domingo, 18 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 18 -

- MEIAS DE SEDA -
- 18 -
No dia seguinte ao enterro do Coronel Veríssimo o assunto ainda era discutido da roda de intelectuais, amigos, conhecidos e nobres. Cada um que tivesse uma idéia sobre como fora o caso ocorrido. No Grande Hotel, no salão de bebidas onde estava gente da alta sociedade, era a maior contenda a esse respeito. Entre uísque e palavras cada qual que distinguisse o que tinha a dizer. A morte súbita do Coronel não era bem aceita pelos intelectuais, pois no dia em que se deu o óbito, Veríssimo era um homem salutar e bem humorado para com os convivas. Porém a morte tinha dessas surpresas. Hoje se está vivo e hoje mesmo, morto. Mesmo assim, os intelectuais mais acirrados tinham um leve incomodo: quem teria encontrado o Coronel Veríssimo a beira da morte e em qual lugar? Essa era a questão que todos os participantes da roda de conversa no salão de bebidas tinham a comentar.
--- Ouvi dizer que o Coronel foi socorrido por uma tal de Virginia! – relatou Cristovam.
--- Que Virginia é essa? – perguntou Tobias, do Instituto Histórico.
--- A que eu sei quem é ela vive de um bordel. – relatou Nestor.
--- Ah é Virginia que tem o Solar. Eu sei quem é. – afirmou Otávio, sorrindo.
--- E você sorrir com a desgraça dos outros? – perguntou Tobias nervoso até.
--- Que é que tem? Ele está morto e Inês é morta. – voltou a falar Otávio.
--- Mas isso não é coisa que se diga! Vou fazer um pronunciamento no Instituto. – afirmou Tobias.
--- E ele era do Instituto? – perguntou Cristovam surpreso.
--- Era. Mas fazia tempo que ele não comparecia às sessões do mês. – falou Tobias angustiado.
--- Também aquele Instituto só tem conversa e quando alguém morre – sorriu Otávio.
A conversa caminhou por tempos afins com cada um dizendo seus pontos de vista sobre a vida do Coronel Veríssimo. Quando alguém relatou que Virgínia foi até a delegacia policial, todos pararam de sorrir ou de falar. O “lunático” entrou no salão das bebidas e declarou que a mulher disse ao delegado que encontrou o homem caído na rua. Foi isso o que a mulher declarou.
--- Caído na rua? E o carro dele? Quem achou o carro? - perguntou Cristovam.
--- Ela disse que pôs o carro para dentro do muro. – relatou o Lunático.
--- Êta mentira lascada! – confirmou Nestor.
--- É verdade! Pergunte ao delegado para ver se eu estou mentindo. – retrucou o Lunático com olhos regalados.
--- Não deixa de ser verdade. Afinal, ele agora está morto. Morto e enterrado, para bem dizer. – afirmou Otavio entristecido.
No dia seguinte Jubal foi até o seu novo sitio para ver como andavam as coisas. Como era costume ele entrou no cercado pela cancela passando em frente à casa de José Bento, guardador do cercado e com quem o homem prestava as contas da semana. Do seu sítio, Jubal podia ver o que se passava no sítio vizinho e, por isso não levava tanta importância no que havia de ter. Aquele era um cercado amplo, bem maior do que o seu, com mangueiras, coqueiros entre outras fruteiras que o guardador vendia e dava a quem chegasse a pedir. Ao passar pela frente da casa de taipa de Zeca, ele viu a mulher do rapaz, chamada Creusa, como todo o mundo a conhecia. Ele viu a mulher na sala e cumprimentou tirando-lhe o chapéu para por na cabeça em seguida. A mulher sorriu em troca e deu adeus com a mão direita. Jubal não ligou. Pensou ser mesmo o costume de ser da dona do casebre. Ele apenas perguntou:
--- Onde está o Zeca? – perguntou Jubal franzindo a testa por efeito do sol quente.
--- No cercado! – respondeu Creusa a sorrir modestamente.
--- Ah sim. Já o vejo. Está acolá perto do rio. - replicou Jubal e se adiantado para o rio.
Ele caminhou até onde estava Zeca agachado, tirando feno como quem tira mato de um canto para outro. Zeca nem viu quando Jubal chegou por suas costas. Mesmo assim respondeu o bom dia recebido. E disse apenas:
--- Tem caranguejo que só. – falou Zeca molhado de suor.
--- Agora parece ser tem pode procriação dos caranguejos. – explicou Jubal sem se importar com os crustáceos.
--- Já estou todo mordido pelos pestes. – reclamou Zeca que continuava abaixado tirando o feno para um lado.
--- O rio está enchendo. – falou Jubal com a vista a olhar o rio.
O rio quando enchia alagava todo aquele manguezal. E ainda se notava os navios de carga a espera de porto no Cais quase longe do capinzal. Jubal notou os navios do Lloyd a espera de porto. Ainda notou três yoles remando o rio com seus patrões e remadores. Ele enxergou os botes de carga chegando ao porto da Feira do Paço para despejar seus carregamentos e passageiros de municípios vizinhos. Notou também os botes que vinha de uma praia do outro lado do mangue onde moradores da cidade costumavam passar dias no fim de ano. Jubal ate mesmo enxergou a vila existente de onde os barcos estavam saindo. Ele olhou ao redor e viu a ponde de ferro que fora construída em 1916 permitindo a passagem de trens de um lado para o outro do rio pondo fim a Estação da Coroa onde durante muito tempo os trens faziam o seu marco de paragem para aqueles que vinham do interior do Estado. E na seqüência ele disse;
--- Aqui tá muito diferente do que foi! –rompeu o silencio Jubal ao notar todo aquele paraíso acabado.
O rapaz Zeca se ergueu quase quebrando o espinhaço e olhou para trás onde estava Jubal navegando em suas deduções de um tempo remoto. Para Jubal o tempo que passou deixou imensas saudades. E não podia imaginar o que estaria por chegar. Uma tristeza profunda lhe acometeu a alma ao pensar em Nora, sua mulher. Ela estaria feliz por tanto progresso que os homens do tempo puseram nos anos passados do após guerra. Ele não se engajou para a guerra. Mas sentia saudades do seu velho tempo. Saudades também dos soldados que embarcaram no Cais do Porto com suas noivas acenando para que um dia eles voltassem mais destemidos e algoz. Eram lembranças de um sonho que o tempo não apagou de sua memória. Certa vez ele viu uma revista cheia de cadáveres de mortos durante a guerra e o líder alemão sentado sobre elas. Aquele foi um tempo terrível. Mortes e mais mortes. Soldados matando e morrendo. Tudo era morte.
--- É danado mesmo! – falou Jubal sem querer.
--- O que, senhor? – perguntou Zeca ao seu novo patrão.
--- Nada não! – respondeu Jubal ao pensar com o olhar perdido no horizonte.
--- É danado mesmo. Esses caranguejos são uma peste. Só se matando tudo de uma vez para comer. Eu não como caranguejo! – respondeu Zeca se agachando de novo.
Jubal fez um sorriso breve, pois o homem não entendia o que ele acabara de pensar. Aquele homem devia ter vindo da Feira do Paço ou de mais distante. Com certeza era um pegador de balaio. Jubal não tinha duvidas. E por isso perguntou a Zeca.
--- Antes de trabalhar aqui o que tu fazia? – perguntou Jubal sem que nem mais.
--- Eu? Pegava balaio. Seu Osias me chamou para vir para cá e eu vim. – disse o homem agachado se torcendo na cintura para ver seu Jubal.
E Jubal sorriu. Era o que ele pensava. Pegar balaio. E ele capinar. Tudo dava certo. Um capinava e o outro levava. Mais burro mais capim. Era a lida dos dois por todo o seu tempo de vida. Capim e burro. E Jubal se acometeu de riso quase sem parar. Sorria a beça. Que vida louca para os dois homens. Eles eram o mesmo. Não havia diferença entre os dois. Colher e vender. E sorria cada vez mais até que Zeca se espantou com tanto sorriso de Jubal. Então perguntou:
--- Está sorrindo de mim? – indagou Zeca com a cara feia.

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