sexta-feira, 12 de março de 2010

LUZ DO SOL - 52

- PERFUMES -
- CONTO -
Seu nome era Ada. Nome, por sinal, bem curto. Quando Geraldo a conheceu, eles estavam a trabalhar na mesma repartição em ofícios diferentes. Certa vez, Geraldo a convidou para que os dois pudessem ir ao teatro onde haveria concerto naquela noite morna de verão. A jovem moça concordou com o pensamento de Geraldo, afinal poucas vezes Ada tinha ido ao teatro, a não ser quando recebia convites para assistir peças infantis. Com certeza, um concerto era evento mais nobre para ela. Nas salas de estudo quando Ada ainda cursava o colégio de moças, tinha visto umas peças em gravuras que mostravam os tenores, barítonos e sopranos a cantar peças de autores vários. Mas, isso era gravura, onde não havia o som e nem o movimento. Certa ocasião, Ada ficou sabendo que haveria um concerto de musicas clássico ou erudito. Mesmo, já não podia ir a tal concerto, pois nem tinha convite para o Teatro. O tempo passou, e então chegou a vez de alguém lhe convidar para assistir a um espetáculo soberbo do quilate de um evento como a moça não sabia nem dizer. Perfumes era o nome do concerto onde se apresentavam os mais distintos atores e atrizes, cantores exímios para um espetáculo onde apenas a classe alta poderia ter acesso. E Ada se sentira pequenina diante de tal multidão de espectadores com seus trajes de gala, as mulheres mostrando suas vestes de soarê ornadas das mais requintadas jóias colhidas do fundo do baú. Entre tais ornamentos, tinham os perfumes de sândalos, água de toalete, perfume de Ulric de Varens e, para as jovens damas um toque de Angel. Para Ada, não tinha como decidir que perfume usasse. Nesse caso era assunto para quem teria melhor requinte.
Muito embora Geraldo fosse um experto em assuntos femininos, Ada temia fazer-lhe tal questão vez que isso a tornaria uma jovem sem predicados, pois nem sequer perfume saberia usar em um estonteante espetáculo de gala como para o qual estava sendo convidada. Em tal dilema, Ada passou em uma perfumaria e se assustou do alto custo de uma colônia, como uma Victória’s Secret, bem mais em uso pelas moças de bom gosto. E em um caso dessa natureza, Ada se convertia ainda mais na clausura de sua inocência. De qualquer modo, ela comprou uma suave água de cheiro, pois era mais em conta e surtia um efeito semelhante a um “Just Me”, o mais caro de todos. Para se arranjar nas vestes, foi outro sacrifício. As roupas que usava no diário, nem pensar. Vestidos de Cetim.
--- Hum. Esse não. E nem esse. Esse outro vai às traças. – dizia Ada, baixinho e resmungando cheia de ira.
Afinal, encontrou um vestido usado para o batizado de seu sobrinho que, de um modo ou de outro, lhe caberá bem: uma musselina de seda pura. Estava um pouco gasto, porém ainda prestava para sair para assistir um espetáculo de concerto. Então, tomou cuidado em estirar, passando o ferro meio morno com o máximo de atenção. Enquanto se arrumava, o relógio da parede corria implacável as horas já marcando um bom espaço de tempo. Não tardava para Ada ver seu amigo de trabalho chegar a sua porta, um apartamento de dez andares, e procurar por ela. Após tomar um banho refrescante, Ada começou a se arranjar com todo esmero cuidado, puxando para o lado o vestido que sempre teimava em não ir. O feixo-eclair era outro tormento.
--- Gorda. Só faltava essa. Chega. E o bicho não vai. Humpf. Até que foi. – resmungava a jovem e bela moça.
Depois de vestir o seu traje, era a vez de pentear o cabelo ainda molhado com a água do chuveiro. Ada tinha um belo cabelo, que chegava quase a sua cintura. Loiro, por sinal e ondulado como um ramalhete de rosas de tom amarelo-ouro. Para passar a escova no cabelo, foi outro sacrifício. Por mais que o estirasse, o cabelo não queria obedecer. E a cada desassossego, Ada tinha muito que reclamar.
--- Merda!. Essa bosta nem enverga!. Me dano com isso!. – resmungava a moça.
O seu ouvido estava atento à porta de seu apartamento. Com certeza, Ada ouvia até o arranhar dos arames do cabo de aço que puxavam o elevador. Quando o elevador estava subindo, ela sabia. Quando estava descendo, também sabia. Uma vontade louca de urinar fez a moça voltar ao banheiro, tomando o cuidado com as suas vestes para não molhar no assento de mictório. Ali, fez força para urinar e nada saía. Desistiu.
--- Merda! Não quero nem fazer xixi!” – articulou a donzela baixinho.
O tempo correu mais um pouco e Ada nem queria mais conferir que horas faltavam para o inicio do concerto. O seu relógio de pulso, ela até esquecera para não ter a impaciência de chagar ao teatro com atraso.
--- Cadê Geraldo que não chega? – perguntava a moça a si mesma. E nada respondia.
Ada olhou para baixo por uma rede de proteção no alambrado posto no apartamento, e ainda por certo não avistara o carro de Geraldo. De imediato, voltou ao interior do apartamento.
--- Ainda não chegou! Tomara! O espetáculo começa a que horas? – indagou para si a jovem atabalhoada.
A vontade de urinar voltou de novo. Dessa vez ela não foi ao banheiro. Ficou presa, pois sabia que não sairia nada de urina. Ada voltou ao toalete e pôs um pouco de carmim no rosto e se banhou com a loção que ela havia comprado na perfumaria. Enfim tudo estava pronto. Faltava então apenas a chegada de Geraldo que muito não tardaria, por certo. Sem saber o que fazer, a jovem pensou um pouco:
--- A bolsa!!! Isso é uma merda sem graça! – despertou Ada do seu angustiado tempo.
Quando soou às 9 horas da noite o pano se abriu uniforme. Era à hora de começar o magnífico concerto de verão. O espetáculo “PERFUMES” tinha o sabor de doces perfumes que se perdia ao léu. A voz da soprano era de pleno magnífico esplendor acompanha pelo tenor e o barítono ao som da magistral orquestra filarmônica que os acompanhava. Era tudo um silencio do publico a ouvir os sons dos três paladinos da música que a todos encantavam. Diante de tudo isso, estava Ada envolta em sonhos se amparado no ombro do seu cavalheiro com os seus olhos cheios de lágrimas ao ouvir “Aída”, Giuseppe Verdi, em seu Canto do Coro dos Escravos. Ela se agarrou mais aos braços do seu acompanhante que vestia na ocasião, um belo terno smokin como todos os homens de brio. Delirando de amor incontido, Ada se deixou enlevar pelas musas dos sonhos dos bosques perdidos do efêmero. Mais agarrada ao seu enamorado, Ada vivia todos os momentos dos mais ardentes prazeres. Fazia preces de aquele momento não acabassem jamais, como os perfumes que lhe soprar no estonteante período das suas distrações.

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