sábado, 10 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 10 -

- MEIAS DE SEDA -
- 10 -
Na manhã logo cedo do dia seguinte, um domingo, Jubal estava escorado na parede do prédio onde funcionava o café, na Rua Vigário Bartolomeu, na Cidade, de braços encruzados e um pé passando para o outro lado, chapéu de panamá cobrindo os olhos, vendo o seu cavalo amarado em um pé de pau. Ele então se lembrou do que se passara no sábado a tarde quando resolveu levar os seus dois cavalos para a sua casa. Um deles viajava coberto de feno enquanto o outro, o Otário, levava em seu dorso o seu patrão Jubal. Quando o homem chegava a sua casa ele avistou na janela e na porta as três cabecinhas dos seus filhos. Na janela estava Otávio, o menor de todos. Na porta, as duas meninas Olinda e Oceanira. As duas meninas achavam graça como que dizendo a seguir:
--- Lá vem o pai. – dizia uma das duas meninas.
--- E vem trazendo os dois burros. – respondia a outra a sorrir.
--- Cavalo sinhá burra. Aquilo é cavalo. - contestava a mais velha com um ar de zangada
--- Que me importa. Cavalo e burro é a mesma coisa! Todos são burros mesmo. – respondia Olinda de forma imprudente.
--- Você é uma burra. Não sabe nem o que é cavalo! – falava Oceanira de forma de quem sabia muito bem.
--- Olha vó, essa jegue! – lamentou Olinda naquela ocasião.
A velha senhora dona Chiquita se apoquentou a ouvir tanta reclamação e ameaçou tirar as duas meninas da porta. E o silencio se fez. Quanto Jubal chegou arrastando os dois cavalos ele ouviu somente a reclamação da garota mais nova contra a garota mais velha. Ele não se fez de rogado. Beijou as duas e também ao menino. Na seqüência, colocou para dentro do cercado os dois cavalos, abrindo a porteira por onde eles achavam de passar e chegou ao curral. Quando ele desencilhou os animais ouviu o relinchar do cavalo Otário como quem dizia:
--- A gente não tem liberdade aqui. – relinchou o cavalo Otário.
O homem respondeu apenas:
--- Quieto. Vou pôr o feno e o milho. Tem água aí. Depois venho dar banho em vocês. Amanhã vou sair com Pintado. – respondeu o homem aos cavalos.
--- E eu? – perguntou o cavalo Otário com o seu relincho.

--- Você fica. Não tem modos! Fica preso no celeiro. – respondeu Jubal sem mais contemplação aos relinchos do cavalo.
--- Isso é uma merda. – respondeu Otário ao relinchar do seu modo.
--- Calado! – proferiu o outro cavalo de forma menos barulhenta.
--- Fica aí. Tem comer para todos os dois. – respondeu Jubal ao sair de celeiro.
Então, os cavalos ficaram a conversar reclamando da sorte de serem cavalos e não gente. As meninas e o menino correram para o cercado e elas ouviram Jubal falar com Otário, o cavalo respondão. As duas meninas olharam entre si e caíram na risada por ter o pai o poder de conversar com os cavalos, elas não sabia como. Apenas sabiam que cavalos relinchavam. E o pai respondia com calma aos relinchos de ambos.
--- E cavalo fala meu paizinho? – perguntou Olinda a seu pai um tanto assombrada.
--- Fala filha. E tem cada desaforo que eles dizem que só peia. – respondeu Jubal abraçando a menina e pondo o garoto no colo.
--- Nossa! Eu nunca ouvi cavalo falar! – respondeu a menor de modo zombeteiro.
Enquanto o cavalo pastava algumas palhas de milho verde, Jubal continuava escorado na parede da casa a esperar que alguma pessoa viesse a abrir o estabelecimento. Ele verificou as horas e viu que ainda demorava um pouco de tempo. Nesse momento, apareceu um bêbado vindo dos lados do Royal Cinema, cambaleando aqui e acolá até chegar onde estava Jubal. O bêbado parou diante de Jubal e lhe disse em voz baixa como se ninguém pudesse ouvir.
--- Está esperando alguém, senhor? – perguntou o bêbado no seu vai e vem.
--- O bar! – respondeu Jubal de forma tranqüila.
--- Ah bom. Sabe? Hoje é domingo. Esse bar não abre nos domingos. Sabe? A dona do bar é “crente”. Sabe? – respondeu baixinho o bêbado.
--- Não sabia. Ela não vem abrir o bar? – perguntou Jubal atônito.
--- Não. Hoje ela está orando da Igreja dos Crentes! – respondeu o bêbado para lá e para cá.
--- Você tem certeza ou é porque está bêbado? – indagou Jubal ao bêbado.
--- Tenho sim. Eu posso estar bêbado. Mas não sou burro. – respondeu o embriagado no seu balançar de corpo.
--- Ah bom. Estou vendo. Então vou para o Mercado. – respondeu Jubal desatinado.
--- Ah. Agora me dê uma moeda para eu continuar bebendo. – disse o embebedado quase caindo de muita cachaça.
Um homem que passava no local naquela ocasião e tomou conta da conversa dialogou com Jubal por instantes.
--- Não abre mesmo. A mulher é crente. – disse o rapaz que não parecia alcoolizado.
Então Jubal deu uma nota de hum cruzeiro ao ébrio e este agradeceu dizendo que aquele dinheiro daria para comprar meia garrafa de cachaça. Aos trancos e barrancos o embriagado saiu a cambalear para qualquer esquina da vida. Por sua vez, Jubal voltou ao Mercado, entrando pela porta de trás, chegando ao ultimo café que ali havia, onde todos os freqüentadores eram biscateiros, almocreves e carregadores de balaios sem se contar com os vendedores de peixe e talhadores de carne. Ele chegou de mansinho e perguntou a dona do café.
--- Tem mungunzá? - perguntou Jubal a mulher do café.
A mulher olhou a Jubal um pouco desconfiada e temerosa respondendo a seguir sem a menor preocupação.
--- Tem sim. Quanto quer? – replicou a mulher do café.
--- Um prato. E cuscuz também. Café, por favor. Se não faz questão! – respondeu o homem de modo tranqüilo.
A mulher saiu para o fogão dizendo qualquer coisa a outra mulher que cuidava das tapiocas, milho cozido e bolos. A outra mulher se voltou e assegurou com a cabeça que era ele o homem da questão com a moça Zilene. Com um instante, a mulher voltou com um prato de mungunzá e outro de cuscuz e largou na mesa com uma caneca de café. Ao sair do pessoal que estava ao redor do tamborete onde Jubal se sentara a mulher voltou até ele e conversou baixinho com o homem.
--- O senhor é o homem que caiu no conto da moça? – perguntou a mulher.
--- Que moça? – perguntou Jubal assustado com a indagação feita pela mulher.
--- Não tem importância. Nós sabemos de tudo. Ela é acostumada com isso. Já pegou um vendedor de peixe, um talhador de carne e sabe mais quem. Zilene é o seu nome. Ela é o cão. Faz de morta para comer o cu do coveiro. – respondeu a mulher do café.
--- Com é o seu nome? – perguntou Jubal a mulher.
--- Nazinha. Todo mundo me conhece. Meu nome mesmo é Maria Nazaré. Mas todos me chamam de Nazinha. – respondeu a mulher de forma afetuosa como querendo quebrar à desconfiança do homem.

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