domingo, 10 de agosto de 2008

RIBEIRA - 56

SOMBRAS DE UM PASSADO REMOTO

Essa nostalgia por certo vem com o tempo em busca de um passado remoto. Quando eu era um garoto, talvez um quase rapaz, começava a aprender a trabalhar no escritório do meu gordo e, ao que parece, carrancudo. tio Zeca. Era assim que eu o via. Gordo e carrancudo. Mesmo assim, meu tio tinha bons amigos que dissipavam esse mistério que só eu podia enxergar. Um certo dia, pelos idos de 1952, eu o vi sorrindo por uma tolice que eu disse. Estavam no escritório Zé Areias, Gastão, Rapa-Coco e ao que parece.o jornalista Lauro, de que, não sei. Eles conversavam sobre o Farol de Mãe Luiza. obra inaugurada naquele ano e que ficava no alto do morro que levava o nome de Mãe Luiza. Em um determinado tempo meu tio disse que aquela construção era um perigo pois ficava na beira do morro. Foi aí que eu disse: "E está rachando". Eu queria dizer que, no futuro o farol terminaria por desabar. A conversa de "está rachando" eu já ouvira de outras pessoas. Por isso, emendei com a história do meu tio. O certo é que foi o ponto para que todos rissem. A minha historia de que o Farol estava rachando, para mim, foi uma grande decepção. E eu calei de vez para não mais dizer nada. Ninguém acreditava naquilo que eu dissera. Então, emudeci.
Alí estavam reunidos os velhos amigos do meu tio. Grandes amigos, por sinal. E aprendi a ver como se faz uma verdadeira amizade tão sólida capaz de romper barreiras. Gastão trabalhava na Recebedoria de Renda e era hóspede do Avenida Hotel, um prédio que abrigava gente das mais diversas camadas sociais. O Avenida Hotel ficava na esquina da Rua Sachet, vizinho ao Hotel Avenida. Ambos eram do mesmo dono: Major Theodorico Bezerra que era arrendatário de um mais moderno e luxuoso hotel que ficava na esquina da Avenida Tavares de Lyra. a poucos metros de distância um do outro. Todos os dias, lá estavam eles reunidos no escritório, situado na Rua Doutor Barata, ao alto do Jornal "A Ordem" que, por cortesia, meu tio também o comprava para não dizer que não lia o matutino do professor Ulisses de Gois. Na verdade, "A Ordem" pertencia à Igreja e fazia propaganda das festas religiosas que se realizavam na cidade. Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas era o Bispo da Capital e Arcebispo do Estado.
Quando dava as 8,30 Gastão chegava, com o seu tradicional paletó branco, camisa branca, calça do mesmo tecido do paletó, chapéu do Panamá, sapatos pretos e meias de furta-cor. Era um homem de pele clara, bem clara mesmo, voz suave e andar apressado. Quando ele chegava dava o seu: "Bom dia, rapaziada". Dali então começava a conversa e ele pegava os jornais da cidade: O Diário de Natal e a Tribuna do Norte, para passar vistas no que era a melhor noticia. Sempre, politica. De importante, tinham as noticias do Rio de Janeiro, onde ficava a Capital da República quando era presidente o Doutor Getulio Vargas. Todo dia era a mesma coisa.
No domingo não tinha expediente e, com certeza, os jornais de "ontem" ficavam para ser lidos na segunda-feita. Porém, nesse dia Gastão sempre trazia as noticias dos jornais do sul que ele costumava a comprar sempre as domingos, quando esses chegavam no dia. Correio da Manhã. Jornal do Brasil, Estado de São Paulo e coisa assim. No entanto, do mesmo jeito, ele passava em revista os jornais de "ontem" que se editava em Natal. Quando era 9 horas, o homem saia como entrava, dizendo: "Bem, rapaziada. Eu vou embora porque a obrigação me espera". Meu tio Zeca nem mesmo se despedia, pois, afinal aquele era um costume dele, sem duvidas. Com seu lápis de borracha na ponta de cima, ele continuava a anotar os compromissos do dia.
Rapa-Coco lia os jornais de antigamente. Zé Areias fazia o mesmo gesto. Apenas o velho Lauro acompanhava a leitura que vinham do sul onde Getulio era a mais importante figura. Afinal era ele o Presidente do Brasil, mesmo tendo por desafeto o jornalista Carlos Lacerda. Enquanto lia as noticias, Lauro costumava a tremer pois tivera uma espécie de trombose naqueles idos tempo, da qual escapara por milagre. Para andar com jeito, ele se apoiava numa bengala. Reclamava muito da suas pernas que não raro doíam. O seu andar era direito, mesmo ele estando encurvado para a frente. Vez por outra aparecia ali José Luiz, a procura de alguma coisa para vender. Mesmo assim, só encontrava casas e terrenos que tio Zeca dispunha. E assim caminhava a vida. Mais tarde, tio Zeca anunciava que estava na hora de sair. O bar era o seu ponto certo onde ele tecia os maiores comentários da vida profana que levava. Sombras de um passado remoto.

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