quinta-feira, 15 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 15 -

- MEIAS DE SEDA -
- 15 -
Na quarta-feira também, Artemio foi chamado à Direção da Ferrovia para ter uma conversa com o diretor da companhia ferroviária. Disse-lhe o diretor que uma maquina chegara ao Recife e era preciso que ele fosse buscar a locomotiva a diesel para a sua cidade. Essa era a primeira locomotiva a diesel que teria a cidade para fazer o percurso com o norte do Estado. Ele viajaria na quinta feira de manhã cedinho, as 5,30 horas da manhã no trem que fazia o percurso para a cidade do Recife. Para viajar de volta poderia engatar a locomotiva no trem que sairia do Recife para essa capital ou podia vir escoteira, sem auxilio do trem de passageiros. Esse tal negócio Artemio veria na cidade e tomaria a decisão precisa. Para a viagem de volta ele conseguiria um ajudante de locomotiva. Passaram-se uma hora a conversar sobre os detalhes da viagem, o abastecimento da locomotiva além da ajuda de custo que Artemio receberia. O homem se sentiu eufórico com a viagem ao Recife, pois, afinal voltaria a cidade que o viu nascer. Já fazia vários anos que Artemio não viajava a capital pernambucana. Em meio de tanto afazer, ele teria oportunidade de visitar seus parentes ali residentes.
No Jornal da Cidade saiu a historia de um homicídio. Um homem foi morto a pauladas no interior da garagem onde guardava o seu carro. Havia três homens a esperar pela vítima. E ninguém soube dizer o porquê do assassinato do homem que havia chegado da rua em companhia de sua esposa. Eram dez horas da noite quando houve o crime. O seu nome foi identificado como sendo Armando Ribeiro. A mulher escapou por ter corrido para o lado de fora da garagem. Os três homens não a alcançaram. O que se soube foi que a vitima era um médico. Ele deixou dois filhos e a mulher estava grávida de um terceiro rebento. O acontecimento estarreceu a cidade pelo modo cruel como se deu o assassinato. Era tudo que o Jornal da Cidade tinha a dizer naquela manhã de quarta feira. Nada mais foi acrescentado.
No sitio, Jubal estava colhendo e plantando feno. Daquele dia em diante ele estava mais ocupado, pois tinha uma outra obrigação: cuidar do segundo sítio e bem maior. Para o segundo sítio Jubal conservou um empregado que já trabalhava por lá. A terra era alagada como estava a sua terra. Porém tinha um casebre melhor que o dele. Três mangueiras, uma cacimba, dois pés de coco, e muito capim. Ele ordenou ao seu ajudante a conservar o mesmo atendimento que era feito com o fornecimento do feno aos carroceiros e a outros fregueses eventuais. O servidor obedeceu as ordens dadas por Jubal. O dono anterior ainda estava se recuperando do acidente com o Bonde onde ele perdera o dedo polegar do pé direito. Osias continuava internado no hospital se recuperando dos ferimentos recebidos. No sítio de Jubal os dois cavalos estavam pastando como sempre faziam. De certo momento, o homem foi pego de surpresa por um dos cavalos que empurrou o homem contra o feno. Ela caiu e se levantou de imediato ao animal:
--- Que é sua mula? - falou Jubal com muita raiva.
O cavalo respondeu com um relincho forte para o homem. Em seguida o homem deu a resposta ao animal Otário que era o agressor.
--- Vá beber no estábulo. Ora! – se refez Jubal do insulto provocado por Otário.
Na sexta-feira à tarde, 4,30 mais ou menos, Salésia foi até a Catedral para rezar e verse os santos estavam do mesmo jeito do ultimo domingo como deixara. O sonho que ela tivera a impressionou sobremaneira. Nunca Salésia teve um sonho assim vendo os santos conversando um com os outros e o mais antigo de todos a relatar coisas que ela nunca ouvira falar de nenhum santo. Salésia ficou impressionada com o que disse o mais velho de todos: “Ele é o céu. Veja a luz”. Com isso a menina se desesperou e teve que confessar ao sacerdote o que havia tido durante a noite daquele dia. O sacerdote procurou acalmar a menina dizendo que aquilo fora um sonho e nada mais. Ele mandou Salésia rezar um “Pai Nosso” e três “Ave Maria” pelas almas do purgatório. A menina ouviu e foi rezar a oração contemplando a Imagem de Jesus Cristo. Então a menina sossegou o seu espírito. Quando voltou para a sua casa encontrou um homem que parecia lunático a falar coisas desconexas que a menina não entendia. Apenas lembrava Salésia que o homem dizia.
--- O inferno é o útero. O céu é o óvulo! – recitava o lunático a todo o momento.
Ela temeu ser apanhada pelo lunático e saiu na carreira até chegar a sua casa na Rua da Prisão, logo quase no seu final. A menina entrou num desespero tremendo e se guardou no seu quarto de dormir.
A noite chegara com o seu véu negro e os bordeis estavam repletos de bêbados e damas da noite no bairro da Ribeira. Os homens conversavam entre si e com as mulheres da vida e as damas da noite trocavam beijos, ternuras e carinhos com os seus sedutores amantes de alcova. Tudo era festa no recinto da pensão de Alba àquela hora da noite quase passando para o dia do sábado. Confetes e serpentinas misturados com o cheiro de lança-perfume esfuziavam pelo salão de baile. Uma dama passava cheia de álcool acariciando seus amantes inebriados cheirando a uísque. Em um banco de bar, um homem olhava a cena com cordialidade de quem não queria fazer coisa alguma. A mulher sedução daquela boate chegara por fim e a ansiedade dos ébrios de amor aumentava cada vez mais.
--- Chegou ela! – gritaram os amantes de mulheres vulgares.
--- Viva! – gritavam outros mais.
Do seu altar beirando a veludo da cor vermelho-escura ela apenas fazia sorrir e levantar os seus braços para o alto deixando em êxtase os homens do cabaré. A mulher vestia um traje de cor negra, todo colado ao corpo, cetim reluzente à luz do abajur âmbar, braços cobertos por mangas extensas de uma luva penetrando nas mãos. O traje era longo porem se notava que as belas pernas trajavam meias de cetim de cor negra e um sapatinho de salto alto. Os cabelos louros encaracolados davam-lhe um sentido meigo e esfuziante para aqueles loucos e paupérrimos homens da nobreza da augusta cidade. E todos gritavam a uma só voz:
--- Viva Matilde!!! – gritavam os bêbados entusiasmados feito loucos.
Matilde deu seu gritinho hilariante para todos os que se deslumbravam com aquela mulher surpreendente e majestosa.
--- Oi meninos! – gritava Matilde em um sentimento de alegria.
Era isso o bastante para esfuziar a platéia delirante. Todos respondiam a uma só voz:
--- Vem pra mim! Vem pra mim! Vem pra mim! – gritavam os embriagados de emoção iguais a um pássaro carnívoro.
No meio de todo aquele resplendor magistral estava a figura do louco, um jovem da sociedade a contar cada passo dos seus amigos embriagados. Ele dizia sempre que o útero era o inferno de cada um. E o céu era o óvulo que se abria para a passagem de um único ser. Era tudo o que ele tinha a dizer. De vez em quando o louco gritava:
--- Que viva o óvulo! – gritava o louco.
E então bebia o conteúdo do seu copo cheio de Martini para pouco depois dizer.
--- Morte ao útero. – falava o louco um tanto embriagado.
A festa continuava até quase o amanhecer. Quando todos saiam dos seus locais para seguir a alcova da mulher amada o louco ficava a chorar a dizer sozinho o seu declamar para ninguém, pois todos já haviam saído.
--- Eles não entendem. Eles não entendem. O que eles chamam de Deus está em seu próprio ser. Um inútil verme de um homem saído de seus testículos que eles chamam de espermatozóide percorre todo o caminho até chegar ao óvulo da mulher e lá, bastando um, ele abre a porta do óvulo e fecha para que os outros 40 milhões não entrem. Então o céu se abre para aquele ser e o óvulo é o que se chama de Deus. O óvulo é o céu. Deus é o ser que vive no céu. – dizia devagar com a precisão de um relógio o caminho total do sêmen e o fim dos que não entraram. Por fim ele chorava.
--- Eles não entendem. Homens de pouca fé. – e o louco chorava de novo.
Os garçons apenas ouviam o que o louco dizia e comentavam entre si como se fosse aquilo a primeira vez.
--- É louco mesmo. – dizia um.

Nenhum comentário: