sexta-feira, 2 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 2 -

- MEIAS DE SEDA -
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O capinzal era um lugar próximo ao rio onde Jubal trabalhava horas e mais horas. Cortava capim destinado principalmente ao Quartel da Polícia Militar onde havia um esquadrão de cavalaria onde a Polícia criava cavalos. Além disso, Jubal cortava capim para a “Mucura”, um cercado da Prefeitura da cidade, onde se prendia cavalos, éguas, burros e burras que perambulavam pelas ruas da cidade. Além de todo esse trabalho, Jubal também cortava capim para carroceiros – e eram muitos naquela época, pois não havia carros para a entrega de mercadorias a domicilio. Quem comprasse algo de grande porte tinha que se valer dos carroceiros. Os carroceiros tinham fama de serem carroceiros. As suas carroças eram licenciadas pelo Departamento de Trânsito e cada qual trazia uma placa e um numero correspondente. Para se ser um bom carroceiro era bastante ter uma carroça e um burro – mulo, principalmente – ou cavalo manso. De posse dos dois – eqüídeos e carroças – ele procurava o departamento para pedir a licença de transportar mercadorias. Assim era feito o trânsito das carroças.
Para dar de comer ao animal era muito fácil. Era bastante se ter farelo de milho ou milho em pé, água e capim. O capim, para se ter, era preciso ter um capinzal. Como esse item era mais difícil, pois requeria de maior tempo, era melhor se comprar capim. Nesse caso só havia um remédio: o capinzal de seu Jubal. E era nesse caso que o homem fazia o seu ganho. Ter um autêntico e belo capinzal era mesmo o que ter uma fazenda ou mesmo um sítio. Foi assim que Jubal começou a ganhar dinheiro quando saiu do Exercito aonde chegou a ser cabo. Não querendo ser mais militar, tendo uma mulher e uma filha, ele comprou um terreno próximo da Feira do Paço. O terreno era um charco que não servia para coisa nenhuma. De um lado tinha o rio. E da parte da frente tinha a linha de trem. Foi nesse caso que Jubal pensou em se plantando tudo dá.
E deu. Capim até demais. De sua origem do interior, onde já cortava capim para as vacas, mulos e cavalos ele já estava cansado de aprender dessa história. Quando saiu do Exercito, aos 25 anos de idade, já casado com Nora, ele arranjou o seu destino: fazer do capinzal o seu modo de vida. Daí em diante foi só trabalho. Ao chegar logo cedo no capinzal, Jubal verificava o estábulo dos cavalos que ele tinha plantações de cana caiana que ele fizera a choupana que ele chamava de casa, pois havia ali um alpendre, uma sala de visita que somente tinha o nome e um quarto de dormir que era também a cozinha. Tudo isso foi feito por Jubal com as mãos e a coragem de um jovem afoito para o progresso da vida. O plantio de capim elefante foi sendo feito devagar até que tudo aconteceu.
Desde a época em que comprou o terreno Jubal vivia somente ali quando não estava em casa ou no Mercado da Cidade onde o homem ao sair de casa ia até ali pára papear e tomar café. Às 11 horas o homem voltava às vezes montado em um cavalo para comprar um pouco de carne e levar para a sua casa onde a mulher, Nora, cozinhava para o almoço de apenas uma hora da tarde. Ele comia e voltava para o capinzal onde ficava até as cinco horas ou cinco e meia da tarde, no mais tardar. Era essa a vida de Jubal. Quando a sua mulher teve mais dois filhos, sendo um homem, veio o dissabor. Nora morreu de parto após três dias de luta com a sua parteira sem saber mais o que fazer. Levada para o hospital, a mulher não resistiu mais. O medico retirou o menino que ela viu e depois faleceu. Foi algo de desprezível para Jubal aquela enorme situação em que viveu o homem. Nunca mais casou. Viveu ele, a sua mãe Chiquita e as três crianças. Desde o começo da historia de Jubal, já era feito cinco anos de pura solidão com ele a criar o pequeno e mais duas meninas, sendo uma quase moça e a trabalhar com afinco no plantio de grama para poder agüentar a vida malsinada pelo tempo.
Com o passar dos anos, ele estava mais conformado pela desdita. Outra mulher não queria ter. Não raro se observava Jubal a pensar na malvada vida que teve de levar. Com certeza, nos filhos e em sua mãe também. Quando ele estava no Café de Doca, no Mercado da Cidade sentiu qualquer coisa a roçar em seu ombro. Ele disfarçou e se retirou por um instante do local. Contudo, o homem viu bem que a moça Zilene, filha de dona Doca, tinha se roçado nele de modo sutil. Sem nada a dizer a ninguém, Jubal apenas deu bom dia, pois estava na hora de pegar no pesado e saiu.
--- Bom dia a todos. Mais tarde estarei de volta, se Deus quiser. – recomendou Jubal, acertando o chapéu em sua cabeça, puxando as mangas da camisa e partindo a seguir.
Ele desceu pela Rua de Pedra, pois era o nome dado a ladeira que levava até a Rua Ocidental de Cima e dali rumou para o capinzal, descendo a ladeira íngreme que dava acesso a Feira do Paço. O burburinho era intenso àquela hora da manhã com os barcos a chegar de cidades próximas, a despejar mercadorias como carne seco, carne jabá, arroz, farinha, feijão, açúcar e um monte de verduras e de legumes diversos para quem quisesse comprar. A zoadeira era intensa das mulheres, crianças, homens e bêbados que a certa altura da situação caminhava relutante e por demais cambaleantes entre compradores e vendedores com incerteza de se aprumar e apesar de tudo sentindo-se sóbrios. Os bêbados eram os verdadeiros equilibristas das manhãs de todos os dias. Eles bebiam até certas horas da noite e acordavam de manha logo cedo para tornar a beber. Vicio maldito aquele dos embriagados da noite e do dia.
Jubal olhou do alto para a Feira do Paço, parou, pensou e seguiu seu rumo de todos os dias. Um trem de cargas vinha passando, com certeza chegando de cidades do norte do Estado. A zoada era um lamento eterno com seu apito assombroso alarmando a gente que estava na sua linha. Jubal ficou por mais algum tempo no alto do penhasco olhando o eterno fluir do negro trem de cargas, conduzindo todos os tipos de objetos e de animais como vacas, burros e cavalos. Era a sina de o trem viajar tão longa distancia a trazer esses animais para a Cidade. Por algum tempo, o homem ficou a pensar no destino dos cavalos. Alguns desses animais eram cavalos tropeiros, cujo destino era a cidade vinda dos centros de produção. Tais cavalos, não raro, conduziam tropas. Outros trabalhavam como carreteiros operando com carretas sem descanso. Portanto, Jubal ficou a desejar um sitio maior para poder criar cavalos reprodutores.
Dispensando-se da barafunda dos mercadores do Paço, vindos de outras partes do Estado ele então se dirigiu de imediato ao seu trabalho onde deveria cortar capim como principal tarefa. Ao entrar pela cancela do sitio Jubal olhou como sempre fazia para o estábulo onde deixara seus bons cavalos. Ele viu os animais acordados, foi até onde estavam, verificou o consumo da comida e da água e estava tudo bem. Ao relincho de um, ele respondeu:
--- Não se incomode. Hoje a gente vê isso. – falou Jubal como se quisesse entender o que o cavalo estava lhe dizendo.
Afinal, cavalo também “fala”. Os relinchos querem dizer algo que o leigo não entende. Naquele instante, por acaso, o cavalo lembrou a Jubal que ele deveria soltá-lo bem como ao seu colega de estábulo. Isso era normal. De cor branca, esse eqüino tinha o saber de quando deveria ser solto. Por isso mesmo é que fez o relinchado. Por sua vez, Jubal rumou para a casa simples que havia ali onde foi mudar de roupa e beber um pouco de água, pois o sol era quente e ele sentia isso na pele. Logo após saiu de dentro de casa, olhou o céu, médio a distancia e velocidade do vento com um dedo inquisidor da mão direita ao tempo em que olhava o assento onde ele descansava da faina diária. Em seguida, tomou do seu facão e rumou para a campina onde no dia anterior havia deixado um monte de capim devidamente cortado. Aquele era o capim do Batalhão como se chamava então a Cavalaria da Policia Militar. E foi assim que ele começou a cortar mais um monte de capim e ajuntar tudo num só lugar para quando a rapaziada do Quartel chegar, encontrar tudo perfeito.
Eram mais de nove horas da manhã quando Jubal olhou para o sol e viu que aquele era mais um dia de quentura. Ele teve novamente sede. Talvez fosse pelo mungunzá que ele comera com uma fome arisca se bem se quer saber então. Os caranguejos uçá que perambulavam ao redor de Jubal não faziam fé. Ele chutou um dos crustáceos para longe antes que o caranguejo pinicasse sua perna. Naquele tempo, na fazenda, como costumava chamar Jubal o seu capinzal, o caranguejo vivia a seu bel prazer. Entocava-se na loca, dormia ali, saia para comer algo que lhe apetecesse, acasalava-se com a fêmea e voltava a dormir em seu recanto preferido. O caranguejo uçá é um tipo exótico de crustáceo. Vive no mangue, se reproduz duas vezes por ano, na época quente entre março e novembro e se alimenta de coisas que o mangue lhe dava.
No momento em que foi a sua casa de taipa, Jubal se lembrou de sua ex-mulher, Nora, quando, certa vez, ele chegou a casa levando uma manta de carne seca para preparar o almoço do dia. Ele entregou a carne a Nora e foi ver o estado em que se encontrava um plantel de bananeiras que tinha plantado há algum tempo. Havia um cacho de bananas de vez e ele pretendia tirá-lo o mais breve possível. Jubal olhava outras bananeiras que estavam nascendo e, de repente, um grito de horror e medo chegou da cozinha onde estava Nora. Jubal ficou inquieto e de repente rumou para a cozinha a perguntar o que tinha havido para tanto grito. Apavorada, a mulher só tinha olhos para a carne seca. Com a mão na boca, braços encolhidos sobre o peito, ela apenas pode dizer com muito sacrifício.
--- Um monstro! Um monstro! Um bicho esquisito! – gritava a mulher sem mais poder falar.
--- Deixe-me ver que bicho é esse! – falou Jubal com um pouco de sorriso na face.
--- Está ali em baixo daquela tigela. – falou assombrada a mulher de Jubal.
E ele dizia simplesmente que bicho era esse. Procurando a tigela malsinada visualizou Jubal o enorme e famigerado bicho que ele havia comprado. Ele olhou para a sua mulher e perguntou no momento de gozação e terna contemplação:
--- É esse o “bicho”? Isso é um tapurú, santa minha. Não mata ninguém. Vem na carne. Tapurú. O que ele vai ter é a morte. – falou Jubal sempre alegre e feliz.
E matou, em seguida, o enorme e monstruoso bicho que inquietou enormemente a acanhada mulher. E tudo voltou ao normal.

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