segunda-feira, 22 de março de 2010

LUZ DO SOL - 62

- AONDE VAI A CHAMA -

- CONTO -

Naquele ano, Odete procurava arranjar sua bagagem, pois às nove horas da manhã o avião partiria e ela por mais cuidado que tivesse sempre havia algo que poderia esquecer. Isso era a única coisa que Odete queria levar para mostrar aos seus pais: um cavalo alado. Um negócio muito simples e de pouco valor. Porém, esse cavalo alado tinha para Odete um imenso valor, pois assim, com esse corcel, que ela teve de presente de seu pai, quando menina, se tornou em negócio que jamais esquecera. No ano em que voltava para a sua casa de campo, uma granja em um terreno imenso ela gostaria que o seu pai pudesse ver como guardara aquela sua antiga recordação de menina. Quando se formou em Administração de Empresas, Odete olhou com carinho em seu apartamento seu cavalinho estimado como se fosse a única coisa importante da vida. Todo feito em louça, com silhuetas bem ornamentadas, o corcel tinha em seu dorso as assas aladas que o faziam voar. E Odete até mesmo pensava:
--- Voar para aonde, cavalinho? – perguntava a mulher com um leve sorriso no rosto e os olhos cheios de ternura.
Em meio dessa afeição, Odete voltava a guardar o seu cavalo alado, sonhos de uma pura criança cujo tempo não apagara jamais. Em uma estante primorosa existente na sala de entrada, lá estava o cavalo alado como a contemplar a todos os que chegassem ao apartamento da bela e sensual mulher onde a idade não aplacava de modo algum os sonhos naturais de uma musa sempre jovem. Certa vez, alguém lhe dissera:
--- Por que você ainda não se casou? – voz de uma mulher.
--- Não pensei bem nisso ainda. Meus negócios são os estudos, o ensinar e, depois, dormir. – respondeu Odete em uma perfeita gargalhada.
Mesmo assim, Odete sentia forte atração por um jovem e garboso rapaz que ela preferia esquecer, pois ele já fora casado por uns tempos. Disso, ninguém sabia. Nem sua mais fiel amiga, pois no dizer de Odete, amigos não são amigos. Tal caso, ela sempre dizia quando a conversa se encaminhasse para tal termo. Na mesa do quarto da divina mulher havia uma porção de livros bem arrumados onde ela procurava ler com certa atenção a todos eles. Eram livros de autores da idade média. Se alguma pessoa lhe falasse de uma nova publicação sobre determinado assunto, Odete anotava em uma caderneta que a mulher sempre trazia consigo e punha de lado tal assunto.
--- Deixa pra lá. – era o que Odete sempre dizia.
Quando tal literatura estava no auge dos leitores aguçados, Odete esperava cessar para ver como é que ficava. Caso lhe desse na telha, ela voltava ao tema e em uma livraria pedia o livro para ver e assim, depois de olhar bem o seu conteúdo, ela duvidava dos acertos de tal publicação. Então não mais lhe interessava o tal assunto.
Por esse assunto Odete não fazia questão em ler alguma publicação que falasse sobre religião. Certa vez, em um colégio de Freiras, ela estava a procurar uma publicação que abordasse tal assunto. Nesse instante, uma Irmã lhe negou tal oportunidade ao lhe dizer que ela era criança por demais para ler tal assunto. Odete se aquietou e com pouco tempo depois ela pediu demissão dos estudos naquele Ginásio. O seu pai, nesse tempo, veio lhe perguntar por que Odete estava sentida com os ensinos do Colégio. Ela respondeu sem medo de errar:
--- As Freiras são umas burras! – respondeu a jovem com uma cara trancada.
Com isso, a jovem moça se tornou jovem mulher e se revolveu uma pessoa amarga com o ensino de religião, qual fosse à crença, não respeitando o ensino piedoso que se fazia como sendo obrigatório nos estabelecimentos de educação. Na sua sala de visita tinha uma frase feita em metal bem amplo onde se podia ler.
--- “Respeite-me, pois eu te Respeito”.
Tal pensamento era o de Odete. Porém, a frase ficava muda em cima da estante de livros onde todos podiam ver tão logo entrasse em seu apartamento. Em seu lar, poucas pessoas tinham acesso, pois a jovem mulher de apenas trinta anos queria ter toda a privacidade possível que se pudesse ansiar. No birô de entrada do prédio onde dormia um velho porteiro, havia instrução para que ele não fornecesse informação de que Odete estava em seu apartamento. Apenas algumas pessoas já bem afeiçoadas de Odete, poderiam ter o acesso desejado.
Certa, ao consultar a lista de atrações dos cinemas da cidade, um título lhe chamou melhor atenção. Estava programado para aquele dia o filme “Aonde Vai A Chama”. Tal título chamou a atenção de Odete. Sem ter nada para fazer, ela preferiu assistir ao espetáculo. Ela assistiu ao filme sem nada comentar. Nem ao menos que pudesse dizer se era bom ou ruim. Aquele era um sinal de atenção por parte de Odete. Atenção por qualquer episódio. Era noite de tempo nublado. Com isso, Odete pegou um taxi e voltou para o seu apartamento. Sobre o filme Odete nada quis comentar.
O tempo passou como todos os tempos passam. Certa vez, uma sua companheira de ensino, não se sabe por qual motivo, teceu comentário a respeito de tal aludido filme. A mulher elogiou por demais a atuação dos atores. Ao ser perguntado por sua companheira se tinha visto a cessão de cinema, Odete disse que sim, e nada mais. Por conseguinte a companheira de Odete não fez maiores comentários. E o assunto terminou nesse ponto. A jovem mulher Odete não costumava comentar sobre algo que gostasse ou não. Ficava sempre muda.
O relógio já estava marcando às sete horas da manhã quando Odete pegou um taxi para que a levasse até o aeroporto. Nesse, momento, em seu apartamento, o telefone soou com insistência. Quando terminou a chamada, o telefone desligou, ficando mudo. Ao compasse de espera, o telefone voltou a chamar novamente. Isso se deu por três vezes. Nesse momento, Odete já estava no aeroporto na fila de espera. Em pouco tempo, ela embarcou em uma aeronave que fazia vou regular para o local que Odete se encaminhava. Uma hora de vôo. Ao chegar no aeroporto, um moço estava a lhe esperar. Ela até estranhou. Porém, disse ao rapaz para que levasse a maleta onde estava o cavalo alado. O rapaz disse que sim e perguntou:
--- A senhora recebeu um telefonema? – perguntou o rapaz.
--- Não. Por quê? – indagou Odete.
--- Era de sua mãe. – respondeu o rapaz.
--- Ah bom. O que ela queria? – indagou Odete meio despreocupada procurando arranjar tudo em uma parte trazeira do taxi que a levaria a sua casa de campo.
--- Foi do seu pai. – redargüiu o rapaz.
--- Que é que tem meu pai? – inquiriu Odete assustada.
--- Ele morreu. – respondeu o rapaz.



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