terça-feira, 2 de março de 2010

LUZ DO SOL - 42

- ARLETE -
- CONTO -
Quando me mudei de casa e fui morar na Rua do Norte, nem imaginava o que eu encontraria naquela parte da cidade. Certo dia após a mudança, eu teria que sair para o trabalho quando avistei aquela jovem sensual e bela perambulando pela calçada em frente à minha casa quase completamente nua, pelo trajar de sua roupa. Eu olhei chega tomei de espanto de ver aquela mocinha esbelta e bem aprumada, passeando sem preocupação de coisa alguma, olhando em frente em volta de outras mulheres gordas, bem gordas até que passavam para cima e para baixo, e de homens que a olhavam ficando pasmo e de boca aberta pelo que admiravam. Rapazes também eram do mesmo jeito. Eu até fiquei a duvidar da minha visão, pois a moça seguia tranqüila e alheia ao que se via em sua indumentária pequenina, com o busto quase todo de fora, a cintura também, um pouco mais para baixo, um short pequenino que logo mostrava as pernas alvas como todo o seu corpo. Seus cabelos eram encrespados, ondulantes e caídos até mais para baixo de seus ombros, olhos negros, sobrancelhas agudas, nariz afilado, boca suave e olhar de quem estava pedindo um pouco de amor. Qual não foi o meu espanto de ver aquela que parecia menina de seus 17 anos ou menos até. Ela me lembrava outra garota que a conheci quanto eu tinha doze anos. Era ela uma garota – a garota do passado - estonteante e mágica em suas suaves formas que dava gosto de olhá-la com o máximo de prazer e afeição.
Em passos largos atravessei a Rua do Norte para chegar mais perto daquela divindade do eterno que não prestava atenção a qualquer pessoa que passasse por ela. Aquele ar de menina e jeito de mulher não me permitia duvidar que estivesse em um lugar tão distante onde as ninfas de alcovas dominavam os loucos e desvairados senhores do nada e os conduziam aos seus aposentos de afeição e carinho. Quando me fiz presente à menina-moça, fiz questão em lhe cumprimentar, para, pelo menos ouvir a voz sensual como brisa do mar que dominava o seu aspecto de divindade. A ninfa parecia não ouvir por um instante o meu falar lacrimoso. Então tornou a caminhar lento em meio de tanta gente feia que nem se podia pensar na existência de tais personagens. Por fim, falei ao seu ouvido a perguntar o nome da candura que parecia ser de uma virginal criatura.
--- Arlete! – respondeu-me com um sorriso mavioso.
--- Ah sim! Que belo nome! – disse-lhe eu com o jeito de que não me sentia satisfeito.
--- E o seu? – perguntou a cândida jovem.
Eu então lhe dei meu nome, ofuscado por tanta beleza naquela singela criatura. Então, nós dois já conversávamos com carinhosa ternura que o universo nos ofertava. Com o jeito singelo de não querer querendo fui mais adentro para poder chegar, a saber, onde a ninfa residia por conta de toda a sua meiguice e tão doce aspecto. Ela sorriu e disse:
--- Por aí. – disse-me Arlete com seu leve sorriso.
Logo vi que meu aguçado pensar não surtira o efeito desejado, pois ninguém teria morada em lugar incerto e não sabido que chegasse a dizer então que a sua residência era tão somente “por ai”. Em algum lugar ela haveria de morar. E o tempo se passou. Eu perguntei por sua família, irmãos, irmãs, quem sabe cunhados, tudo isso almejando acudir a jovem infante em me dizer onde pelo menos morava ou de onde viera.
--- Por aí. – disse Arlete a sorrir mais estonteante.
O povo que vinha, passava. O mundo passava. O tempo passava. Tudo era passagem, menos a moçinha que eu tanto queria conhecer melhor. E ela não chegara a dizer em que local da cidade então morava. Uma rua, um beco, uma favela ou, talvez, um castelo. Qualquer lugar que fosse. Eu não me conformava em ouvir a ninfa que apenas não tinha morada. Era em qualquer lugar, em qualquer ambiente, era onde ninguém pudesse ver e ouvir outras pessoas. Daí, mudei de conversa. Passei a falar de coisas amenas, onde eu não estivesse, porém bem que gostaria de estar. Na véspera do prazer lúbrico ela sacudia os seus trejeitos balançando de um lado para o outro como quem estava à deriva em um mar profundo com ternura e encanto. Nada me preocupava em meio a tanta gente de olhar aquela menina quase mulher por inteiro a caminhar sorridente e alucinada iguais aos pássaros perdidos do horizonte infinito.
Vozes profanas sacudiam-me como o ranger inescrupuloso e ferido dos dentes e me atormentavam demoniacamente como um cão raivoso. Já não temia eu em vibrante pulsação de brandir a cariciosa menina com as minhas mãos terríveis de um lutador embriagado de amor voraz. Embora fosse tão cruel de qualquer modo assim, eu me contive da ânsia impetuosa que me colhia. A manhã era brava com os seus raios de sol fazendo aquecer a cada instante o meu limite da consciência. Desenvolta e cheia de encantos estava ao meu lado à diva do interminável envolta em carícias e afeições. E eu também estava ao seu lado consciente do saber triunfal. Caminhávamos lentos pela Rua do Norte até alcançar uma outra virtual avenida com seu interminável transito de carros, gentes, cavalos e outros animais de tração. Na esquina da Rua do Norte, nós paramos como por encanto e a conversa que nós firmamos, acabara.
Foi então que Arlete me acudiu o sentido ao perguntar o que estava a pensar e por que não fazer. Senti-me pequeno diante de tal pergunta. Não importando, porém, eu fiz um terrível esforço para dizer-lhe o que estava a pensar. E disse:
--- Onde é mesmo que você mora? – perguntei-lhe inquieto.
--- Já te disse que moro por aí, por além, por qualquer paragem. – falou a jovem.
--- Mas deve existir um lugar! – disse-lhe eu.
--- Por que isso tanto te preocupa? – perguntou Arlete.
--- Pois qualquer um de nós não vive assim! – falei-lhe eu.
--- Pois bem. Eu moro ali em frente. Olhe lá. Estamos bem próximos de onde eu moro. – falou com convicção, a moça.
O ponto que ela marcou era o cemitério onde habitavam somente os defuntos. Gente que viveu por um tempo e que já não mais existia. Uma terrível sensação de medo e terror me açoitou naquela manhã. Temi que Arlete fosse um encanto mórbido que eu tinha acompanhado pela manhã. Agüentei para não descobrir a minha fragilidade de um homem sem teto e rumo. Eu não estava certo do que Arlete me apontava. Ela então, concluiu.
--- Ali. Vamos! – chamou-me Arlete.
Uma atração cruel arrebatou-me por completo ao ver desaparecer diante de mim, aquela aparição em tão forte hora do dia. Cai-me ao chão inconsciente como uma fera daninha alvejada pelo um dardo.
Quando acordei, já era bastante tarde, pois teria passado um longo tempo sem tonar os sentidos. Eu procurei notar onde estava e vi apenas um quarto todo branco, minha cama toda vestida de linho branco e uma enfermeira de branco a meu lado a sorrir devagar e carinhosamente, apenas a dizer:
--- Tome o remédio. O tempo está claro. Você dormiu demais. – disse a enfermeira.
Então tornei e fiquei a pensar se tudo aquilo não fora um sonho. Perguntei ainda a moça.
--- Como se chama? – eu enfim perguntei.
--- Arlete. – respondeu a moça. E desapareceu.

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