domingo, 18 de abril de 2010

LUZ DO SOL - 90

- DEODORA -
- CONTO -
Dino escapou da palmatória que sua mãe prometera lhe castigar. Por isso mesmo ele agradeceu a Deus de ter Francisca como salvação. Mesmo assim, continuou a ameaça: se ele saísse de casa sem dizer nada a Olindina, a palmatória estava ali, pendurada na parede. O garoto olhou para a palmatória e estirou o dedo grande da mão para ela. Na verdade, de nada adiantaria estirar ou não o dedo: que qualquer forma a palmatória, muda, sem dizer coisa alguma, nada faria. Ela era apenas uma palmatória e nada mais. Daí em diante o garoto se voltou para a janela do oitão para ver se Dalva estava por lá. Depois de algum tempo, pouco mesmo, ele saiu para a sala tendo ficado sentado no birô do seu pai onde ele guardava os seus próprios livros e cadernos. Noticia de Dalva não tivera nenhuma. E nem adiantava perguntar, pois assim despertaria a atenção de sua mãe Olindina ou da avó da moça, dona Cora.
--- Por que está perguntando por Dalva? – diria a sua mãe.
--- Por nada. – ele responderia com vergonha de dizer por que.
--- Ora. Vai estudar que é o certo. – diria a mãe como se ele não estivesse fazendo qualquer coisa de proveito.
Era assim que aconteceria, tinha ele certeza. Por isso o garoto foi ao birô onde passaria a vista nos livros. Certamente tiraria catota do nariz para esfregar no pau do birô e desse modo levaria a vida sossegado. A janela que dava para a rua estava fechada e por tal motivo ele correu e abriu de par a par.. Aberta a janela ele sentou para ficar olhando a rua sem fazer nada. Nesse momento o velho do pão tangendo o seu burro chegou até onde ele estava. Amarrou o burro e disse ao garoto:
--- Vigie aí que vou entregar pão nas casas. Ouviu? - falou o velho com cara sisuda.
--- Sim senhor. – respondeu o garoto, de pernas encruzadas em cima do batente da janela.
Quando o homem saiu com seus pacotes de pão e bolachas, o garoto achou de abrir com muito vagar a tampa da caçamba onde estavam guardados bem arrumados os pães, bolachas, brotes e bolos. O garoto olhou bem a fartura de pães e as outras coisas e o nervoso tomou conta do seu corpo. Não pensou mais que uma vez e tirou cinco pães e dois bolos, correndo para dentro da casa. Fez o trabalho e voltou para sentar no batente da janela tendo o cuidado de deixar tudo bem arrumado, com nada fora do seu lugar. Ali estava e ali ficou. Quando o homem do pão voltou sentiu que alguma coisa estava fora do seu jeito ao arrumar a caçamba. Nisso, perguntou ao garoto:
--- Quem esteve aqui? – falou o homem com voz carrancuda.
--- Ninguém. – respondeu o garoto sem pestanejar.
O velho buliu para lá e pra cá e de modo assustador perguntou a Dino na seqüência dos fatos.
--- Você buliu aqui? – perguntou o velho já meio desconfiado.
--- Não senhor. – falou Dino do jeito em que estava. Pernas encruzadas.
O homem, até que era baixo, olhou para a cara do garoto e este fez da mesma forma, olhando sério para o velho que após bom tempo pegou o burro e tangeu começando a caminha e sempre olhando para trás vendo o que Dino tinha aprontado. Quando o homem já ia longe Dino correu para dentro de casa chamando por sua mãe que estava varrendo o quintal.
--- Mãe! Mãe! Olha o pão! – falou o garoto com voz de quem teria comprado algo mais.
--- Pão? Que pão? Hoje não quero. – disse Olindina varrendo o lixo no quintal.
--- É do vendedor. Ele deixou o burro e eu tirei esses para nós! – disse alegre o garoto.
--- Mas você não tem jeito não. Guarde o pão. – respondeu a mulher sorrindo.
--- E tem bolo! – disse o garoto mais alegre ainda.
A mulher caiu na gargalhada com as artimanhas do seu filho.
Com um pouco, alguém bateu na porta da frente da casa. A mulher olhou e viu a cara de Francisca e de outra moça. Olindina foi até a porta e destrancou pedindo para que as duas visitas entrassem. Feito isso, Francisca apresentou a outra visita.
--- Essa é Deodora. Mora lá no meu interior. Ela estava com o garoto quando você o chamou há pouco tempo. – falou Francisca de modo alegre.
--- Muito prazer. – estendeu a mão Deodora.
--- Prazer também. Você tem um nome estranho! – comentou Olindina.
--- É coisa do meu padrinho. Ele foi quem pôs. – sorriu a moça ao explicar o significado do seu nome.
--- Eu sei muito bem. O meu também foi o meu padrinho quem escolheu. Quem dizia isso era minha mãe. Olindina. HORRIVEL! – disse a mulher caindo na gargalhada.
E a conversa se animou a partir desse instante com cada uma das mulheres quebrando a sisudez que imperava conversando sobre nomes e parentes. Com cada nome que surgia elas sorriam para valer. E nomes de homens esses eram os mais difíceis de pronunciar. As três mulheres se sentaram no sofá e cadeiras de vime a conversar coisas que só o tempo podia parar. Nesse mesmo instante, Dino partiu para a casa de Dalva para saber de sua saúde. Entro pela cozinha, topou com a velha avó de Dalva, perguntou pela mocinha e teve a resposta.
--- Está dormindo. – relatou dona Cora.
--- Ela está melhor? – perguntou o garoto entristecido.
--- Mas tá. Isso leva cinco dias. – rosnou a velha.
--- E tá doente mesmo? – inquiriu Dino.
--- Coisa de mulher arteira. Mas basta. No meu tempo não tinha nada disso. – respondeu dona Cora acertando uns pacotes de pão em cima da estante acabada.
Na sala de visita da casa de Dino as mulheres conversavam bastante animadas e não faltavam sorrisos inquietantes das três “comadres”. Em instantes, Francisca perguntou a Olindina se ela deixaria Dino ir para o interior no sábado à tarde. Ela viajaria em companhia de sua amiga Deodora que estava ali para ficar por uma noite. Como as duas moças viajariam no sábado à tarde, ela perguntava da possibilidade de levar Dino para passarem o domingo no sitio do seu pai. Olindina ficou preocupada, pois o garoto era travesso.
--- Não se incomode com isso. Comigo ele se ajeita. É um sitio. Tem tudo para ele brincar. Bodes, cabras, e vacas. Tudo. Tudo. Pode ficar sossegada que ele não fará nada de meter medo. – disse Francisca querendo suavizar Olindina.
A mulher ficou quieta por um bom tempo e depois, se ergueu e falou.
--- Está certo. Pode levá-lo. Tenho confiança em você. – falou Olindina sem meias palavras.
Francisca voltou ao sossego. Era isso que ela queria. Levar Dino também com ela.
Quando Dino voltou à sala encontrou sua mãe, Olindina, Francisca, a namorada que ele elegeu assim, e Deodora, a amiga de Francisca. Nessa oportunidade sua mãe foi logo lhe dizendo, como forma de sobreaviso.
--- Olhe. Francisca vai levar você amanhã com ela para o sitio. Cuidado, ouviu? Não vá fazer besteira por lá. Muito cuidado! – disse Olindina se precavendo das arteirices do garoto ao se lembra dos pães que ele naquela tarde roubou do velho do burro.

Nenhum comentário: