quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

LUZ DO SOL - 15

- AMANDA -
CONTO
Eudes concluíra os estudos daquela noite e, vendo as horas, se espreguiçou todo, como alguém que acordara de um sono profundo, fechando a gaveta da escrivaninha com todos seus materiais de estudo, resolveu a sair um pouco para cumprir outras obrigações. Depois de passar na geladeira de onde retirou uma fruta, foi até a cozinha do apartamento onde morava, para ver se o café ainda estava quente. Na verdade, estava frio para o seu paladar. De imediato, se lembrou de Amanda, jovem com quem Eudes tecia um amor convencional e verdadeiro. Para Eudes, aquela jovem tinha os seus encantos e, por que não dizer, era a mulher dos seus sonhos. A jovem exuberante e bela, também fazia a Faculdade de Letras. Por isso mesmo, os dois se combinavam até nos estudos. Naquele sábado, Eudes articulara um encontro entre os dois. Talvez eles fossem ao cinema, talvez ao teatro ou mesmo conversar assuntos triviais no barzinho de Cândido, onde o movimento era sobremodo intenso, dia e noite, qualquer hora da semana. O tempo passava e o rapaz procurou tomar banho para tirar a terrivel ressaca dos estudos que até então estava comprometido. E assim foi ao banheiro quando Amanda chegou ao apartamento do rapaz, abriu a porta com a chave mestra e, de imediato, procurou Eudes com um simples olá.
--- Cheguei. Vai ao cinema? - perguntou a jovem no meio de tantos livros soltos da escrivaninha.
Ela olhava os apontamentos no rascunho que o rapaz fizera para ver se combinavam as respostas com as perguntas. Olhou mais uma vez e deixou de mão.
--- Olá, amor! Estás aí? - perguntou a jovem.
A água que descia do chuveiro empatava a Eudes ouvir qualquer movimento que se fazia lá fora. Por isso, nada respondeu. Ele cantava ligeiramente alto uma canção que tinha guardado em seu arquivo de discos. Algo como "João da Silva, cidadão sem compromisso". O rapaz pertencia a um movimento de esquerda e tinha vasta literatura chamada de subversiva pelos homens do poder de chumbo, governantes do país, e que comprava às escondidas de outros "companheiros". Por seu lado, Amanda seguia o mesmo esquema, frequentando os "aparelhos" que a juventude de esquerda fazia, ora num canto, ora em outro, sempre variando de local. Cada jovem tinha o seu informante para, com isso, não dar para perceber a ninguém.
Com as cantarolas de Eudes e a chuva que fazia surdo no banheiro, assim Amanda resolveu calar. Procurou ler um trabalho recente de um autor de esquerda que Eudes tinha adquirido de algum companheiro. E estava absorta, lendo o livro que nem se deu por Eudes que acabara de sair do banho.
--- Faz tempo? - perguntou Eudes, por trás da jovem.
--- Ai! Que susto! - respondeu a jovem.
Nesse ponto, Eudes notou que a jovem trajava um lindo vestido de chiffon de aparencia luxuosa com drapeados para noite de festa. Em volta do pescoço, um colar de pérolas em duas voltas, caindo até o busto. No encosto do sofá, uma bolsa pequena a enfeitar o mais da feminina dama. Ele ficou a admirar a jovem, com seu penteado abrindo ao meio o cabelo e descendo até ao ponto da cintura. O jovem não quis comentar algo a mais. Porém, perguntou como se a moça pretendia ir ao teatro.
--- Não sei! Você é quem sabe. Cinema, teatro. Pode ser. No teatro está sendo exibida, inclusive "A MORTE". Ouvi dizer ser uma peça muito boa. Mas não tem nada a ver com o título. - disse a moça, meio pensativa.
--- A MORTE, então. Chega a dar sustudo. Morte. Bem podia ser outro nome. - comentou querendo aliviar um pouco o rapaz.
--- Você vai? - perguntou a moça.
--- A MOOOOORTE!!! - fez Eudes de forma horripilante ao dizer que sim.
--- Você come algo? - perguntou a jovem.
--- Talvez uma pizza. É rápida e salutar. - respondeu o jovem
--- Vou preparar. - disse a moça.
--- E eu me enxugar e mudar de roupa. Fazendo frio danada. - teceu Eudes.
Eles estava a saborear a pizza quando, de repente, a porta abriu com um baque e vários homens que pareciam ser policiais, entraram de repente, alarmando aos dois namorados, mandando a que os dois se levantasse e pusessem as mãos nas costas pois naquele momento eram presos de justiça. Eu rapaz e a moça não esboçaram qualquer palavra enquanto os "gorilas" buscavam por todo o canto as publicações subversivas que eles assim chamavam. Inclusive o livro que estava solto no sofá.
--- Deita! Deita! Deita! Vagabundos! Põe as mãos para tras. Agora, LEVANTA!!! - diziam os "gorilas" ordenado a todo custo armados até os dentes, procurando armas e munições por tudo o que era canto, sem nada encontar. Apenas livros. Muitos livros que os "gorilas" teimavam em chamar de "subversivos".
Na rua, não havia ninguem que presenciasse o fato. Apenas um bêbado que fazia piruetas tentando se equilibrar da cachaça que bebera. O casal foi empurado para dentro de um jipão, seguindo de outro com mais "gorilas" e desencadearam uma célere viagem aos desconhecido. Quando os veículos sumiram na rua, o bêbado procurou correr, a todo custo para avisar aos membros do partido o que então acabara de ver. De bêbado, ele não tinha nada. Era apenas um companheiro de agremiação partidária.

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