domingo, 4 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 4 -

- MEIAS DE SEDA -
- 4 -
O trem de carga que havia passado horas antes voltava para a Tração, pátio onde os trens faziam a troca de lugar para ficar na frente dos vagões. Isso era freqüente, pois todo trem vinha com a máquina na frente e tinha que ir a Tração para mudar sua posição. A Tração ficava no bairro – se era que se chamava bairro – da Tração. Casas tinham poucas à redondeza. Algumas do alto do bairro e nenhuma no baixo. Ali só havia as maquinas dos trens. Vozes de mulheres gritavam para os feirantes a toda hora:
--- É muito caro. – diziam as vozes.
--- Põe mais um pedaço. – diziam outras vozes
Era o ritmo da feira do Paço todos os dias logo cedo da manhã, aumentando, contudo, aos sábados e domingos quando muita gente recebia o pagamento semanal. Os bêbados, esses não tinha dia nem hora para parar. Era da manhã a manhã do dia seguinte. Pássaros em bando passavam sobre a fazenda de Jubal, crianças brincavam de casos bem normais, sorrindo e cantando. As carroças encostavam para colher capim ao preço módico. A vida continuava como sempre na fazenda. A moça ainda estava com o vestido levantado mostrando suas vestes intimas. Nesse ponto, Jubal se lembrou de um caso acontecido com José da Tipografia. O homem se meteu numa enrascada como a que estava para acontecer com Jubal. E teve que pagar pensão para o resto da vida. E se não pagou mais nenhum tostão foi porque se desempregou da firma onde trabalhava. José passou a trabalhar avulso para não ter que provar o quanto recebia por semana ou por mês. O caso durou anos.
Nesse ponto, Jubal tomou a decisão de mandar a moça se recompor, pois estava chegando freguês para comprar molhes de capim. A moça Zilene fez cara feia e ainda disse que Jubal não perdia por esperar. O homem não ligou para tais advertências. Zilene saiu do capinzal abanando o vestido como se tudo que acontecera fora um total desrespeito para com ela. E nem ligou para o que havia dito antes:
--- Vem pra cá, amor. Prove um pouquinho dessa fruta. Vem que te quero muito. Só você me serve. Você é homem. E é do meu jeito. Vem aqui, por favor. – disse Zilene de forma provocante e sedutora.
Nem mesmo isso ela se lembrou que havia dito. Ou se lembrou não deu a menor importância. O homem ficou só a espera do carroceiro que vinha chegando para comprar o capim. Vinha pela manhã tão cedo talvez porque não tivesse mais tempo na continuação do dia. Jubal atendeu ao rapaz que levou um molho de capim. Logo depois chegaram os soldados da Cavalaria para apanhar o seu quinhão que já estava separado desde à tarde do dia anterior. Esse capim só era pago com três meses de atraso. Era normal nesse caso. O Governo só liberava recursos com muito atraso. O mesmo ocorria igualmente com a Prefeitura da Cidade que demorava a pagar a ração para alimentar os burros e cavalos presos na rua. Quando Jubal recebia o pagamento, só estava ali o dinheiro de um mês ficando o restante para outra liberação.
Com o passar das horas, entrando e saindo gente comprador de ração animal, Jubal ficou em sua tarefa de colher mais outra parte da grama e plantar um tanto que já estava precisando de mudança. Um cavalo se acercou do homem como a acordar do seu trabalho uma vez que Jubal estava atento ao que colhia. O animal fez cócegas nas costas do seu amo chamando a sua atenção. Jubal se virou e disse apenas:
--- Sai pra lá bicho bruto. – falou o homem enraivecido.
Foi nesse tempo que dois soldados apareceram no sitio de Jubal e o chamaram para uma conversa. O homem já pensava em pagamento do que estava em atraso.E de imediato se arrumou e atendeu aos soldados.
--- Pois não! – falou Jubal todo suado.
--- O Delegado que falar com o senhor! – disse um soldado sem graça.
--- Lá no Batalhão? –perguntou Jubal limpando a testa de suor.
--- Não senhor. No distrito. É ordem para o senhor nos acompanhar. – disse o soldado.
--- Ora diabos. O que o delegado quer? – perguntou Jubal preocupado.
--- Vamos com a gente. É caso urgente. – respondeu um soldado.
--- Tá bom. Deixe-me mudar de roupa. Vocês podem esperar?. É só um minuto. – relutou Jubal preocupado com o que se passaria.
Em um minuto Jubal começou a subir de novo a ladeira de Pedra em companhia dos dois enigmáticos soldados. Ele nem se aventurava a perguntar o que o delegado queria, pois certamente não terá resposta alguma uma vez que os militares tinham cara de brutos daqueles que comem e não gostam da refeição. Com poucos minutos Jubal já estava na frente do delegado. Ouviu-o falar:
--- Sente-se! – falou o delegado.
--- Pois não. Em que lhe posso servir? – perguntou Jubal totalmente suado.
--- Um momento. (o delegado demorou um pouco fazendo suas anotações de praxe). Bem. Agora vamos nós. O senhor conhece uma jovem mulher de nome Zilene? – perguntou o delegado sem fazer qualquer sinal.
--- Sim. Conheço. É filha de dona Doca. O que aconteceu com ela? – inquiriu Jubal preocupado já com a moça.
--- Sabe a idade que ela tem? – perguntou de novo o delegado.
--- Vinte ou mais anos. Por que Delegado? – perguntou Jubal com certo temor.
--- Pode ter menos? – contrapôs o delegado.
--- Não sei. Nunca procurei saber da idade dela. – argumentou Jubal.
--- O senhor esteve com ela, hoje? – perguntou o delegado.
--- Estive. Todos os dias eu estou no Café de dona Doca. – respondeu Jubal.
--- Mas, depois desse horário. Há pouco tempo? – indagou o delegado.
--- Estive. Ela foi até meu sitio por pouco tempo. – respondeu Jubal temendo o que podia ter acontecido.
--- Há denuncia contra o senhor. Sedução. O senhor fez algo com a moça? – perguntou o delegado.
--- Ah já sei. Ela foi ao meu capinzal se oferecendo. Eu não dei a menor importância. Sou viúvo, tenho três filhos e uma mãe velha, nunca tive mulher depois que Nora morreu. E nem quero saber de outra. – falou de uma só vez o homem.
--- Calma! Calma! Eu disse que havia uma denuncia. Só isso. Um momento. Espere um pouco. (O delegado chamou um soldado) – Traga a moça. – disse o delegado.
O soldado saiu do recinto e o delegado fica olhando para a cara de Jubal por baixo dos olhos para sentir a reação do homem. Em instantes o soldado voltou trazendo a moça. Deixou-a no gabinete e saiu. A moça foi logo se sentado olhando a cara de Jubal e do delegado. Demorou-se um instante para o delegado perguntar a Zilene;
--- Seu nome, por favor? – pediu o delegado enquanto o escrivão batia a maquina.
--- Foi esse, delegado! – respondeu Zilene esfogueada.
--- Perguntei o nome. – respondeu o delegado.
--- Zilene. Desculpe. – acabrunho-se a moça.
--- Idade? - - voltou, a saber, o delegado.
--- Dezesseis. Vou fazer dezessete anos. – respondeu Zilene enquanto o Jubal deu um sorriso silencioso.
--- Tem dezesseis anos? Pode provar? – perguntou o delegado.
--- Tenho sim. Os papeis estão com minha mãe. É só ver. – respondeu Zilene.
--- Soldado. Traga a mãe da moça! – falou o delegado.
O soldado que estava na porta como um guarda apressou-se em ir buscar a mãe de Zilene que estava em uma sala ao lado. Foi e veio com a respectiva mulher totalmente despenteada na cabeça. Quando Dona Doca foi entrando viu de cara Jubal e logo gritou para o delegado.
--- Prenda esse homem doutor. Foi ele quem fez a coisa. – gritou desregrada dona Doca exasperada.
--- Calma. Calma. Sua identidade. – pediu o delegado.
--- Não tenho essa coisa. – respondeu dona Doca.
--- Não tem identidade? E como prova que é a senhora? – perguntou o delegado.
--- Não sei nem que é isso. Provar eu tenho muita gente que me conhece. – responde meio amarga a mulher.
--- Bem. Nome! – pediu o delegado.
--- Doca. Todos me chamam assim. Até o Papa. – respondeu ela malcriada.
--- Idade? – perguntou o delegado.
--- E eu tenho que dizer? É falta de respeito para com uma senhora. – respondeu Doca.
--- Muito bem. Essa é sua filha? – perguntou o delegado.
--- Só a tenho há vinte anos. – respondeu Doca se remexendo toda na cadeira para coçar as costas.
--- Idade da moça? – perguntou o delegado de cabeça baixa.
--- Vinte. Já disse. O senhor não ouviu? – respondeu Doca.
--- Tem como provar isso ou não sabe que precisa ter a Certidão de Nascimento? – perguntou o delegado cabisbaixo.
--- É. Não tenho não. Nunca me importei com isso. Mas ela tem vinte anos mais ou menos. –respondeu Doca com cara azeda que parecia goma de fazer tapioca.
O delegado demorou-se um pouco para dizer a sua decisão.

Nenhum comentário: