terça-feira, 20 de outubro de 2009

RIBEIRA - 344

- ALMOCREVE -
Tem certas ocupações que estão se extinguindo ou então mudando de nome e continuando existindo. Uma delas é a do alfaiate, coisa rara de se encontrar hoje em dia. Além dessa, tem biscateiros, engraxate, sapateiro e outras mais. Entre todas, a que se não ouve mais falar é a do "almocreve". Este nome, nem pensar. "Almocreve? Que diabo é isso?". E vai que ninguem sabe o que é, na verdade. Isso foi lá para os anos de 1600. Hoje, além de não existir, não restam dúvidas se niguém sabe o que é. Quando eu era menino, nos ídos de 1950, havia em Natal, os tangedores de burros, vacas e coisa assim. Chamava-se de tangedores, gente que tange, espanta, junta, manda à frente. E isso é o que se diz como almocreve. Tangedor de burro. Tais ocupações, hoje, quase que não existem. O jovem de hoje, quando completa 18 anos, está em uma Universidade para conseguir um diploma que lhe dá o direito de ter uma profissão. Eu disse: profissão. No entanto, quando acaba o curso, ele sai de lá à procura de um emprego que não acha ou não existe. E o que fazer com aquele canudo na mão? Nada. Tenta em um local ou noutro, qualquer ofício para que ele se ocupe. Aí é onde está o segredo do ofício: ocupação. Nesse tempo pouco vale se ter um diploma, pois o que está dito ali, não serve para uma loja, industria, comércio e coisas do gênero. O rapaz se senta no banco e vai ser um atendente. Sei de casos que a pessoa se forma em Engenharia e consegue um emprego de técnico, coisa muito menor, em salario, do que o que está impresso na carteira de trabalho. Para o jovem, de nada valeu passar 4 ou 5 anos em uma Faculdade e não conseguir a colocação desejada. Assim é o mesmo que ele está procurando uma "profissão" de almocreve. O nome pode ser até simpático, estranho por sinal. Mas não passa de um tangedor de burro. Por sinal, no Brasil, já não tem nem tanto burro assim. É uma coisinha de nada. Eu lembro que, em 1950, 51 e mesmo 1960, ainda tinham muitas mulas em Natal. Havia alí, na Ribeira, ao lado do Colégio Salesiano, uma praça de carroças que tinha vaga para cerca de 40 carroceiros. Nesse tempo, mula valia ouro. E quem não podia adquirir uma mula, se contentava mesmo com um burro. Era pequeno, mas servia para conduzir cargas, mesmo que pequenas. Ainda hoje, no bairro de Mão Luiza e em outros bairros se encontram carroceiros - almocreves - tangendo os seus burros, levando materiais de construção que se compra em um depósito da rua Guanabara. Isso porque, na rua João XXIII tem um depósito que faz entrega em uns jeeps velhos, de 1960. Quem prefere comprar alí, paga muito mais pela mercadoria. E quem vai para a Rua Guanabara, o preço é bem menor. Porém, o cidadão arca com a despesa de transportes. Ele tem que chamar um almocreve que faz o ponto ali, e paga para ele levar no lombo do burro o que foi comprado. Pensando desse modo, a ocupação - eu disse "ocupação" - apenas mudou de nome. Passou a ser carroceiro ou mesmo tangedor de burro. Eu ainda me lembro que em 1950 tinham tais almocreves - tangedores - em larga escala em Petrópolis. O dono dos burros tinha cerca de 200 animais. Um outro dono, tinha mais um tanto. O menor, era uma que tangia apensas 50 burros. Eles faziam a entrega nas construções de areia que era apanhada à beira mar, para os lados de Mãe Luiza.E barro, que eles apanhavam em partes de Barreira "d'Água, escavando o chão que ainda hoje tem enormes crateras que eles cavaram para tirar a imensidão de barro. Tais ocupações se acabaram pelos idos de 1965, com a entrega de barro, cal, areia por caminhões que buscavam esses materiais em pontos mais distantes, em outros munipios. Aos poucos os burros foram sendo "aposentados" e, hoje, quase não existe mais. Teve um caso, no ano passado, 2008, de um homem que veio com uma tropa de burros e deixou vagando no bairro de Mãe Luiza, até que surgiu uns almocreves da Prefeitura e tangeu os animais para a mucura. E, dalí, só Deus sabe o que sucedeu. Disso se conclui que almocreve ainda existe. Apenas com outra denominação. Se um engenheiro diplomado não encontrar um emprego formal, bem pode ser um almocreve. Isso também vale para jornalistas, radialistas, conferentes, despachantes e coisa e tal, ofícios que já não tem mais tanta ocupação assim.
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