domingo, 14 de março de 2010

LUZ DO SOL - 54

- A PEÇA -
- CONTO -

Joel jamais esqueceria Rayna, uma menina de seus oito anos, bela no seu jeito de andar e no seu modo de vestir capaz de qualquer proeza diante da sua vida de criança. Joel era um menino ou um moço jovem ainda dos seus 12 anos que aparecia no apartamento de Rayna todos os dias para até fazer mandados. E cada vez que ele fosse ao seu apartamento, Rayna era sempre alegre e cordial com o garoto como se fosse um seu irmão ou bem mais que isso. No seu tempo de criança, Rayna não tinha irmãos. Era só ela, a mãe e o pai, um servidor público de notável saber. Mesmo assim, isso não era da maior importância para a garota. Pois só queria apenas brincar e, de manhã, logo cedo, ir ao seu colégio. Como não tinha mucama, pois o seu pai era sovina por excelência para ter despesa com mais uma empregada na casa, a menina tinha que ir a escola em companhia de outra governanta gorducha ou mesmo com o seu pai se não atrasasse o velho a chegar ao trabalho. Era assim que Rayna fazia todos os dias, menos aos sábados e domingos e nos dias de férias quando não haveria aulas no colégio, um estabelecimento governado por Freiras, por sinal.
Quando Joel estava em seu apartamento, Rayna chamava para que ele passasse a vista nos deveres que ela já tinha feito para ver se não havia erros, o que era muito difícil para a menina errar em uma sentença. E dessa forma passara-se o tempo com os dois a tagarelar sobre qualquer assunto que lhes apetecesse. O tempo continuou e Rayna sempre esperta, certa vez chamou Joel para que os dois estudassem uma peça de teatro que a menina tinha sido escolhida para apresentar no final daquele semestre. Assim, os dois se completaram. Certas vezes a menina tinha um ligeiro desconforto porque Joel não sabia bem como dizer tal frase impressa no texto.
--- Não é assim, doido. O rapaz fica desse lado e diz a frase. Ora. – dizia Rayna.
Quando acertava no que estava escrito para falar, Joel então ganhava um beijo de recompensa da sua amiguinha. Não raro, o garoto errava por querer apenas para ver a menina estourada de raiva e fazendo todos os absurdos do mundo.
--- Burro! Você é burro, é? (sinal de raiva). Não é assim, olhe. Veja como eu faço. Pronto. É desse jeito. BURRO! – falava serio a pequena com o seu jeito de falar.
E Joel morria de achar graça com a destemperança da menina, pois até que ele sabia muito bem o texto da peça em questão. Ela se tornava uma rainha no espetáculo e ele, um vassalo. Quase que não sobrava nada para Joel – ou o outro garoto do espetáculo – dizer. De qualquer modo, Joel tinha que ensaiar para dar mais presença ao poder da Rainha, no caso, Rayna, uma linda garota que se tornaria no futuro uma bela mulher. De modo que o ensaio da peça, sob os olhares ternos de sua mãe e acompanhados pela governanta, terminava sempre em brigas, com Rayna tomando o papel da mão de Joel e se largando para os seus aposentos onde começava a chorar ao dizer com o seu parceiro de espetáculo, intermitentemente:
--- BURRO! VOCÊ É UM BURRO! – dizia a menina caindo no pranto.
Então, Joel ficava a sorrir com o desespero de Rayna enquanto a governanta chegava aos aposentos da menina para lhe reconfortar com os seus humorados conselhos de mulher adulta. Mesmo assim, a garota nem queria ouvir o que a governanta dizia e socava um travesseiro em torno da mimosa cabeça, entupindo os lindos ouvidos e se enfurnando na confortável cama de solteiro. Passado algum tempo, a menina voltava para se encontrar com Joel e pedir-lhe desculpas dando-lhe beijos na face e acabando por sentar no seu colo mostrando o que estava escrito na peça para o augusto prazer de Joel em poder acolher aquela menina travessa.
E se Joel não estivesse mais no seu apartamento, Rayna acabaria chorando de verdade, pois era o seu sentir que o jovem tinha ido embora por causa dos seus atrevimentos passageiros. Nesse ponto, a sua mãe acolhia a menina e dizia que Joel voltaria logo e que Rayna não se apressasse por causa da ausência do jovem moço. Com essas histórias, a menina se aquietava voltando a perguntar:
--- Ele volta mãezinha? Volta? – perguntava Rayna escorada no colo de sua mãe.
--- Volta sim. Ele vai voltar. – respondia a mãe da menina.
--- Ele está com raiva? – voltava a perguntar a menina.
--- Está não. Mas ele volta. Sempre volta. É que foi fazer um mandado. Volta logo. – dizia com carinho a elegante mulher.
A menina, com isso se aquietava, e tomava a lição da peça para continuar lendo o texto que, para Rayna era difícil de entender, pois a Rainha tinha um ar de exigente e quando subia ao trono mandava todos se ajoelharem. Esse era uma das partes finais da peça. Enfim, a Rainha tinha o prazer de ser seduzida pelo augusto nobre vassalo que lhe dizia como devia fazer diante de tais percalços. E a Rainha acompanhava o Vassalo para os seus aposentes. Assim chegava ao fim do espetáculo.
Apesar de curta, a peça era por demais abusada, pois os garotos que estavam a fazer as cenas de nada entendiam. Nem por isso o diretor geral do espetáculo se importava. O homem, um homossexual, queria apenas mostrar o seu poder capaz de encenar um espetáculo de puro cunho adulto feito por crianças de um Colégio de Freiras, onde aquelas questões nem sempre eram tratadas pelas Mestras nas aulas de arte. Quando o espetáculo foi definitivamente montado, tinha gente até demais. Os pais de Rayna estavam presentes apenas para ver a sua filha ostensivamente subindo ao trono depois de muitas peripécias acontecidas no decorrer do espetáculo. Todos queriam também ver a mesma expressão dos seus filhos, bem ornados, com vestes púrpuras, amarelas cor de outro e de demais cores, alguns com espadas ao colo, outros, apenas de arranjos com o corpo quase todo despido. Esses eram a criadagem. Os Nobres eram todos bem ornamentados. O espetáculo tinha quase uma hora de duração com dois intervalos. A Rainha aparecia quase do final da peça para assumir o seu trono. Depois, era o fim e a Soberana saía para os seus aposentos. Acompanhada do vassalo que assumia a posição de Príncipe do Império, então a Rainha fazia a sua corte aos presentes da Nobreza.
Com o fim da peça, Joel correu até aos aposentos de Rayna para lhe dar os entusiasmados parabéns, pois achou a sua apresentação magnífica. Seus pais também chegaram ao local e a sua mãe muito alegre e cheia de graça beijou a filha com entusiasmo e esmero deixando ao pai a saudação que lhe cabia. Uma freira atenta a tudo, de braços enrolado por entre as mangas de suas vestes que sempre usava, acolhia aos pais a garota e dando-lhes os efusivos parabéns, pois nenhuma criança tinha desempenhado tão bem como Rayna o fizera. Com o fim da peça, todos foram convidados a tomar um pouco de sorvete e comer um bolo feito pelas próprias Irmãs do Colégio. A menina, deslumbrantemente ornada dizia para quem quisesse ouvir.
--- Esse é o meu príncipe de verdade. – dizia Rayna ao atracar pelo pescoço o garoto Joel que, a despeito de tudo, ficou acanhado de ver a encantadora menina em torno dos seus frágeis braços.

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