quinta-feira, 8 de julho de 2010

MEIAS DE SEDA - 8 -

- MEIAS DE SEDA -
- 8 -
Eram sete horas da manhã de um sábado. Havia gente muita na Feira do Paço e barcos chegando carregados até as tampas com cereais de todas as qualidades, verduras, frutas, legumes enquanto o povo se aglutinava na base do porto a espera de maior variedade de caso para poder se decidir o que comprar. Um trole conduzido por dois condutores que acionavam a alavanca de ferro para cima e para baixo e levando um mecânico passou rápido pelos trilhos de tração com destino da Estação da Estrada de Ferro a parada da Tração onde se podiam ver a maquina que estava parada a espera de uma definição para a saída do trem ou mesmo de um comboio. Com a passagem do trole o pessoal que estava à margem dos trilhos saiu de perto para depois voltar e deveras discutir o preço daquilo que precisava comprar. Tinham potes de barro, jarras, alguidar, bacias e tudo mais que uma família desejava comprar. A barafunda era tremenda com os alvoroços dos compradores e vendedores aonde ninguém chegava a qualquer decisão.
--- Compre uma e leve essa outra. – dizia um vendedor de quartinhas.
--- Eu não. Eu quero essa maior. – falava a compradora com um rosto amargo.
--- Pronto. Essa maior. É o mesmo preço. – respondia o vendedor.
Chegavam-se então a um consenso para a venda e a compra de uma quartinha ou o saco de milho, de batatas, feijão e qualquer demais caso. Entre aquela multidão de todo final se encontrava alheio a todo o movimento entre bêbados e sóbrios o cidadão Jubal vendo de perto o que havia para comprar ou poder comprar. Algo de impressionante ele observou no meio de tanta ocorrência: uns cavalinhos de barro. Na verdade isso era bem comum nas outras feiras da sua cidade. Ele não sabia por que foi querer um cavalinho da feira do Paço, algo tão comum de se encontrar. Certa vez, ele se lembrou de uma teima, quando menino, que teve com sua mãe, sinhá Chiquita, por um cavalo de barro. Ele era pequeno, talvez com seu seis ou sete anos de idade. Naquela ocasião, ele queria porque queria o cavalo de barro. Sua mãe lhe deu uns muxicões para o menino se aquietar de vez. Qual nada. Foi berro feio. O menino pegou a chorar em um pranto lânguido de uma criança ao desespero. O resultado foi que Jubal nunca se esquecera dos muxicões levados e do cavalo de barro não comprado até mesmo àquele dia quando voltou a ter nas mãos o seu corcel de enfeite. Talvez por isso, durante toda a sua vida Jubal teve a preocupação em possuir cavalos.
Ele se lembrou do seu filho Otávio e comprou o cavalinho de barro para lhe ofertar fazendo com que o menino se sentisse um herói do sertão como o pai tentou ser. Uma lágrima desceu de seus olhos mesmo Jubal tendo um sorriso no rosto. Enfim, o homem nunca perguntou a sua mãe o porquê de não ter lhe dado o seu corcel tão sonhado mesmo ele então já adulto. Tais casos eram comuns de acontecer com crianças pobres quando choravam por um brinquedo simples e que seus meigos pais não podiam ou não queria comprar. Aquele cavalo de criança, certamente se quebraria na primeira virada da esquina. Ou então não se quebraria nunca.
De posse do cavalo de barro Jubal ajuntou outras compras na Feira do Paço. Ele olhou o rio e viu cinco barcos. Dois ancorados e três por ancorar, esperando vaga por o porto do Paço era pequeno e ali caberiam dois barcos apenas de cada vez. Novamente ele viu o trole que já voltava então com apenas dois condutores com a mesma disposição de acionar o mecanismo que dava agilidade ao carro. Jubal olhou para o trole e seus condutores e lembrou-se do pai da menina Salésia. Apenas lembrou e nada mais. Com certeza ele estaria tracionando algum trem pelos lados do sertão. Ou talvez tivesse na Tração ou mesmo em casa tirando sua folga. Jubal não perguntou à menina o que o seu pai fazia no trem. Por isso ficava na santa ignorância do saber. Qualquer dia desse ele talvez perguntasse. Talvez, era o que Jubal pensava. A doçura e encanto meigo que a garota despejava eram de modo assustador que o homem não saberia explicar. A lembrança de Salésia, para Jubal não deveria assustá-lo de modo algum. Quem sabe, ela um dia teria o prazer de conhecer a filha Olinda de Jubal.
No sitio, naquela manhã de sábado, ele despachava os carroceiros. Se não eram todos pelo menos alguns. Jubal estava entretido com o fazer plantio de capim que nada mais o importava. Apenas vendia a ração aos carroceiros e voltava ao seu costume diário. O calor era intenso para quem estava no trabalho ao sol. Tudo o que se passava na Rua Ocidental de Baixo ele nem prestava atenção, pois se tratava de coisa fortuita para o seu modo de vida. Foi nesse tempo, por volta das nove horas, que ele foi surpreendido com um gritinho afável. Ele nem precisou se virar para reconhecer a voz de Salésia. Ela estava ali com uma outra companhia: a sua mãe. Ele se voltou para a menina e cumprimentou a mulher apesar de estar todo sujo e com cheiro amargo do feno. Mesmo assim não se fez de rogado. E disse quase em seguida ao chamado:
--- Você aqui? Que prazer! Bom dia senhora. Eu sou Jubal. Como tem passado? – falou o homem de uma só vez.
--- Eu vim à feira com essa menina e ela tanto me caningou que eu findei vindo até aqui. – falou a mulher com mais atenção.
--- Hora! Não faz mal. A senhora chegou à boa hora. – respondeu Jubal desatento no dizer “boa hora”.
--- Por que “boa hora? – estranhou a mulher.
--- Eu quis dizer. ...Não foi isso. Bem. Quer dizer. Foi e não foi. Estou todo confuso. – contestou o homem sem saber o que dizer.
--- Não tem importância. Eu vim porque Salésia queria me mostrar seu sitio. – respondeu a mulher achando graça.
--- Ah sim. Meu sitio. Você Salésia, como vai você. – perguntou Jubal se dirigindo a menina.
--- Vou bem. Você vai bem? Onde está Otário? Olha mãe, o cavalo dele é Otário – sorriu a criança.
--- Otário? Que modos menina! – repreendeu a mulher.
--- O nome dela é Suzana. – explicou Salésia a Jubal, sorrindo.
--- Ah bom. Prazer dona Suzana. Eu sou Jubal. Vamos sentar no alpendre. Desculpe a desorganização. Afinal só trabalho. Ah sim. Otário. Ele está no seleiro. – explicou o homem.
--- É Otário mesmo? – perguntou a mulher espantada.
--- É. Otário. O nome do animal. – disse o homem sorrindo.
Nesse instante, o corcel relinchou como se alguém tivesse lhe chamado. O caso é que os dois cavalos estavam soltos no campo, comendo capim como fazia todos os dias. Quando Jubal estava no campo sempre deixava soltos os animais. Eram animais dóceis e não corria nenhum perigo para qualquer estranho. Tais eqüídeos eram animais sempre dóceis como os dois que estavam pastando no capinzal. Desse modo, Jubal não temia que eles fizessem qualquer mal a alguém.
As visitantes já estavam abancadas em um assento feito por Jubal que aproveitou a oportunidade para tirar uma cana e descascar para poder dar a menina e, certamente, a sua mãe, Suzana. Com pouco tempo, Jubal já trazia os roletes de cana para dar a Salésia e a sua mãe. A mulher aceitou com muito esforço, pois não queria abusar da gentileza de Jubal.
--- Mas por que Otário? – indagou a mulher com uma dúvida.
--- É porque um dia eu estava dando banho nele e ele pisou no meu pé. Eu lhe chamei otário e o nome pegou. – caiu na gargalhada o homem.
--- Mas não faça isso. Tem tanto nome por aí. – sorriu também Suzana.
E a conversa demorou um bom tempo com o cavalo a ouvir o seu nome soltando relinchos como quem queria dizer: “Otário é a mãe dele!”. No final da visita após longas conversas, Jubal ajuntou umas mangas caídas na noite anterior e deu a Salésia.

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