domingo, 2 de agosto de 2009

RIBEIRA - 354

UM HOMEM SÓ

Eu podia ter encerrado o motivo da história de Hugo (da Cunha) na última matéria que eu fiz quando nós íamos para o Recife. Porém não fiz. E não fiz porque de Hugo tem um universo para contar, histórias que ele nunca contou ou apenas silenciou, fatos que ele nunca quis dizer ou para ele pouco importava. Casos que Hugo nem queria saber ou - no seu entender - não valia à pena. Por isso, ele era silêncio diante da vida ao se falar do seu mundo particular. Não raro, baixava a cabeça, olhava para o chão, remoía a memoria e, ao voltar a si, ao falar, apenas dizia: "Deixa pra lá". E sorria. Sorria o bastante para desviar-se da verdade daquele assunto. Eu, certa vez, fui até a casa de Hugo, no Tirol e fui recebido por sua mãe, uma mulher de cor alva, como Hugo era, altura mediana, talvez da mesma altura de Hugo, magra igual a Hugo, vestido comprido de cor branca. Então, eu perguntei por Hugo e, ela sem mais querer, chamou o seu filho. Notei na mulher um olhar um tanto esquisito ao me perguntar quem eu era. Então eu repondi. Daí ficou uma desfiança da mulher perante mim. Ela se virou e chamou o seu filho. Ainda nesse tempo eu nada entendia de olhares desconfiados. Apenas percebi, e só.
Hugo era um moço que havia estudado na Escola Técnica de Comércio de Natal, onde muitos outros alunos passaram por lá. Ele era, de modo surpreendente, aluno de muito querer, gostava de ouvir e de perguntar, mesmo que fosse uma resposta um tanto simples. Ele sempre respondia ao amigo que apenas queria saber e nada mais. Para Hugo, não havia uma resposta, porém várias até que o assunto, ao seu ver, chegasse a uma conclusão. E mesmo assim, ele ainda duvidava de que tudo fosse tão simples assim. No seu modo de falar, não raro me dizia que as coisas estavam muito esquisitas, complicadas. E ele não aceitava essa questão.
As piadas que se dizia a ele, eram apenas para satisfazê-lo sem, contudo, ele deixar o assunto esquecido. Não raro, Hugo parava em sí mesmo a perscrutar o que ele não sabia, mas queria entender de uma melhor forma possivel. Podia ser qualquer assunto, desde ciência, religião ou mesmo uma mera comparação entre dois temas. Era comum ele perguntar como se dava aquilo. Se a resposta fosse nula ou acadêmica, ele gargalhava, dizendo: "Esse homem...". Tudo na vida, para o rapaz, tinha o seu motivo.
Uma coisa interessante era que Hugo vivia sempre em função dos estudos. Para isso, comprava livros, quando podia, que tocassem num tema que até aquele ponto ele desconhecia. E no fim, ele arrematava: "Ave Maria. Esses homens são uns loucos". Com isso ele não queria dizer seu comportamento. Apenas, dizia e ficava a meditar, taciturno, com a cabeça abaixada para depois voltar a sorrir. Dizia sempre isso: "Sabe! Eu não concordo!", mesmo se fosse uma resposta de ciência ou de religião. Para Hugo, o assunto não tinha o seu verdadeiro fundamento, por isso ele não concordava.
Arlindo Freire, jornalista, chegou a me dizer, certa vez, que Hugo vivia sempre querendo saber mais, por sua dedicação e a sua febril convicção. Ele - Hugo - tinha um grande complexo de inferioridade por causa de sua aparência física um tanto disforme - boca grande, rosto redondo, cabeça chata, dentadura feia - com a qual parecia não gostar de sorrir. No entanto, Hugo soltava largas gargalhadas ao ponto de que, ele, ao se curvar, puxando o joelho e a perna para cima, encostava a sua testa em seu membro inferior, até mesmo a soltar um cuspe e encher os olhos de lágrimas ao fazer tal gesto deixando molhada toda a sua calça.
Por se considerar feio de mais, Hugo evitava até mesmo namorar. Com as moças da JOC - Juventude Operária Católica - ele mantinha apenas uma relação de amizade, de coleguismo, pois entendia que, por mais que ele quisesse, elas não o compreenderiam sobre o verdadeiro valor do ser humano. Hugo fez caminhadas à pé, durante as noites, depois de uma reunião da JOC para deixar em suas casas várias jocistas, viajando da Cidade Alta para o Alecrim e até mesmo Lagoa Seca, sem faltar com o respeito para com as suas colegas. Ele as comparava como colegas, irmãs, amigas, companheiras com toda sua dignidade, conforme as lições que recebia da JOC.
Ainda jovem, Hugo saiu da JOC, indo beberica a partir de 1958 ou coisa assim. Um dia, seguiu viagem para Salvador (BA) e por lá, já com uma companheira, não digo dos seus sonhos, ele veio a falecer em 1961, isolado dos seus amigos mais eternos, íntimos e fieis, fato que nos deixou amargurados bastante pois Hugo era para nós um verdadeiro amigo, capaz de oferecer-se a fazer qualquer coisa que nos o pedissimos. Acabara-se então, os sonhos, as tristezas, fracassos e vitórias para um rapaz que de um modo ou de outro trazia em si a marca de tais desventuras e aventuras. E sempre ele foi assim. Ou quase sempre. Os motivos mais íntimos, desconhecidos e inexplicáveis foram com Hogo para sempre. Eu guardo em mim, uma saudade eterna por sua inesquecivel ausencia.

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