sábado, 1 de agosto de 2009

RIBEIRA - 353

VIAGEM DE TREM
Eram por volta das 9h da noite quando bateu à porta o meu companheiro Hugo (da Cunha), gritando pelo meu nome. A minha mãe chega se assustou e perguntou quem era àquela hora. Eu mesmo disser ser Hugo, o meu companheiro de viagem, daquela madrugada. Hugo morava um pouco mais distante da estação do trem, que ficava no bairro da Ribeira, em Natal (Rn), por isso tinha acertado comigo de nós juntarmos os trapos e seguir para o local de embarque, os dois, juntos, porque, de madrugada, podia ter ladrão. Mas, isso não nos assustava.
"Entra, Hugo" - disse eu, indo buscar a sua mala - pesada como que - porém ele não se fez de rogado e entrou mesmo com a mala. A mala era, de fato, uma "maca", feita de lona, comprida e de certa forma, baixa. Estava cheia de roupas, materiais outros, sapatos, meias e mesmo chinelas, ele dizia: "Tem de tudo, aquí", e soltava uma extensa gargalhada dizendo, depois: "Esse homem...". E eu não o constrangia, sabendo que Hugo era mesmo daquele jeito. Na verdade, fazia pouco tempo que eu o conhecia. Isso foi em 1956, em agosto. Então, fazia oito meses que nós nos conheciamos. Ele trabalhava como frentista em um posto de gasolina e eu, em um armazem que ficava a uns 50 metros do posto onde Hugo trabalhava. Mesmo assim, e nem por isso, nós nos conheciamos muito bem, dado a influência do movimento ao qual nós dois participavamos. Eramos jovens, nesse tempo e tudo o que queriamos era festejar o encontro para onde nós teriamos que ir, no Recife (Pe). Eu, ele e uma ruma de rapazes e moças que tinhamos que chegar a estação no horario certo, pois de 5,30 o trem partia de Natal para um sem fim do mundo.
A minha mãe cuidava de terminar o serviço da minha mala ou maca, engomando à ferro quente, aquecido com carvão feito brasa, tudas as roupas que eu tinha de levar na viagem. Nesse tempo, ainda nesse tempo, a minha mãe não conhecia o Recife, uma terra que ela muito sonhou em conhecer, coisa que só veio a acontecer muitos anos depois. Era tanto que ela sempre dizia isso: "Recife! João sempre me prometeu levar lá. Nunca levou !". Eu tinha uma maca de madeira que comprara na feira do Alecrim, em um sábado, para fazer essa viagem. A minha maca era maior e mais pesada que a que Hugo trazia. A minha era toda feita de madeira. Pintada de amarelo, com os rabiscos de tinta preta, aquela era a minha maca. Já chegava as 10h da noite quando tudo estava pronto, arrumado, ajeitado, guardado na nova e esmerada maca.
--- "Pronto ! Está tudo aí ! " - disse a minha mãe, fechando a maca com uma chave.
--- " O Franol, mãe !!! " - lembrei eu, para saber se a mulher havia esquecido o tal "Franol", remédio indispensavel para mim, numa viagem longa àquela que eu faria.
--- "Tá tudo dentro da bolsa !" - respondeu a minha mãe.
Eu sofria de "puxado" - asma - e tinha que tomar um comprimido de Franol quando o "cansaço" me acometia. Quem nunca teve "cansaço" - asma - é bom nem pensar em tê-lo. Eu fui acometido de asma quando pequeno, ao tomar um banho em uma torneira com a água da rua, que vinha totalmente aquecida. À noite o "puxado" se mostrou. Quanto mais eu queria respirar, menos eu podia. O meu pai arranjava tudo o que se dizia ser bom. Para mim, no entanto, não adiantava. Até rabo de calango ele passou no meu peito. E, nada!.
Prontos com as macas, lá fomos nós, às 2h da madrugada, seguindo direto para a estação do trem. depois de tomarmos um café "forte" feito por minha mãe, com pão, manteiga e bolo feito em casa. O meu irmão dormia e nós, sem barulho, saímos de casa, eu tomando a benção de minha mãe e Hugo se despedindo sem não deixar de soltar uma ampla gargalhada ao lhe dizer - eu - "Cuidado !'" . Era o bastante a fazer Hugo sorrir. Nós, as macas e as ruas. Cada qual com seu destino por sobre a cabeça, custando a equilibrar. No meu caso, a minha mala era mais pesada e eu tinha que sustentá-la sobre a cabeça. Por vezes, já um tanto cansado, pegava a mala pela sua aldrava para ver se conseguia suportar aquele mundão de peso. E fomos assim, lutando contra o peso e contra o tempo que nós chegamos à estação. Alí, era tudo iluminado. Já havia uns viajantes da nossa turma. Nós chegamos faltando poucos minutos para as 3h. Daí, era esperar pelo trem que seguia viagem logo mais, às 5h30. Outros foram chegando, rapazes e moças, para fazer o embarque que ía durar até meia noite. Mais de 13h de viajar, comendo-se pelo caminho. Grude, tapióca, milho assado e tantas coisas que, nas estações os vendedores nos ofereciam. O dinheiro não era muito. Hugo fez logo a sua reserva. E eu, também. Nós passariamos seis dias no Recife. E tinha a volta. As peripécias da viagem de Natal ao Recife, foram muitas. Hugo perdeu a sua mala porque JBOliveira entendeu ser uma maca bem velha. Desarrumou tudo que havia dentro e sacudiu a mala de Hugo para fora do trem, num matagal por onde se passava na ocasião. Uns acharam graça, outros, não. A quantidade de jovens dava para encher um carro e meio. Era como se todo o Rn estivesse presente no encontro da JOC - Juventude Operária Católica - do Nordeste. Em Recife, alguém providenciou uma outra mala para Hugo poder guardar seus pertences de viagem.

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