sexta-feira, 19 de março de 2010

LUZ DO SOL - 59

- NOVO AMANHECER -
- CONTO -

O domingo era um dia de descanso, lazer, praias e campos. Passavam das oito horas da manhã e Guacira estava toda arrumada com um vestido branco, decote amplo, cabelos curtos como sempre, olhos de amêndoas, nariz afilado, sobrancelhas arqueadas, boca de carmim, seios arqueados. Guacira não usava adornos em seu esplêndido corpo de mulher fatal. Nem mesmo um simples brinco. Ela era toda feita de extrema doçura. E se Deus lhe fez assim, era assim que ela se comportava com o seu vestido arredondado pouco mostrando as suas pernas alvas e belas. Como era um dia de domingo, nada restava a fazer do que ir à casa de seus pais. O seu pai era um velho fazendeiro que, apesar da idade, ainda assim cuidava do plantio das rosas com cuidado e esmero. No oitão da casa, em um alpendre, sempre estava sentada em uma espreguiçadeira à mãe de Guacira, cuidando do bordado de uns panos de prato. A morada era uma chácara perdida no sem fim de uma estrada que cruzava a rodovia que conduzia ao interior do Estado. Na chácara moravam os pais de Guacira em companhia de uma das irmãs da família de oito filhos. Guacira era a filha do meio, havendo dois mais velhos e outra, também mulher, que era casada de morava no exterior. A que estava na casa dos pais era a filha mais nova que já namorara e vivia só, levando a vida que Deus lhe deu. Na chácara, tinham ainda mais empregados, quase todos tomando conta do gado e dos cavalos, éguas e outros animais menores. Das galinhas, patos, gansos e até mesmo pombos existentes do amplo quintal da chácara, que cuidava era uma meninota, mocinha por assim dizer, filha de um casal que cuidava do leite do gado. Na invernada, o tempo fechava e os morros existentes bem para trás do casarão agüentavam os estrondos do trovão e os açoites do relampear. A mãe de Guacira, nesse tempo, não saia de dentro do casarão. O velho pai ficava sozinho a contemplar a zoada do trovão e o descer do aguaceiro que formava um rio pelo lado esquerdo da casa em que ele morava.
Ao se perguntar se o velho não queria ir morar na cidade, ele respondia que:
--- Não. Aqui é muito melhor. Na cidade só tem desconforto, - respondia o pai de Guacira, resmungando por fim.
Porém, no tempo do verão, quando a seca esturricava tudo, o velho voltava a dizer que a vida da capital era bem melhor. Era assim que se vivia no interior, no meio do mato, terra distante, bem distante mesmo. E naquele domingo, Guacira, já viúva e que não mais desejava casar, apesar de sua pouca idade de vida, cerca de trinta anos, viajou para o interior. Arrumou-se toda, pegou a bolsa, a chave do carro, examinou os pneus, deu partida e embarcou na estada sem fim. Em sua cabeça, os pensamentos vãos de como deveria chegar sem ter nada para levar de presente. Por isso, logo de saída estacionou seu carro em um supermercado e comprou algumas lembranças para os seus velhos pais além de uma gargantilha para a sua irmã mais nova. De posse de tais presentes, Guacira continuou o seu percurso anotando o velocímetro para ver se chegava bem antes das dez horas, com certeza. O trafego estava tranqüilo na rodovia àquela hora da manha de domingo. Um ou outro veículo que cruzava o seu carro, buzinando sem necessidade. Guacira trancara os vidros das portas do seu automóvel, para evitar a entrada de algum inseto forasteiro, próprio do mato que voava de um lado para outro se enfiando nos caros que costumavam viajar com seus vidros de proteção das portas completamente abertos. Bem mais adiante, na rodovia, uma ambulância e dois carros da Rodoviária Federal. Guacira notou que ali havia algo muito serio, pois a rodovia de volta também estava interrompida. A mulher trafegou com vagar, beirando a estrada para logo após a Guarda Federal mandar para o seu veículo.
Tão logo a mulher parou vieram os meninos de estrada oferecendo guloseima para comprar e ela não quis. Apenas perguntou a um dos meninos o que estava havendo no meio da estrada, pois não podia seguir.
--- Acidente! – respondeu o menino.
--- Saiu gente ferida? – perguntou Guacira.
--- Tem dois mortos e quatro feridos. Foi batida em dois carros. – respondeu o garoto.
Então, Guacira destrancou a porta do seu auto e rumou para ter uma conversa mais de perto com a Guarda Federal. Essas estavam completamente cheia de serviço, com o parar dos autos que vinham e deslocando os motoristas para um lado da pista enquanto outros Guardas faziam o mesmo serviço pelo outro lado da rodovia. Depois dos cumprimentos cordiais, a mulher perguntou:
--- Como foi? – indagou Guacira.
--- Acidente com dois carros. – disse o guarda aperreado em por em ordem o trânsito de veiculo no local, apitando a todo instante como sua pose de guarda.
Sem medo de olhar de perto, Guacira foi até mais próximo da ambulância onde os maqueiros colocavam uma das vitimas em seu interior e buscavam outra vítima para poder sair no local imediatamente. Os demais feridos já tinham sido transferidos para o hospital da cidade próxima e o monte de carro estava espalhado pela rodovia onde não se distinguia nem mesmo a aparência dos veículos. Com certa precaução a mulher verificou o estado dos automóveis, levando um bom tempo para tal. Depois de um bom período, a Guarda Federal começou a desobstruir o trafego na rodovia sendo a vez de Guacira a se dirigir com o seu automóvel ao seu destino. Ela ainda olhou o monte de ferragem retorcida e fumegante no chão em meio de um numero impressionante de gente moradora no vilarejo existente no lugar. Sem mais nada a fazer, Guacira seguiu viagem delirando que um novo amanhecer para aquela gente morta no acidente não deixara de ser um velho roteiro em suas viagens pelo nefando interior do sertão. E não seria aquele o único acidente que haveria de ter numa manhã de domingo. Outros então teriam que vir para o desconforto dos familiares das vitimas iguais aquelas que já nem podiam mais derramar lágrimas.

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