem que era só seu. O vício parou por ai, aos 28 anos de idade quando ela se amaziou com um pedreiro e não mais fez a vida que sempre teve. Sei que a menina, quando completou seus 35 anos, depois de dois filhos e vários abortos, não suportando mais uma enfermidade que lhe consumia a carne, veio à falecer de câncer deixando para as filhas a triste herança do que durante anos de sua vida teimou fazer. Foi uma morte não sentida por nenhum dos que fizeram "a vida" com aquela mulher que um dia foi uma pequena menina.
---
Veja também:

Nenhum comentário: