sábado, 17 de abril de 2010

LUZ DO SOL - 89

- A VISITA -
- CONTO -
Às três horas da tarde de sexta-feira, terminada a revisão das aulas da escola, Dino saiu de casa sem nada dizer a sua mãe e logo a frente após andar alguns metros , não mais de dez, passou pelo portão de ferro da casa ao lado onde trabalhava Francisca. Para não incomodar a Francisca, seguiu pelo terraço ao lado, onde havia uma parte do terreno que quase se encostava à sua casa. Por ali ele caminhou sobre uma calçada de um metro de largura, feita para evitar as águas da chuva, quando chovesse, em salpicar nas paredes do imenso casarão. Na verdade, aquele era um casarão verdadeiramente dito, pois em seu interior havia relíquias de móveis e retratos que o tempo não apagaria jamais. O garoto seguiu com seus pés descalços até a entrada da cozinha onde Francisca, com certeza estaria. Ao abrir o segundo portão de madeira, Dino fez de um jeito que a porta não provocasse ruído. Tão logo abriu se deparou com a moça. Ela não estava esperando alguém entrar naquela hora por aquela porta e tomou um susto e gritou de forma baixa:
--- Ai! Que susto! Você não falou nada! Ave Maria. Vou tomar água. Espere! Espere, viu? Moleque! – falou Francisca saindo por alguns instantes para beber água.
O garoto sorriu a contento como se tivesse feito nada demais. Francisca estava de costa para a porta quando ele entrou. Por isso sofreu a impressão de ter levado um grande susto, daqueles que assombram qualquer mortal. É tanto que, ao voltar, Francisca disse ao garoto com franqueza:
--- Olhe! Não me faça mais uma coisa dessas. Eu me lembro de um susto que eu tive quando tinha a sua idade. Meu avô, que Deus o tenha, tinha morrido. E estava no caixão para se fazer quarto. Quando foi de madrugada, o velho abriu os olhos, se levantou e disse para todos os presentes:
--- “Que estou fazendo aqui?” – voz do velho.
--- E tornou a se deitar mortinho da silva. A minha avó, que estava perto do caixão, desmaiou de medo. Outros saíram correndo. Eu – ai meu Deus – entornei num pranto que não sei dizer por que foi. Se por meu avô morto ou se pela gente em debandada. Tá vendo o que é susto? Seu besta! – reclamou Francisca ainda cheia de medo.
O garoto sorria a valer com a história contada pela moça. Era um riso sem fim a cada passo que dava, caindo até por cima de uma jarra d’água. A moça olhava inquieta e cheia de terror com os risos que o garoto fazia. Por fim Francisca falou:
--- Cala essa boca. Tá me dando arrepio. Cala! – repreendeu a moça cheia de ira.
E o garoto fez por onde calar, mas sorrindo interiormente, deixando os grunhidos escaparem por momentos que ele não podia dizer.
--- Olhe! Meu avô era brabo! Eu não digo nada! – reprovou a moça de cara trancada.
--- Mas o teu avô morreu mesmo? – perguntou Dino arrependido até demais com a severidade da moça.
--- Morreu! Se levantou só pra morrer. – respondeu Francisca ainda com muito temor.
Dino se refez dos sorrisos e lamentou pela morte do velho que, com certeza, estava naquela hora, no Céu. Ele olhou bem para Francisca e pensou como poderia uma pessoa morrer e voltar a viver para morrer de novo. Coisa de quem vive, na certa.
--- Vai querer doce de goiaba? – perguntou Francisca a Dino passado algum tempo.
--- Sim! – respondeu o garoto de forma surpresa e cheia de apetite pelo doce.
--- Quer mesmo? – inquiriu outra vez Francisca para ver a resposta do garoto.
--- Quero. Você tem? – respondeu o garoto cheio de expectativa.
--- Tenho. Vou botar no pratinho de doce pra você provar. É doce feito com a goiaba partida em quatro partes. Tem as goiabas e o caldo das goiabas. Ta aqui pra você. Coma! – proferiu Francisca para Dino com um sorriso na face.
O garoto pegou o pratinho de doce e passou a comer com uma colher de chá todo aquele sabor que tem a goiaba. Para ele, parecia que nunca havia comido goiaba. Até achou melhor que os doces de goiaba que sua mãe fazia, apesar de não ser assim tão diferente um do outro. Sempre que a sua mãe fazia doces de goiabas ele aproveitava para raspar o tacho e se lambuzar de todo. No tacho tinha a marca da goiaba no seu final onde se podia roer com pouca pressa aquilo que estava lá no seu final de tudo. E era assim que a sua mãe comia o doce do fundo do tacho.
Alguém batera na sineta do portão no instante em que Dino estava a comer o doce em calda da goiaba. Francisca então disse para o garoto com seu jeito apressado de falar e correr.
--- Tem gente. Vou ver quem é. - falou a moça de forma apressada deixando o garoto a comer do doce de goiaba.
O garoto continuou a acabar com aquele maravilhoso doce enquanto lá de fora ouviu o grito alegre de Francisca a cumprimentar a tal visita da forma mais risonha possível.
--- Mas você! Ora quem diga. Que estas fazendo por esses lados da província? – falou Francisca alegre e cheia de encanto.
--- Que bom você está. Eu vim só lhe ver. – respondeu a visita alegre e sorridente.
--- Mas ora! Entre. Vamos por aqui pelo lado. É bem melhor. Me conta como estão as coisas. Eu não tive mais noticias de lá. Vem. Entra. – disse Francisca muito alegre e feliz da vida.
--- Por lá ta na mesma coisa. Eu estou fazendo um curso aqui. Terminei hoje, por sinal. – respondeu a visita.
--- Sim senhora. Esse é Dino. Menino da vizinha. Vêm aqui todos os dias. Hoje está saboreando uma goiabada. – respondeu Francisca a visita muito alegre.
--- Olá menino. Como vai você? – falou a visita ao garoto.
Dino estava lambendo o prato com a língua, fazendo o asseio de tudo o que comera naquela tarde do que Francisca lhe dera. Lambia meso o prato, sem cerimônias.
--- Cumprimente a visita, Dino. Seu nome é Deodora. Aperte a mão. – recomendou a doméstica de forma cordial.
O garoto lambendo o prato sorriu sem cerimônias para a moça. E apertou a mão que ela lhe estendera.
--- Assim, viu. Assim é que se faz garoto. Deodora, o nome dela. Diga: “Muito prazer Deodora”. Diga. – sorriu Francisca para o garoto com um grato amor que lhe tinha.
--- Prazer. – respondeu o garoto meio confuso.
--- Prazer Deodora. Esse é o nome dela. – sorriu Francisca com carinho.
--- Prazer Deo..Deo...Deo o que? – perguntou o garoto estranhando o nome da moça.
--- Engraçado o garoto. Parece uma miragem. – falou Deodora.
--- Uma o que? – perguntou Dino.
--- Nada não. Meu nome é D e o d o r a! Pronto! – disse a vista a Dino, sorrindo alegre.
--- Ah sei. Deo...não sei o que. – respondeu Dino a sorrir deixando o prato de lado.
As duas moças caíram na risada. Nesse instante alguém chamou pelo nome de Dino. Era a sua mãe. O garoto correu e pulou o muro que separava as duas casas. Dino entrou na sala e logo respondeu.
--- Estou aqui, mãe. – falou o garoto.
--- Onde você estava? – perguntou a mãe de Dino meio estabanada.
--- Lá no forno. – respondeu o garoto amedrontado.
--- Mentira. Eu estive lá e você não estava. – respondeu Olindina impertinente.
Nesse instante uma voz falou por cima do muro. Era Francisca. Ela falou que o garoto estava em sua casa na companhia de uma visita.
--- Não se importe Olindina. Estava aqui comigo comendo doce de goiaba em calda e na companhia de uma visita que está aqui. – afirmou Francisca melhorando a situação para o garoto.
--- Rum. Eu já disse que ele me avise quando vai sair. Obrigada Francisca. – proferiu a mãe de Dino como a descansar da velha palmatória pendurada na parede.


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