quarta-feira, 14 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 14 -

- MEIAS DE SEDA -
- 14 -
O Bonde vinha devagar, pois logo à frente tinha uma curva por onde ele seguia destino para o centro. Ainda paro um pouco na reta para pegar novos passageiros. O Bonde estava quase vazio, pois dali em diante era que havia mais gente para fazer o seu percurso onde eram mais freqüentes os passageiros a tomar o veículo. Se fosse ao final do dia, ainda muito bem. Mas àquela hora da manhã eram poucos os passageiros. O Bonde vinha do seu terminal na Ribeira e para ter o seu percurso normal fazia três curvas até a reta. No entanto, era no trecho da segunda curva que o veículo teve que parar para dar acesso aos novos passageiros. Por alguns dias aquele percurso da curva esteve interrompido por causa de um incêndio devastador de um gigante prédio de armarinhos que fora inaugurado há pouco tempo. Mesmo assim, tudo já havia sido resolvido e o Bonde voltara a circular pelo percurso normal.
Jubal estava de posse do documento de compra e venda do sitio de Osias e tinha que reconhecer a firma que o homem assinara. Por isso, saíram os dois da Caixa em direção ao Cartório que ficava na rua seguinte. Ali fizeram o reconhecimento da firma e Jubal conseguiu duas testemunhas no Cartório mesmo que assinaram o documento. Em seguida, de posse do dinheiro restante, Osias saiu em direção ao ponto do Bonde onde havia de pegar o veículo de transporte. Quando ele ia chegando no ponto do Bonde esse deu partida atropelando o homem que ficou por baixo do imenso veículo de condução de massa. O motorneiro parou em cima da hora o seu transporte e houve tumulto. O povo se assombrou com a cena vista e acorreu para ajudar o homem que estava ensangüentado e desmaiado. Um cidadão se aproximou da vitima e examinou de modo rápido o que estivera ocorrendo com Osias. Por fim deu seu diagnóstico.
--- Ele perdeu o dedo do pé. Foi milagre. Não sei como foi que não arrancou a perna. – deu seu parecer o homem que parecia ser medico.
Osias foi levado por um carro de praça para o hospital e o caso foi encerrado. Depois de quase meia hora o veículo saiu para o seu roteiro que tinha a fazer. O motorneiro foi com Osias para o hospital e o Bonde esteve confiado a outro condutor que foi chamado da central de bondes. Quando chegou ao hospital Osias já havia recobrado os sentido e tudo o que fazia era gemer de dor. O seu pé ainda estava preso ao sapato e se esperou por um médico para tirá-lo. O dedo polegar do pé havia sido dilacerado por completo e ainda tinha ferimentos das pernas. O homem foi cuidado pelo quadro de enfermagem e ficou internado por alguns dias. Nesse meio tempo, logo depois do acidente, por volta das onze horas da manhã, Jubal tomou conhecimento do ocorrido. Ele foi para o hospital, mas só teve acesso após três horas da tarde quando Osias já estava em um apartamento coletivo com o pé enfaixado.
No dia seguinte, uma terça-feira, saiu no Jornal da Cidade, entre outras matérias a crônica de Pedro Nunes com o título apenas de: - “TORÉ” -. Somente quem o conhecia sabia do que se tratava. Mesmo assim, a crônica era mais do que o título. Pedro Nunes, editor-geral do Matutino soube explorar bem o assunto ao dizer quem era Toré não era apenas o nome. Era o homem que em vida soube fazer amigos, tecer amizades, colher os frutos do saber. Ao dizer tal forma, o autor falava ou escrevia muito mais sobre o homem que ele conhecera. Mecânico de fama, bem sucedido até, viveu os seus dias entre ferramentas que as conhecera. Se ele era mecânico, também era corriqueiro nos aspectos da vida que ele levava. Homem pobre, de convivência simples, Toré não sabia usufruir da vida aquilo que a natureza lhe proporcionava. Se casado fosse, talvez tivesse maior amparo de sua mulher e de seus filhos. Ao ser perguntado por que não casara ele apenas respondia: porque não chegou à hora. E assim Toré vivia como um homem qualquer.
Desta forma, Pedro Nunes desembainhou a crônica de tudo o que ele sabia e o que colhera da vida de Lindolfo, o seu exemplar amigo das horas vagas do dia e da noite. Ele falou das amizades fortuitas que o rapaz tivera em sua curta existência de pouco menos de trinta anos. Das mulheres banais que lhe faziam carinhos e das outras mulheres que nem carinho a ele fazia. Nunes foi mais longe ao falar dos becos e das calçadas que abrigava o homem, um bêbado durante a sua curta e vulgar existência. Foi imensa a crônica de Nunes a respeito do seu amigo Toré. Todos os que adquiriram o jornal tiveram que ler essa crônica cujo autor se mostrava fiel onde as lágrimas não podiam dizer tudo o que Nunes sentia. Na cidade, todos falaram da crônica de Nunes e quem não sabia ler comprava o jornal para tê-lo como lembrança do velho e imortal amigo de todas as horas e de todos os dias, mesmo estando embriagado. Uma mulher toda vestida de preto com um véu cobrindo o rosto, foi vista também adquirindo o Jornal da Cidade. Ninguém soube dizer quem era a tal mulher. Apenas que aparentava ser jovem, bela e mal conservada por dias e noites passados em vigília de alcova.
--- Onde estão as meias, menina! – gritou Suzana para a filha Salésia.
--- Que meias, mamãe? – perguntou a menina.
--- As meias de seda que você vestiu domingo passado! – falou braba a mulher.
--- Ah As meias eu coloquei no saco. – respondeu Salésia.
--- Que saco? Aqui não tem saco nenhum. Eu quero as meias de seda. Agora! – falou com altivez a mãe de Salésia.
A menina veio procurar as benditas meias. Escavacou tudo e passou horas e mais horas procurando as tais meias de seda e não conseguia encontrá-las. Era um procurar dos infernos aquele em que a menina estava metida. Ela foi num saco e no outro e nada de meia encontrar. Já desesperada e angustiada ela chegou a dizer que não tinha idéia de onde as meias foram parar, pois em canto algum pode se encontrar. A sua mãe, por castigo lhe disse:
--- Pois você está em penitencia por toda a semana se não me der as meias de seda. – falou a mãe de Salésia aborrecida.
A menina começou a chorar baixinho em um canto do quarto de dormir sentada no seu leito, pois não havia razão de ficar de castigo por causa de um par de meias. Ela sabia afinal que tinha posto o par em uma sacola que deveria ir para o Riacho do Baldo por dona Maria Rosa, mulher responsável pela lavagem de roupa da sua casa. Salésia não vira se dona Maria Rosa estivera em sua casa. Talvez a mulher tivesse vindo no dia anterior e levado suas meias de seda para o riacho do Baldo. Foi nisso que Salésia pensou. Mesmo assim, como chorava e estava acabrunhada por estar de castigo não tinha modos de dizer a sua mãe que ainda estava pela sala de jantar a descompor a menina por sua falta de atenção. O seu irmão maior, o Ênio, veio até o quarto zombar da menina porque estava de castigo. A menina ficou zangada com seu irmão e atirou um sapato contra ele. O tempo passou e Salesia ficou internada no quarto de dormir. Quando a noite chegou, dona Rosa entrou em casa de Salesia prestando conta as roupas ladas e engomadas. Entre todas estava o par de meias de seda da adolescente Salésia. Desatinada com o castigo que infringira a sua filha, Suzana veio mostrar as meias que estavam com dona Rosa e pedir perdão a sua filha por ter ficado o dia inteiro de castigo. A garota não ligou para a ação de sua mãe e pegou no sono como um anjo. E a mulher disse a dona Rosa, lamentando o fato:
--- Ela foi dormir. Está cheia de raiva. Coitada. – falou dona Suzana arrependida pelo que fez a filha.
---É isso mesmo, dona. Amanhã ela esquece. Demora, mais esquece. – respondeu a mulher.
E assim se passou aquele dia para Salésia. Levar um violento castigo por não poder ter encontrado o seu par de meias. Dona Rosa ainda veio olhar para a menina e disse à sua mãe.
--- Está dormindo como um anjo. – sorriu a mulher e saiu do quarto de Salésia.
Em seus sonhos, a menina teve um pesadelo de um gigante que procurava pegar a menina e essa correu para longe. Quanto mais corria mais o gigante se aproximava. Em um instante a garota se viu voando pelos telhados das casas sorrindo do gigante que àquela hora se tornara pequeno, pois não conseguia voar. Ela se viu na Igreja. Parecia tão diferente da catedral. Tinha apenas os santos a ficar conversando sobre negócios que ela não entendia. Alguém dizia assim, ao seu modo.
--- Está ali. É só olhar. Ele é o céu. Veja a luz. – dizia o mais velho dos santos.
A menina olhou bem para a luz e não compreendeu o que era. Salésia notara apenas uma bola flamejante e um beco escuro por onde milhões de meninos apareciam.

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