quinta-feira, 22 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 22 -

- MEIAS DE SEDA -
- 22 -
Inaldo, como se fosse um desprezado da sorte, chorava igual a um bebê, de forma lenta e quase morta. Não se ouvia pranto tão vulnerável e dolente como aquele que o homem deixava a escorrer pelos seus sentimentos perdidos. De cabeça abaixada, olho delido tinha em sua calvície de um rapaz tão jovem qualquer coisa que buscava a proteção de alguém amigo. Seus trajes limpos e não tão rotos jamais diziam que ele bebera a noite toda com se fosse um ébrio esquecido do voraz tempo. Em meio de todo aquele sofrimento, Inaldo se agachou para ficar de cócoras e com a mão a lhe encobrir a face, ele com augusta certeza chorava lágrimas de dor. Soluços e prantos doridos mais pareciam alguém a carpir solitária a sua dor imensa de um sofredor sem ter final. Aquelas lágrimas enterneceram o coração de Jubal que a seguir pediu-lhe que se levantasse, pois não havia de ser daquela forma que tudo se resolveria.
Atendendo ao amigo, com pouco de tempo a mais Inaldo se soergueu para se debruçar no ombro do seu velho amigo. E então voltou a chorar a desventura amarga que lhe fazia sofrer. Com uma paciência incomum Jubal veio a lhe perguntar o que com certeza estava a fazer sofrer. Sem outros meios de guardar o silencio, Inaldo tornou a falar de uma mulher que a ele abandonara.
--- Quem foi essa mulher? – perguntou com a calma de um profeta.
--- Foi ela. Somente ela. Você sabe quem é. Foi ela. – respondeu Inaldo a chorar de vez.
E Jubal demorou um pouco a meditar quem poderia ser a mulher que fizera de Inaldo o trapo de gente. Se fora Zilene, Jubal temia em perguntar. A amizade entre os dois era por demais antigas. Mesmo assim, Jubal aventurou perguntar pelo nome:
--- Zilene? – perguntou Jubal temendo qualquer reação da parte de Inaldo.
--- Ela mesma, irmão. Foi ela. Eu estava vivendo com essa mulher há cerca de dois meses e era tudo muito bem, parecia. No começo fui morar em casa dela. Depois aluguei um quartinho num baixio que tem perto do hospital. Era um quarto simples. Cama, camiseiro, mesa, três cadeiras. Tudo muito simples. Eu trabalhava na Prefeitura como ainda trabalho. Tinha um expediente vago. Consegui uma colocação de meio dia em um jornal. Assim levava a vida. Eu sempre gostei de beber. Isso, à noite nos finais de semana. Quase sempre nos finais de semana. Nos domingos eu costumo ir a praia. Tomo meu banho e umas cervejas, quando posso. Se não, cachaça pura. Bem. Ontem eu fiz o mesmo roteiro. Quando voltei para o quarto, nem alma limpa. Eu pensei que Zilene tivesse ido a casa da sua mãe.Passou-se o tempo. Isso era normal, pois dona Doca faz vendagem para o café que ela tem no Mercado. Então, eu resolvi ir à casa dela. Ao chegar, dona Doca me disse que ela não tinha aparecido em casa. Eu pensei na casa de amigas. Sai ao leu e entrei no Lupanar de Alba, um que tem na Ribeira. Eu acho que você sabe quem é. – falou Inaldo.
E Jubal respondeu que não sabia quem era essa tal de Alba. Então Inaldo continuou, olhando a fisionomia de Jubal que estava atento ao assunto, agarrando-se a cancela do sitio a todo tempo.
--- Bem. Você não conhece. Tudo bem. Eu entrei no local e diga quem vi? Zilene nos braços de outro rapaz. Um rapaz bem moço até. Eu cheguei até Zilene e indaguei por meio de segurança.
--- Vejo que estás ocupada. Tem outra mulher no recinto? – perguntei a Zilene. Ela se assombrou com o que viu. Eu indagando a ela. Zilene deixou o rapaz e saiu correndo. Eu a peguei na rua e dei-lhes uns bofetes. Ela gritou, mas foi só isso. Eu saí, bebendo nos botecos do beco e agora estou aqui para você me dizer o que fazer.
Jubal nem ficou surpreso com a vida de Zilene. Apenas disse o rapaz.
--- Deixe-a. Parta para outra. Ela não serve para ninguém. Deixe-a. – disse Jubal com tranqüilidade.
Inaldo olhou para Jubal, tremendo as pernas e se fez de forte dizendo.
--- Tem razão amigo. Ela não me deixou. Eu a deixei. Agora vou procurar alguém que não seja meretriz. – respondeu Inaldo amenizado com o conselho de Jubal.
Ainda assim, Inaldo tremia todo por efeito da bebida e por causa da mulher. Jubal destrancou o cadeado da porteira e entrou levando seu amigo que tentava se aprumar a todo custo. Jubal conversava com ele pedindo que tivesse calma. Nenhuma meretriz valia tanto como se pensava, era o que afirmava Jubal ao amigo. Inaldo ouviu tudo o que o homem dizia e nada respondeu. Chegou ele ao alpendre, entrou mo casebre de taipa, bebeu um pouco de água, voltou para o alpendre, olhou o capinzal, os dois cavalos, as mangueiras e também o banco tosco. Ele foi para o banco e se deitou. Por lá pegou no sono até o entardecer. Nesse dia não teve repartição e nem jornal. Quando Inaldo voltou a realidade perguntou a Jubal.
--- O que faço agora? – perguntou Inaldo a Jubal.
--- Nada. Tens roupas? –perguntou Jubal a Inaldo.
--- Estão tudo no quarto. – respondeu Inaldo maltratado pela vida.
--- Pegue a roupa e venha dormir aqui ou na sua casa. A casa de mãe sempre tem um lugar para um filho errante. – falou Jubal de forma alegre e bem humorada.
--- É verdade. Vou para casa. Sempre há lugar para ficar. – articulou Inaldo com a cabeça ainda zonza.
--- Perdesse o dia, mas ganhasse a vida. Siga em frente. – falou Jubal.
E os dois companheiros seguiram em frente marchando para o centro da cidade. A certa altura, Inaldo pensou e disse algo que trancava a garganta.
--- Não vou beber mais. Nunca mais. Eu não bebo nunca mais. – disse Inaldo resoluto.
--- Isso camarada. Assim é que se fala! Você não bebe nunca mais. – respondeu o mestre ao sábio companheiro.
Ao chegar ao centro da cidade, Inaldo apanhou o Bonde que levava para o Alecrim e se despediu do velho amigo Jubal que continuou o seu caminhar.
No dia seguinte, Inaldo encontrou Jubal no café de Nazinha, logo cedo da manhã e ali os dois trocaram conversa bebendo café, comendo cuscuz, tapioca e mungunzá sem que Inaldo voltasse a vista para o Café de dona Doca. Aquele jornal não leria jamais. Então, ali começava um novo tempo. Após a conversa eis que apareceu no meio o jovem rapaz que todos chamavam “Lunático” ou “Louco”. O rapaz pediu café com tapioca e Inaldo voltou-se para ele a perguntar:
--- Deus existe? – indagou Inaldo ao rapaz.
--- Existe sim. Eu o vejo sempre. – respondeu o Lunático.
--- Como você vê Deus? – perguntou novamente Inaldo.
--- Peça um ovo cru, por favor. Peça. Eu pago. – respondeu o Lunático.
--- Um ovo cru, dona Nazinha. – se dirigiu Inaldo a mulher do café.
A mulher do café trouxe um ovo cru, inteiro, com casa e tudo e deu a Inaldo dizendo.
--- Vai pagar, viu? – falou Nazinha para Inaldo.
--- Deixe comigo. – respondeu Lunático e pediu um pires.
A mulher trouxe um pires e depositou na mesa.
--- Pronto o pires. – respondeu a mulher com a cara azeda.
--- Obrigado. – respondeu o Lunático.
--- Que vai fazer com o pires? – perguntou Inaldo ao Lunático.
--- Espere. Não se apresse. Vamos ver Deus. – respondeu o Lunático sorrindo.
--- É melhor pagar logo o ovo se não vai melar tudo. – responde Dona Nazinha o seu vai e vem pelo café do Mercado.
--- Espere! Eu pago! Veja o dinheiro, - e o Lunático puxou uma nota e pagou o ovo.

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