quarta-feira, 15 de outubro de 2008

RIBEIRA - 154

RIBEIRA DE MEUS AMORES
Quando eu era um jovem de pouca idade, aos domingos e feriados, costumava ir passear pelas ruas da Ribeira, onde todas as casas de comércio estavam fechadas, somente abertas algumas barbearias e as famosas "casas de recursos" onde os ricos tinham ficado até altas horas da noite e madrugada. No silêncio do dia, nada era mais saboroso que andar pela rua Dr. Barata, rua Chile, rua Tavares de Lyra e tantas outras. Com certeza, eu passava pelo escritório do meu tio, onde ouvia música em um pick-up que não tinha rádio. Só música em uns discos de 78 rpm, coisa antiga. Mais antiga do que os velhos tempos daqueles anos de 50. Na rua, tudo era silêncio. Somente o pigarrear de Joel demonstrava a presença de alguém que se encontrava no prédio d"A Ordem. Ele era o zelador do prédio e morava em um cubículo na parte de cima do edifício. De noite, Joel empacotava os jornais do dia seguinte. De dia, em um domingo ou feriado, ele se arrumava, ajeitava seu cubículo, olhava um banheiro e outros para ver se não estavam sujos, chegava até onde eu estava passando a escova no cabelo, sorria e escutava também as musicas que eu colocava no toca-disco. E ficava alí um bom tempo, calado, somente ouvindo as melodias antigas que havia ali para se ouvir. Depois, então, saia como que saudoso pelas melodias sentimentais que acabara de escutar. E eu saía também, percorrendo outros caminhos alí existentes. Um trem parado no meio da rua Chile, alí ficava no silêncio do dia. Eu passava por ele, cruzando a linha, indo parar num recanto da Travessa Aureliano, que dava para o rio Potengí onde se ouvia o remanso das águas marulhando à beira das encostas. De um lado, um barco dobrava-se para o leito da maré. Era um barco velho que já não servia para coisa alguma. E eu ficava ali, à sombra de uma mangueira. olhando um grupo de rapazes remando uma yole, indo para os lados da ponte, lá no fim do mundo, de onde voltavam logo após enquanto outros passavam, fazendo o mesmo trajeto. Eu meditava sobre o que faziam os robustos jovens remadores a um tempo que, do outro lado do rio, um grupo e rapazes buscavam pegar caranguejos, enfiando o braço na lama para pegar os bichos que estavam escondidos na toca. Aquela era uma vida de gente pobre, sem tostão, que saíam do lado de cá, do rio, em uma canoa, ficando por lá horas a fio até o rio voltar a encher, como era de costume. Quase meio dia, e eu saia em outra direção pensando o que faria aquela gente com os caranguejos que conseguisse pegar. Rua à cima, rua à baixo, cruzando entre becos, vendo os cabarés adormecidos e eu lembrando das noites que aquelas damas tiveram. Um bonde fazia o ponto no cruzamento das ruas Frei Miguelinho com a Tavares de Lyra. Pouca gente havia ali. Na rua, somente ao longe eu vislumbrava alguns barqueiros ajeitando as velas de suas embarcações. Era uma distancia de uns 200 metros de onde eu estava. Alguém colocou um caso cheio de não sei o que no interior do bonde. Esse toco o de-lem, anunciando a partida e eu subi e me sentei num banco qualquer. Um bêbado, ao que parece, fazia sinais como um guarda de trânsito para o bonde partir. Para mim, era só um bêbado.

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