quarta-feira, 26 de agosto de 2009

RIBEIRA - 384

- RACHEL -
- CONTO -
Eu conheci Rachel, aos 10 anos de idade, igual a minha idade, também. Ela era uma garota ingênua e simples, como a maioria das crianças daquele tempo que viviam em uma cidade suburbana, igual a que nós viviamos. Sempre que Rachel passava na rua, meu olhar era só para ela e nada mais. Só depois de muito tempo é que eu descobri que estava verdadeiramente apaixonado pela menina. Naquele tempo, eu nada sabia desse assunto. Eu a via e estava bem. Nos tempos de meninice eu via a natureza como uma flor que um dia vai abrir para os encantos do mundo, e nada mais. No meu pensar, Rachel era uma dessas flores que ainda serão abertas para a vida. Porém, eu já nem pensava assim. Eu tinha um doentio ciume por conta dos garotos da rua quando Rachel passava. Não sei o por que de tal ciúme. Toda a tarde, ou quase toda, eu estava em frente à sua casa. Nem precisava chamar por Rachel pois ela estava logo alí, na frente porém de dentro de sua casa. Desse momento em diante, nós conversávamos coisas de meninos. simples idéias por horas a fio. Ela mostrava os desenhos que havia feito e então achava graça como se tudo aquilo não representasse nada. Uma rosa, uma casa, uma boneca. Eventos desse estilo.
--- Tá bom, né? - perguntava Rachel.
--- Tá bom. sim! - eu respondia se saber de nada.
Para mim. um desenho deveria ser de um navio, um avião, um trem. Negócios grandes. Esses desenhos de flores não me apeteciam. Mesmo assim, eu concordava com Rachel no seu estilo de desenhar. Como que advinhasse o meu pensamento de não gostar dos desenhos, ela dobrava o caderno, olhando para mim como quem dissesse:
--- "Você não gostou!" - pensamento de Rachel.
Eu, então sorria, o que lhe forçava em dizer abertamente, sem nenhuma desculpa.
--- Chato! Vou guardar minhas preciosas dádivas! - ela então falava.
Eu calava. Nada dizia. Eu pensava que Rachel advinhava meus pensamentos. E tremi de medo.
Encostado na parede da casa, do lado de fora, com um pé recolhido ao meu joelho, quem me via logo pensava que estava fazendo um quatro com a minha posição. Mesmo assim, eu não ligava para tal. Do lado de dentro da sala, Rachel arrumava seus caderninhos, livros, lápis, borracha e tudo mais, e saía em direção à gaveta do birô para guardar os seus pertences. Ficava alí, olhando, cismada para mim e ,de repente se acercava da janela convidando-me para que eu entrasse na sala. Fazia muito sol, às 4 horas da tarde e minhas pernas estavam queimando. Eu não queria entrar na casa. Preferia a sombra de uma mangueira que existia em uma casa em frente da de Rachel, onde nós podiamos conversar bem mais animados. E convidei-a para irmos naquela pendente hora ficarmos à sombra do mangueiral.
--- Mãe reclama! Tem menino, lá! - dizia Rachel.
--- Eu meto o murro neles. - dizia eu como se fosse eles uma fera, cujo retrato trazia na revista que eu lera antes. Um homem esmurrando uma onça.
Ela sorriu cheia de encantos maviosos. Era, na verdade, uma boneca encantadora exposta em uma vitrine, aquela menina por quem eu nutria forte amizade. Talvez, amor.
Ao sair de casa, gritou para dentro da residência, sem esperar resposta:
--- Mãe! Tô aqui na frente! - falou Rachel.
--- Pra onde vai? - gritou uma mulher, com certeza a sua mãe, de dentro da habitação.
Rachel não respondeu pois já estava saíndo. Apenas um comentário breve se fez notar:
--- Chata! - disse a menina em voz baixa, trancando a porta.
E ficamos à sombra das mangueiras, assistindo a peleja entre os outros menos, que disputavam a primazia de quem vencia a competiçaão de bola de gude. jogando de uma cova à outra, para se acertar, deixando a bolinha cair dentro da caçapa. Se não caísse, aquele estava fora. Perdia o jogo. E eu e Rachel olhavamos calados. Ela era sorrisos vez por outra quando um garoto acertava no alvo. Ou seja, na caçapa, um buraco feito no chão, calcado com o próprio calcanhar dos meninos. A garotada estava alí, apostando as bilocas, todo santo dia, a menos se estivesse chovendo. Quando chovia, chão sem calçamento, mesmo de paralelepípedos, virava uma poça de lama. Todo o quarteirão da rua ficava quase que intransitavel. Não raro, as pessoas que se dirigiam de uma rua a outra, enveredava por um muro cheio de areia, em seu pé, para poder assim atravessar. Lá em baixo, no meio do cruzamento entre as duas ruas, alí ficava cheia de lama um bom tempo até que o inverno chegasse ao seu final.
Certa vez, Rachel saiu de casa para ir comprar uns objetos que a sua mãe pedia. Linhas, agulhas, botôes, alfinetes e coisa desse tipo. Eu a encontrei na metade do caminho, ela dizendo que estava saindo para o armarinho de Dona Dalva, uma mulher esquelética e atendia à freguesia que procurava desses artigos. Nós fomos, juntos. Ela levava um papel com os nomes dos artigos de era para comprar. No armarinho, Dona Dalva fez uma pergunta:
--- De que cor? - perguntou dona Dalva.
A menina não entendeu a indagação, e fez:
--- Hum? - fez a garota
--- A cor da linha? - voltou a indagar a mulher.
--- A cor da linha? Não sei! Voce sabe, Dinho? - perguntou Rachel a mim.
--- Eu, não. Você não me disse! - respondi eu.
--- Chato! - falou Rachel.
Dona Dalva olhou para mim e desviou o olhar para Rachel, dizendo-lhe.
--- Vou mandar essas três cores, e sua mãe escolhe. O resto você traga de volta. Ouviu? - falou a mulher um tanto antipática.
A menina concordou e saiu mais que depressa, quase correndo, para a sua casa. Em lá chegando, disse a sua mãe qual a cor da linha. A mulher respondeu:
--- Verde! - respondeu a mãe de Rachel.
--- Dessa aqui? - perguntou a menina.
--- Dessa mesma, - respondeu a mulher.
---Então, vou levar as outras.- argumentou Rachel enquanto a sua mãe foi dizendo.
--- Basta devolver a azul. Vou precisar dessa outra. Vá. Vá. - pontuou a sua mãe.
Esse namoro entre nós dois demorou um certo tempo até que um dia Rachel veio me dizer que a sua mãe teria que se mudar de casa. Na verdade, a garota não sabia para onde ela - a mãe - se mudaria. Perguntei para onde, e Rachel me disse:
--- Não sei. É lááá..pra bem longe! - respondeu a menina.
--- Isso é uma bosta. - disse eu.
A menina começou a sorrir. Sorria tanto que se engasgava. Eu ficava olhando para o chão, respondendo a mim mesmo; "É uma bosta. Que merda. Já agora? - perguntava sozinho com os meus botões. Quando tudo se acalmou, eu perguntei:
--- Quando você vai? - indagei a Rachel.
--- Essa semana. Amanhã. Depois. Não sei bem. - disse Rachel.
Eu senti vontade de chorar. As lágrimas acudiram-me o rosto e eu acanhado porque eu sentia que aquele amor se acabaria para sempre. Nao tinha mais as sombras das mangueiras, os jogos de gude, o armarinho nem ao menos os desenhos que Rachel fazia com esmero e com carinho. Eu sentia-me caindo em um poço profundo onde o fim não tinha fim. . O ermo era um precipiocio longo onde eu caia, caia, caia até que uma voz tênue me despertou:
--- Acorda! Tais dormindo? - falou Rachel
Naquele instante eu não tinha nada a dizer e agarrei-lhe pelos ombros e teci um longo ósculo que, por sinal, pegou-lhe a macia, quente e suave boca. Um beijo total de despedida. Quando Rachel foi embora, eu não saí de casa, trancado em meu quarto, chorando, chorando, chorando. Era o fim do meu primeiro e grande amor. Nunca mais tive noticias dela e nem sei para aonde foi. Mesmo depois de crescido, rodei a cidade e nunca a encontrei. Ficou-me o sabor daquele beijo. Do mesmo modo, ela sentiu o afeto que lhe açoitou o corpo de menina, quase moça megulhando no seu sonho de inesquecivel atração afetiva. Lembranças de um tempo sem fim.

Nenhum comentário: