sexta-feira, 16 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 16 -

- MEIAS DE SEDA -
- 16 -
Na terça-feira de outra semana qualquer o Jornal da Cidade trouxe uma meteria de um trucidamento de uma mulher da vida que resistiu ao agressor por um bom tempo, apanhando sem dó nem piedade e sendo ferida mortalmente por disparos de revólver. Afinal era uma mulher da vida. Nesse caso, todas apanham dos seus gigolôs. Isso era normal. Porém, o editor chefe do jornal, Pedro Nunes, não viu que isso fosse normal. Ele detinha em mãos casos de mulheres da alta sociedade – se tinha na cidade essa alta sociedade – que eram espancadas e até mortas. Ele citou o caso de uma senhora que foi morta com cinco balaços a sangue frio pelas costas. A mulher nobre não tinha contra defesa do seu marido e com os pés descalços, pois perdera os sapatos até, correu rua a fora sendo morta pelo esposo. Nunes, o editor, reviu a matéria da mulher nobre e de outros casos afins e embaralhou tudo com o caso semelhante da prostituta morta na cama em um cabaré de terceira classe. A notícia do Jornal despertou a atenção de todos que o leram. Não faltou quem disse:
--- Puta merda! Até o caso de dona Zélia? – perguntou um leitor.
--- Para ver. E o homem está solto. – comentou outro.
--- Ela morreu porque contrariou o homem. – respondeu um terceiro.
--- E pode assim mesmo? – voltou a inquirir o primeiro homem.
--- Se pode, não sei. Mas é a lei. – contestou o terceiro homem.
--- Que lei é essa? – inquiriu o primeiro homem.
E a discussão continuou acirrada entre homens e homens enquanto as mulheres apenas diziam em suas casas nobres:
--- Que horror! – diziam as mulheres.
Em um dia de segunda-feira pela manhã Artêmio se preparava para largar com a locomotiva a diesel trazida recente do Recife conduzindo o trem de passageiros e de cargas direto para os municípios do norte do Estado, primeira vez que a máquina saía em tração normal para o interior. No muro alto de pedra que bloqueava o acesso de gente para passar sobre os trilhos, estavam em cima, muito antes da Feira do Paço, a mulher de Artêmio, dona Suzana, sua irmã Joana e os seus três filhos ainda crianças para ver o trem passar e a figura do pai, maquinista, conduzindo todo o trem. Aquela era uma festa para todos que já estavam a trinta minutos no aguardo da passagem do trem, bem perto da pedra da Nossa Senhora do Rosário à margem do rio. A espera pela hora marcada dava calafrio em todos os que estavam aguardando. A impaciência dos trêmulos espectadores era cada vez tensa e maior, parecia até que eles eram também viajantes a espera na estação.
Quando o apito da locomotiva soou a alegria subiu mais em cada coração. Ouviam-se vivas por parte das crianças filhas de Artêmio que não esperavam sentir tanta emoção em suas vidas. Eles eram dois meninos e uma menina: Ênio, Euclides e Salesia. Euclides era o que Salésia chamava de Sequilho por ser altamente magro. Ele ficava deveras aborrecido por tal apelido e corria atrás de Salésia quando essa o chamava por esse novo nome. Porém tudo não passava de casos de meninos. Com alguns minutos após, o trem já zarpara da estação e começava a passar sob o moro de pedra onde estava sua família. Adeus dos pequenos, adeus dos grandes. E Artêmio também se despedia todos que estavam a sua espera. Suzana ficou delirante vendo o seu esposo dirigindo a máquina a óleo diesel, primeira no ramal. O trem passou e a festa continuou com as crianças dando adeus agora aos passageiros. Foi folia muita que os pequenos fizeram ao ver o pai conduzindo o trem.
Na manhã logo cedo daquela segunda-feira, Jubal passou pelo mercado, no último café onde havia balaieiros, almocreves, açougueiros e outros mais todos a tomar café com cuscuz, mungunzá, tapioca, macaxeira e pão além de bolo feito na véspera. Nazinha estava contente por ver outra vez o homem e fez de imediato diálogo para bem servi-lo com maior destreza. Em meio aos presentes, se encontrava um outro que não tinha costume de ir tomar café de manha cedinho como os demais fregueses. O seu nome era Inaldo que pelo seu aspecto viera de um bordel onde passara a noite, o que era bem provável. Inaldo era um velho conhecido de Jubal e com ele logo se ambientou na troca de conversas, coisa normal entre homens que buscam café logo cedo da manhã. Entre uma conversa e outra, Inaldo veio a dizer que teve um caso com uma garota do mercado da Cidade. Jubal fez de conta que não se importou e enveredou em busca de outros assuntos. Porém, Inaldo foi mais incisivo ao dizer:
--- Você conhece a garota! – disse isso e sorriu.
Nesse ponto, Jubal sentiu o hálito da cachaça que ainda perdurava no organismo de Inaldo àquela hora da manhã cedinho. Talvez Inaldo tivesse um pouco a dormir com a tal garota. Talvez não. Mesmo assim Jubal não se importou em perguntar por quem era talvez suspeitando da moça com quem ele se atropelou certa vez. A insistência de Inaldo fez com que Jubal parasse para ouvir o relato feio pelo homem de forma baixa.
--- Sabe quem é a garota? Sabe? – perguntou Inaldo exalando hálito de cachaça.
--- Não. Não sei. E é bom você nem dizer, pois esses assuntos são preferíveis calar. – relatou Jubal não querendo desfazer a ânsia do rapaz meio ébrio em poder dizer.
--- Mas você conhece muito. Ora se conhece. Muito. Zilene. Num bordel. Ela e eu. Quando acabou ela veio embora para o mercado. Está ali. Quer ver, olhe! – relatou Inaldo sorrindo.
--- Ah bom. Espero que dure. Eu nem adivinhava. Com certeza. – respondeu Jubal querendo ser alheio ao assunto.
--- Pois ela me contou que já havia saído com você. – sorriu Inaldo abertamente.
--- Comigo, não. Se ela saiu foi com você. Comigo não. - respondeu de cara seria o homem se ajeitando no tamborete.
--- Besteira! Comigo você não tem segredos como eu não guardo para com você. – sorriu franco Inaldo.
--- Não. Comigo nunca. – respondeu Jubal de cara feia.
--- Você está me estranhando? Ela me disse que foi numa moita de capim, no sitio mesmo. Ela disse. Se é mentira é lá com ela. – comentou Inaldo
--- Você caiu numa enrascada com essa moça. Nunca ninguém ficou comigo. Nem no capim nem em canto algum. Nunca mesmo. E dessa estou virgem! – relatou Jubal.
--- Tá bom. Se você diz que não fez, então não fez. Mas foi ela quem disse. Não fale nada a ela ou a ninguém. – cuidou em reparar Inaldo ainda com a sua cachaça.
--- Isso é uma merda! Só faltava essa! Eu sou capaz de ir ao delegado dizer o que ela falou. E você vai também. Ora se vai. – se exasperou Jubal com muita raiva.
--- Não. Espere. Deixe-me falar com ela para vê o que Zilene diz. Eu chego de mansinho dizendo que você ainda tem saudade daquele dia. Deixe comigo. – falou Inaldo.
--- Você nem se meta em falar no meu nome. Nem se meta. – falou grosso Jubal.
--- Tá bom. Tá bom. Não está aqui mais quem falou. Deixa-a pra lá. – glosou Inaldo.
E o assunto morreu por ai. Quando Inaldo acabou de tomar o seu café com ovos e pão se despediu de Jubal porque tinha que ir para a Prefeitura, onde trabalhava apenas meio dia, pois de tarde não tinha expediente no Município para o pessoal da manhã. Ele trabalhava de 7 horas às 13 horas de um dia comum. Jubal, ao contrario, trabalhava em dois expedientes, de manhã e a tarde, pois ali era o seu ganha-pão e alem do mais tudo o que fazia era somente lucro quando não dava um pequeno prejuízo, na época da cheia do rio vez que alagava todo o terreno onde estava plantado o seu capinzal. Ao se despedir de Inaldo, o homem disse ainda.
--- Eu vou falar com o delegado. Espere! – falou Jubal com cara de malcriado.
--- Espere! Não faça isso. Ela é uma mocinha. Não vá ao delegado. – respondeu Inaldo.
--- Mocinha uma ova. Só se for para você. Para mim ela é uma vaca. E muito safada. – respondeu Jubal mal humorado.

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