terça-feira, 20 de abril de 2010

LUZ DO SOL - 93

- CASARÃO -
- CONTO -
Quando Francisca voltou para casa, enveredou por outro caminho ao contrário que o de costume. A choupana de massapé ficou para trás. Ela e Dino seguiam sua íngreme viagem quanto de repente o garoto viu uma casa grande que tinha pelo menos vinte cômodos. O casarão estava todo trancado e o garoto percebeu tudo aquilo no meio do caminho e perguntou a Francisca sem vexame:
--- Quem mora ali? – perguntou Dino sem querer tanto saber.
--- É o Casarão. Ali não mora ninguém. É a casa do velho. – respondeu a moça.
--- Que velho? – indagou o garoto um tanto inquieto.
--- O velho é o Coronel. – respondeu Francisca já tanto aborrecia com as perguntas de Dino.
--- Que Coronel? – inquiriu de novo o garoto.
--- Bevenuto! Ora que pergunta mais essa! – criticou Francisca de modo estabanada.
--- Por que você não diz? – respondeu Dino, mal criado.
O burro andava e eles montados em cima, com o garoto na frente da garupa, colado com Francisca, sua namorada do sertão. A moça então disse ao menino, estacando o burro.
--- Venha cá. Vou te contar uma historia. Não é pra você contar a ninguém. Tá ouvindo? – falou a moça com a cara séria.
--- Sim. Não conto nada. – respondeu Dino ciente do que ouviria de contar a sua namorada do sertão.
E a moça desceu do burro e ajudou o garoto descer também para então começar a contar a historia, indo devagar em direção ao casarão, pela porta de frente, pois ali tinham vinte janelas e uma porta no centro de tudo.
--- Preste atenção. Aqui morou o velho Coronel Tacino. Eu não alcancei esse homem. Era avô do coronel Bevenuto. O pai de Bevenuto morreu também quando tinha trinta anos de idade. Uma chifrada de um touro. Pois bem. Bevenuto se criou com a mãe e sua avó, A avó de Bevenuto está bem velhinha. E ele cuidou dessas terras. E tem mais terras no Oitão, onde ele mora lá nos cafundós do Judas.
--- Judas! Seu pai me falou. – sorrio Dino com a história.
E Francisca continuou a contar a Dino sem graça.
--- Pois bem. Certa vez, quando o Coronel Bevenuto era ainda mais moço, teve uma moça que estava de casamento marcado com um filho do Coronel.
--- Que moça era? – perguntou Dino assustado.
--- Você pergunta que só. Não digo. – falou Francisca de modo aborrecido.
--- Diga que moça era? – voltou a indagar Dino inquieto.
--- Bem. Era Deodora. – respondeu Francisca olhando para todos os lados para se certificar de que não tinha alguém escutando.
--- Deo....- o menino começou a falar de surpresa e teve a boca fechada por a mão de Francisca que se mostrava alarmada.
--- Psiu. Cala tua boca. Se não, não vai saber! – falou Francisca de modo severo.
O garoto tirou a mão de Francisca de sua boca e ficou parado.
--- Pois conte! – disse o menino sem mais temor.
Sossegada, Francisca falou;
--- Bem. Deodora estava de casamento marcado. Tinha dezessete anos. Tudo era festa aqui nesse arraial. Foguetões, girândolas, bebidas, comidas. Quando sem ninguém esperar, o noivo, Jacinto, foi esfaqueado por Manoel da Broa. Morreu na hora. Facada no estomago. Manoel da Broa queria namorar Deodora e ela não queria saber dele. Só queria Jacinto. Então, Manoel fugiu em disparada. Ninguém mais soube noticia dele. Mas, se conta que os jagunços do coronel Bevenuto fizeram justiça. Deram cabo dele e esconderam o corpo bem escondido. Foi essa a história. Toda a semana o Coronel aparece por aqui. Vem buscar as rezes para o matadouro. Mas, da casa, ele não quer nem saber. Minha mãe é quem cuida. Sempre vem aqui. Tem muita coisa ai dentro. Camas, mesas, retratos do velho Tacino e de sua mulher. De outros parentes. Muita coisa mesmo. Ferro de engomar, cadeiras, birôs, tudo que se imagina ter. Tá me entendendo, pirralho? – indagou a moça a estremecer de medo.
--- E o corpo de Jacinto? – indagou Dino.
--- Enterrado no cemitério atrás do Casarão. Aqui tem cemitério, capela de Nossa Senhora dos Martírios. Tudo. – concluiu Francisca o seu segredo.
--- É danado! E você tem segredos? – perguntou Dino a sorrir.
--- Vem pra cá, vem, com esses desaforos! – falou Francisca abusada.
E os dois namorados pegaram o burro e saíram devagar, a caminhar para a casa de Francisca. No meio do caminho a moça notou a presença de um vaqueiro de perneiras, gibão de couro de cor suja de ferrugem amarrados por cinta, jaqueta também de couro, chapéu igualmente de couro de forma baixa e abas curtas, esporas de ferro nos pés nus, um chicote na mão, calça de couros de cor enferrujada. Tudo era aquilo do vaqueiro do sertão. Ao ver o homem, Francisca torceu o caminho. O homem que estava sem montaria, ficou ali de pé a olhar a moça com a boca parece calada. Era uma espécie de Judas. Francisca dobrou para uma moita de carrasco e por ali foi embora com o garoto Dino. Quando estava longe do homem, Francisca disse ao garoto:
--- Aquela peste foi que me desonrou. Eu tinha apenas 14 anos. Ele me pegou a força e fez o que quis. Peste! – contou Francisca estremecida de medo.
--- Mas fez o que, ele? – perguntou Dino sem muito entender.
--- Tudo. Aquilo que eu fiz com você. – respondeu Francisca aterrorizada.
--- Ah sim. Por que você não mata ele? – perguntou Dino com muito ódio.
--- Faz sete anos. E mesmo ninguém se importa com isso. Felizmente não tive gravidez. – articulou Francisca ao garoto.
--- Eu vou comprar isso tudo e vou matar ele. – vociferou o garoto bastante abusado.
A moça sorriu com a tempestade de coragem do garoto. Pela primeira vez ela sorriu com franqueza por conta do homem que a ofendera. De imediato, o garoto perguntou para promover a sua vingança.
--- Como é o nome dele? Daquele canalha? – perguntou Dino com mais raiva ainda.
--- Deixa pra lá. Já até esqueci-me do bicho. – respondeu a mulher toda cheia de graça pela coragem que despertou naquele garoto que estava com toda a raiva do mundo.
--- Você gozou com ele? – indagou Dino com a cara séria.
--- Menino!!! Cala essa boca!!! – respondeu Francisca de forma atrevida.
Na sala de almoço da casa, estavam duas irmãs de Francisca, os maridos delas, os filhos também, um conhecido do pai Nazareno e Deodora. O garoto ao ver Deodora se agarrou com ela começando a chorar. Um choro languescido que ninguém sabia o porquê daquele choro de garoto. Nem a moça também que agarrou Dino pelos ombros e o suspendeu até a altura de sua face dizendo, afinal.
--- Por que choras filho? – perguntou Deodora inquieta.
Foi então que mais ainda o garoto chorou sem poder dizer por que chorava tanto. Ele só sentia o apego da moça ao tecer-lhe carinhos por sua cabeça sempre a lamentar por esse choro inquieto e nervoso que tanto Dino fazia.
--- Coitado. Amor a primeira vista. – disse uma das irmãs de Francisca sorrindo.
As outras pessoas que estava presentes também sorriram a valer. Apenas o garoto Dino chorava pelo sentimento que se partira. Ele não podia dizer por que tanto choro assim pelo compromisso assumido com a sua namorada Francisca. A moça, Deodora, então colocou no colo abraçado e saiu a cantar uma canção dorida daquelas que só se ouve cantar quando a própria mãe coloca a criança para dormir em sua rede.
Após serenos e suaves agrados Dino calou com sempre a ternura de Deodora de forma acalentadora a lhe fazer carinhos e agrados em sua cabecinha sem perguntar por que de tanto choro que o garoto revertia. Após breve instante, com o garoto já calmo e tranqüilo, apesar de estar com sua cabeça rente ao ombro de Deodora, a moça que ficou a passear pelo alpendre da casa a cantar cações de ninar, pôs Dino em lugar onde deveria estar: na mesa do almoço. A moça ainda perguntou de forma silenciosa que o garoto teria sentido a Francisca e essa disse não saber. Talvez fosse um mero choro de criança que sentira saudades da jovem Deodora. E ela então sorriu por ter um garoto de tão meiga idade a chorar por sua causa.
Após o almoço, com quase todos os adultos a conversar no alpendre da frente da casa, os meninos a inventar brincadeiras prazerosas, Francisca chamou Dino para se arrumar pôs na verdade ela pegaria o carro que passava às quatro horas da tarde e ela com o garoto seguiria para a capital, pois no dia seguinte o garoto teria aulas e a moça estaria a fazer seus costumeiros almoços, jantas e quitutes para agradar o casal onde ela trabalhava. Enfim, terminara o recreio que Dino tinha vivido.

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