terça-feira, 13 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 13 -

- MEIAS DE SEDA -
- 13 -
Segunda-feira manhã cedinho bêbados, prostitutas, mecânicos e gente mais estavam em frente a casa e na sala da vítima da locomotiva. Todos queriam prestar sua simples e sincera homenagem a o mecânico Toré, morto na linha quando dormia por longo tempo sem nem saber que por ali passava uma locomotiva. E se sabia, ele pouco interesse dava. A mulher dos seus sonhos tinha saído para nunca mais voltar e ele por isso não se importava com o seu destino cruel e desalmado. Não importava quando se a morte era uma boa companheira por todo o acaso. Ele assim pensava. E então, a morte chegou separando em dois um som coração amargurado. Certo dia, Toré disse a um amigo de farra: quando a morte o viesse estaria pronto para seguir o seu novo destino. O bêbado não lhe deu importância, pois só queria beber. Por entre as prostitutas estava uma mulher solitária com um véu no rosto, de roupas escuras iguais a sombra da morte. Os cabelos presos em sua cabeça, rosto que não se podia ver, pequena como uma mulher da vida, essa dama perguntou a um bêbado se ali dentro da sala da velha casa de taipa estava o caixão do morto:
--- Esta sim. Lá dentro. Espie que a senhora vê o defunto. Grande homem. Para ninguém por defeito. – disse o bêbado mais embriagado do que antes.
--- Não. Não. Eu só queria saber. Tenho medo de ver o defunto. Dizem que ele está sem a cabeça. Isso me dar medo. – comentou a mulher da vida.
--- Veja. Ele não está sem cabeça. Ta inteirinha. Todo completo. O povo inventa. É isso. – disse o bêbado ainda quase caindo e a voz embargada.
--- Não tenho jeito de entrar para ver. Me dá arrepios. – falou a mulher.
--- Quem é a senhora? – perguntou o embriagado.
--- Eu? Eu sou...uma vizinha do morto. – respondeu a mulher.
--- Ah bom. Não se vexe. Ele está normal. Apenas morto. – replicou o bêbado quase sem graça em dizer tudo o que estava acontecendo.
A mulher caiu num imenso choro e saiu da frente da casa indo embora para onde não se sabe. Ninguém mais viu a tal mulher. Nem de perto nem de longe. Ela sumira de vez para não querer ser vista por alguém mais. Toré dormia o seu sono eterno, um sono majestoso, apenas o sopor dos bêbados com quem ele não parava de conversar em qualquer esquina da vida. O enterro se deu logo após a Missa que o pároco da Igreja veio celebrar em intenção do esquecido morto. A sua mãe, velhinha, acompanhou o féretro até o cemitério ampara por dos filhos. Logo atrás, todos a pé e em silencio, vieram as mulheres da vida e os bêbados que eram o senhor do destino de quem partia de um mundo para outro e não mais voltava. As pombas no céu voaram sem sossego parecendo até um sufrágio para a alma de Toré.
Pela manhã bem cedo da segunda-feira Suzana estava na Feira do Paço onde procurava comprar tomates, tempero verde, carne de sol entre outras coisas para servir no almoço do meio dia. Com ela estava a sua filha Salésia procurando também encontrar uns alfenins. Das conversas que ouvia uma era da morte de Toré, rapaz que foi decepado por uma locomotiva na manhã do domingo. De quem ela ouvia se traia boas palavras. Ele, para o povo que discorria era um rapaz muito bom. Coisas da vida que todos tinham que dizer. Suzana ficou calada a verificar o que havia de bom na Feira e a menina cuidava de encontrar seus alfenins. Um rapaz passou roçado junto a ela e a mulher se deslocou para um lado permitindo-lhe a passagem. Porém o rapaz voltou e falou ao seu ouvido palavras de “herege” como Suzana diria. O incrédulo rapaz roçou novamente nos quartos da mulher e se afastou levemente do recinto. A menina assistiu toda aquela ocorrência de atrevimento do rapaz. E perguntou a sua mãe.
--- O que o rapaz disse a senhora? – perguntou Salésia meio assombrada.
A mulher respondeu sem muito especular o assunto.
--- Nada filha. Ele queria só saber se tinha o que levar para casa. – respondeu Suzana intranqüila.
--- Ah bom. – disse a menina.
A mulher não tinha bons olhos para com o rapaz, pois da ultima vez que a viu ele soltou pilheria para com Suzana. A mulher reprovou a cena plantada pelo jovem adolescente, pois acima de tudo ele cheirava a aguardente e ainda por cima estava todo molhado com água do mangue. Ele parecia que era nadador ou tomara banho no rio àquele instante. De um jeito ou de outro, o jovem rapaz era um tipo desprezível para a mulher que de nada havia a comentar. Salésia procurou ver o rapaz por entre a aglomeração e certamente ele havia saído do recinto da Feira. A garota não vira mais nem sombra do moço. E o assunto morreu por ai.
Um homem com a carne de porco perguntou a Suzana se ela queria comprar carne de suíno abatido naquela hora.
--- Tá fresquinho. Garanto. É carne de primeira. – disse-lhe o homem.
--- Não quero, não, meu senhor. Não gosto de porco. – respondeu Suzana para se defender de mais perguntas.
Em seguida veio um garoto lhe oferecendo alho e outro, saco de papel. Tinha de tudo a feira do Paço para quem quisesse comprar. Tinha até abotoaduras de camisa para se ter um conceito. Porém nada do que lhe ofereciam merecia crédito. A mulher arrumou tudo em uma bolsa de pano e se dirigiu para sua casa. Ao passar a linha de trem, Salésia lembrou que não vira ainda naquele dia o seu amigo Jubal. A sua mãe lhe disse apenas que não haveria de ter tempo.
--- Tem tempo, filha. Tem tempo. – respondeu a mulher.
--- Ô mãe. Eu queria agora. Ele já está no sitio. – reclamou Salésia um pouco chorosa.
--- Não. Agora não. Mais tarde. – respondeu a mulher querendo sair da linha do trem.
A mulher seguiu caminho pelos batentes que davam acesso a Rua Ocidental de Cima. Em baixo vislumbrou a figura do adolescente ímpio olhando a mulher e fazendo gestos esquisitos e indecorosos. Suzana ajeitou seu vestido de modo a não aparecer vestígios de nada e cobriu tudo com a bolsa de pano e seguiu para a sua casa na Rua da Prisão.
--- Herege! – falou a mulher de forma baixa.
Em dado instante, no bairro do Comércio, estava Jubal em companhia do seu velho companheiro Osias a espera que a Caixa Rural abrisse suas portas às nove horas. Os dois conversavam ainda pelo acidente que presenciaram lamentando o caso. Gente diversa entrava e saia das casas de comércios existentes naquele local. De noite, ali, era tudo tranqüilo, menos por uma algazarra feliz que faziam mulheres meretrizes e homens imprudentes nos cabarés postos ao alto dos prédios de um andar. Elas eram as donas da noite venturosas da vida querendo dar ao seu parceiro as mais completas virtudes de que eles estavam a esperavam. Aquele era o panorama do bairro das noites ditosas e dos dias de negócios. À noite, os negócios eram das mulheres. Pelo dia, os negócios eram dos homens. Os dois amigos ainda viram os ébrios que viajavam aos tropeços pelas calçadas das casas de comércios insinuando entre caretas aquele que eles não tinham para dizer. Ou dizer, talvez.
Jubal se lembrava então dos seus cavalos que deixara amarrados pelas patas no sitio para poder comer as gramas. E se lembrou de Salésia e de Olinda. Ambas as garotas tinham a mesma idade. Ele sorriu quando se lembrou das travessuras de Olinda ao discutir com sua irmã. Oceanira, de que o pai conversava com os cavalos.
--- Menino é besta mesmo. – disse Jubal a Osias, sorrindo.
--- Por quê? – perguntou Osias ao seu companheiro.
--- Os meus, pelo menos. Estava sorrindo aqui porque ontem a minha menina disse a outra que eu falava com os cavalos. - -(e caiu na gargalhada).
--- E você estava mesmo? – perguntou Osias a sorrir também.
--- Que nada. Estava só reclamando com os dois animais. – respondeu Jubal inda sorrindo.

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