quarta-feira, 17 de março de 2010

LUZ DO SOL - 57

- A DEUSA CAÍDA -
- CONTO -
Com o passar do tempo Hermógenes não sabia por que se lembrava tanto da deusa caída um dia a seus pés. Talvez tivesse sido por um acaso que levou a senhora do destino a se mostrar como uma sedutora mulher que somente indicava seu ser de terna redoma de amor perdido. Modesta no seu andar, porém quente no seu amar Luísa era quem todos a procuravam para satisfazer suas necessidades sensuais ou quase isso. Não raro, Luísa estava aos pés de Hermógenes, suave e sem preconceitos a pedir um pouquinho do seu verdadeiro amor. O rapaz não dava a importância devida aquele gesto que Luísa fazia, pois com outras deusas ele teria o mesmo gesto sedutor. Mesmo assim, a deusa não queria saber de outras mulheres. Apenas ela era o bastante. À noite, quando tudo era silencio nas ruas próximas, o bordel se enchia de gente, como moscas procuravam a luz difusa do abajur. Eram noites de inquietação para todas as damas da noite. A meia-luz que fazia o salão de baile enchia de prazer às notívagas damas que por todo o canto do luxuoso bordel queria um pouco de amor ao sabor de algum dinheiro em troca. Eram quase todas do mesmo jeito. No salão grená havia a executar boleros tão velhos como o tempo, tristes e adormecidos, embalando os sonhos de quem não teria sono, uma vitrola gigante a despejar seus ruídos sempre ao jeito de quem pedisse. Aquilo era o máximo do prazer estonteante para os seus freqüentadores. Nada além do que se ouvia, carecia de embrulhos do destino. E nesses recantos profanos estava Luísa aos pés de seu amante a desejar um pouco de amor, um sortilégio de prazer ou artimanhas de feitiços.
--- Você é o único amor de minha vida, querido. – dizia Luíza a seu amante.
--- Deixa de besteira. Vai trabalhar que é melhor vadia. – respondia Hermógenes.
--- Juro meu eterno amor. Juro por Deus. Somente você eu tenho em meu coração. – lacrimejava Luíza.
--- Levanta desse chão ou de espanco. – ameaçava Hermógenes.
Com essas palavras o home se levantava da poltrona já um tanto desajeitada, pois afundava no meio quando alguém se sentava. Ele caminhava até o balcão de serviços onde pedia mais uma dose de uísque. Em volta de si, estava à deusa derradeira a lhe olhar fiel, com a face plena de felicidade como nenhuma outra seria capaz de fazer tais artimanhas de desejos.
Hermógenes voltava ao seu antigo local onde tudo sempre começava com Luíza a seus pés a fazer-lhe carinhosas malícias de afetuosos desejos onde se esbanjava um amor incontido. O rapaz não queria Luíza por ter sido fácil de conseguir o seu amor. E desse modo, o amor era até demais, sem se mostrar a verdadeira razão. Ciúmes eram plenos como a marca da deusa de prender aquele coração rebelde. Ouvia-se chorar e gritar até para ter um pouco daquele acalanto sentido que o jovem mancebo não desejava manter para sempre. Quantas vezes Hermógenes a mandou embora ao contrário da deusa teimando em ficar. Era inútil para Hermógenes ampliar os seus desacertos para com aquela deusa. A jovem mulher sem amor ou qualquer carinho queria apenas ficar aos pés do seu amado e nobre homem. Quando a noite passava, as mulheres com seus parceiros entravam para dormir em um quarto de bordel. Eram quartos coloridos de adornos sutis, tendo uma luxuosa cama de casal com seus véus, um sofá bem conservado, tapetes coloridos pelo chão, um lavabo e em um canto detrás de uma segunda porta o aparelho sanitário para os doutores dos prazeres e da sedução usar quando precisassem. Enfeites pendurado por todos os recantos das paredes forradas de alcatifas. O tom avermelhado permeava todos os quartos do bordel. Com todos os seus requintes ornamentais, tinha ursinhos de pelúcia e adorno de fotos gigantes de mulheres exuberantes belas e eternamente nuas. Nesse ambiente puro divinal ou demoníaco, era o recanto do prazer dos enamorados.
A hora do repouso era chegada e as plenas deusas estavam já acompanhadas de seus amantes da noite. Apenas Luísa continuava a olhar de modo inquietante o seu amante e senhor para o qual não havia outro homem qualquer capaz de seduzi-la por inteiro. De moedas, ela não desejava ter. Queria apenas um pouco de afago quente que o homem poderia dar-lhe. O som do relógio Kuko que estava pendurado na mureta do bar, já indicava uma hora da manhã. Havia movimento por parte dos ébrios e de Luísa que se tornava um pouco incomoda para Hermógenes, jovem rapaz acostumado a manter seu costumeiro importuno amor às deusas dos acanhados quartos do bordel. Quando a madrugada rompeu, Luíza, embriagada por vinhos, uísques e vodkas adormecera por sobre o divã, pois o sono não lhe dava forças para continuar. A sua resistência chegara ao fim. O rapaz se viu livre daquele embaraço e deixou Luíza a dormir serena, pois sabia que no dia seguinte ela estaria livre de qualquer ressaca das bebidas, quando o dia já tornava por volta das onze horas.
Hermógenes saiu do local para dormir no quarto reservado a Luíza e ali caiu no sono também embriagador, pois o rapaz bebera assombrosas quantidades delinqüentes de doses de uísque naquela noite. No quarto do bordel, o jovem adormecera e nem sequer notou a presença de Luiza que chegara um tanto embriaga e procurou o homem que ela tanto amava.
--- Querido, estás acordado? – indagou a deusa.
A resposta não se deu. Hermógenes dormia a sono solto. A moça então procurou um local mais quente junto a ele para poder dormir também. Os seus seios mornos e descobertos atraiçoaram o nobre amante. Porém, era tarde da madrugada e ele nem sabia que a mulher, a seu lado enveredava por todo o seu amor fazendo com ele o que as musas orientais costumavam praticar. Naquele instante, Luisa em nada acreditava que o amor naufragado de nada adiantava. Ela cantava desentoada e baixa, palavras em desalinho como quem diz de que um presente delirante e belo tinha ganhado para a sua afeição, pois diante do universo, no céu de sua vida aquele amor surgiu. Os toques dos pratos no bar diziam que era à hora de todos dormirem, pois o ensejo do porvir era a marca inenarrável dos momentos de alegres desencantos. Um barco soou seu apito dizendo que estava partindo para o mar bravio. Uma locomotiva buzinava para mostrar que já estava chegando ao mercado onde se vendia de tudo. Balaieiros estavam acordados conversando com feirantes o que tinham a fazer naquele dia que se aproximava. A vida começava a tremer na rua e no quarto do bordel, as deusas dormiam serenas como se não houvesse rumo a tomar. Algum choro de criança se ouvia ao longe, baixinho quase não se notando. Um homem acabara de entrar no banheiro do bordel. Tudo enfim, era outro dia.

Nenhum comentário: