quinta-feira, 18 de março de 2010

LUZ DO SOL - 58

- PARA TODO O SEMPRE -

- CONTO -

Quando o relógio marcava ás sete horas da manhã, Adelaide já estava a caminho do trabalho, pois o seu transporte gastava cerca de uma hora para chegar ao seu destino. A brisa da manhã soprava leve como a pluma, deixando a jovem moça a sonhar acordada entre outros passageiros já suados e viajando em pé, de qualquer jeito. A moça pegara o ônibus em seu inicio de percurso, distante da cidade e tinha que caminhar por todo esse tempo entre alvoroços e choros de crianças que as suas mães costumavam levar logo cedo para, talvez, um consultório médico, pois daquele lado da cidade não havia hospitais, pronto-socorro ou mesmo médicos. Uma criança chorava ao desespero ao pé do ouvido de Adelaide que findou por perguntar a mãe do menor.
--- O que ele tem? – falou com suavidade a jovem Adelaide.
--- Dor de ouvido. – respondeu a mãe da criança de um ano.
--- Tadinho. O medico nunca olhou? – perguntou Adelaide.
--- Ele tem sempre isso. O medico receitou certa vez um remédio, mas eu perdi a receita. – disse a mulher quase chorando.
--- Pois vá hoje mesmo com o seu filho. – falou Adelaide.
--- É meu sobrinho. A mãe se largou no meio do mundo. Deixou a criança comigo. – respondeu a mulher.
--- Coitado. Ela deve ter arranjado um trabalho e não pode vir em casa. – respondeu Adelaide.
--- Eu sei qual foi o trabalho! Ela quer fazer o que não presta. – reclamou a tia do menino.
Acalentado a criança nos braços, fazendo sossego de todo modo, mesmo assim a criança não suportava tamanha dor de ouvido, chorando aos berros por todo o caminhar que fazia. Com o desespero do pequeno, Adelaide pediu, por favor, a criança para ela ter nos braços e de certo modo acalentar. A pobre tia deu a criança muito embora temesse que a moça levasse consigo aquele menino, como era costume fazer com muitas crianças que existiam na cidade.
No entanto, Adelaide fez o caso por compaixão. Ela já acalentara outros filhos de suas irmãs com tais sintomas de dor. Com certeza, o descuido da tia teria deixado a criança ao relento ou mesmo não tinha limpado os ouvidos daquele bebê após o banho, o mesmo qualquer outra coisa. Com poucos minutos, o menino parou de chorar e se pos a dormir no colo da doce e meiga Adelaide. Ela notou o quando a criança dormia em seu colo e logo chamou a atenção para a tia que a crianças estava cheia de gases, pois sentira o espocar em seu braço dos “tiros” que o bebê fazia a todo instante. E disse:
--- Ele está com gases. – falou Adelaide.
--- Toda vida tem isso. – reclamou a tia da criança.
--- É bom a senhora fazer um chá de cidreira quando for por para dormir. – falou a moça com ternura.
--- Eu já fiz. Uma vez. Ele até que melhorou. Mas tenho os meus e não sobra tempo para cuida dos filhos alheios. – reclamou a tia do bebê com o rosto retorcido.
--- Mas deve fazer. Não custa nada. É até bom para os seus filhos. – disse a moça com brandura e afeição.
--- É. Vou fazer. Mas agora tem o ouvido. Ele chora demais por causa dos ouvidos. A noite toda é assim. Aquela destramada da mãe nem quer saber do filho. – reclamou a mulher.
Com isso, Adelaide sorriu. E olhou para o bebê vendo se ele estava dormindo, com certeza. O ônibus corria célere como uma tempestade, abrindo caminho no meio do transito pesado feito no percurso já ao longe de onde Adelaide morava. Em meio ao tumulto de gente feito no interior o ônibus, Adelaide foi tomada de surpresa quando a mulher lhe perguntou:
--- A senhora me faz um favor? – perguntou a tia do bebê de modo baixo.
--- Pode dizer! – confirmou Adelaide.
--- Fique com esse pirralho. Eu já vi que ele se dá muito bem com a senhora. Fique. Faça essa bondade. Eu jê tenho demais. – falou a tia do bebê.
--- Eu não posso dona. Eu trabalho. O dia todo. A criança precisa de um médico. Não sou eu quem pode curar a criança. Tem remédios. Se não fosse isso, eu gostaria até mesmo de cuidar do bebê. Mas a questão é que eu não posso. – disse com calma Adelaide procurando se safar de tal situação constrangedora.
--- Tá bom. Deixa mesmo que eu fico com esse “entulho”. – respondeu a mulher um tanto mal criada.
O ônibus chegou na parada final onde as duas passageiras tiveram que saltar. Adelaide seguiu para o seu trabalho em sua repartição e a mulher tomou rumo desconhecido, talvez para consultar um médico. Adelaide lhe entregara o garoto ainda quando estava no ônibus e a mulher nem sequer agradeceu pelo prestimoso favor que a moça lhe fizera. Isso também não teve a menor importância para a jovem moça. Ela apenas rezou para que a criança tivesse um melhor cuidado do que estava tendo. Após um breve instante, Adelaide atravessou a rua e caminhou para a sua repartição onde tinha vários processos a examinar: transferências de alguns servidores, pedidos de aposentadorias de outros, atestado de saúde de alguns. Sempre o mesmo expediente de sempre. Ela a consultar o seu chefe ou mesmo fazer sem consultar, pois era costume seu de fazer o encaminhamento de tais processos.
Quando era quase na hora do meio-dia, um cidadão da repartição se aproximou de Adelaide, dizendo:
--- Dona Adelaide. Tem uma encomenda lá fora para a senhora. – disse o servidor público à moça.
--- Pra mim? Mande deixar aqui. – respondeu Adelaide como a cabeça ardendo de processos para despachar.
--- É bom a senhora ir ver. – replicou o servidor.
A moça levantou do seu canto no birô da sala e caminho acompanhado o servidor. Ao chegar ao seu destino, estava lá o pacote. E dentro dele, a criança. Da mulher, nem sinal. Havia entregado e desaparecido. Algo como se diz: um presente para todo o sempre. A jovem moça quase desmaiou com tal presente. A criança estava dormindo embrulhada em rolos de panos. No seu embrulho, um bilhete: “Para a senhora”.
--- Pra mim? – respondeu Adelaide.

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