segunda-feira, 25 de agosto de 2008

RIBEIRA - 83

ZÉ AREIA

José Antônio Areias Filho era o nome do homem já esquecido pelos intelectuais desta província conhecida por Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte. Do seu nome verdadeiro pouco se sabe. Porém, se alguém falar em Zé Areias ou mesmo sem o "s" no final do nome, alguém dirá que já ouviu falar desse homem, muito embora não saiba quem seja ou quem foi. Essa é a verdade. Quase ninguém deva conhecer um homem que viveu 72 anos aquí, onde nasceu, na capital. Zé Areias nasceu em 1900 e viveu até 1972. Ele era filho de Antônio Francisco Areias e dona Genoveva. Quem conheceu o pai de Zé Areia, já disse que tinha a fama de ter a língua de "prata", pois se alguem falasse de algo, tinha a resposta na ponta da língua. Zé Areias foi o caçula de mais três irmãos. O primeiro foi Antônio Francisco, padre, vigário em Pernambuco e na Paraíba, além de ser igualmente jornalista, poeta, maçon e deputado Estadual. O segundo, João Francisco Areias Bajão era paralítico. E mesmo assim, deficiente gozou a vida com a boémia, a poesia e pertenceu, junto com seu irmão, vigário Antônio Francisco, de um Grémio Literário, e chegou a ser considerado o primeiro poeta do Rio Grande do Norte. Por fim, o terceiro irmão de Zé Areias. Foi ele José Francisco Areias Zamba, homeopata, bem conhecido em Jundiaí. Era quase um doutor formado, pois atendia a clientes em Natal e Ceará Mirim. Como homem de pouca fé, esse Francisco Zamba era dito como incrédulo, zombeteiro e sarcástico. Depois de todos estes, veio Zé Areias, também sarcástico e zombeteiro. Quer dizer que Zé Areias tinha a verve da família.

Eu não descobri o que fez Zé Areias em seus 40 anos de vida. Sei, porém, que ele nasceu nas Rocas, por isso era chamado de canguleiro, comedor de cangulo, um peixe vindo do mar. O cangulo era para os zé ninguém, como se dizia na cidade, pois quem morada no Centro, que era a Cidade Alta, era considerado um "xarias", comedor de peixe da qualidade de um xareu. A ponte ainda hoje existente na Praça Augusto Severo serviu de palco a muita desavença entre xarias e canguleiros e que engalfinhavam no soco e na peixeira. Quem era canguleiro não cruzava aquela ponte.O mesmo acontecia com os xarias. Alí, só tinha a ponte para fazer a ligação entre os dois bairros - Cidade e Rocas, tendo no meio a Ribeira.

Dizer que Zé Areias nasceu nas Rocas é pouco provável, pois ele nasceu em um casebre que ficava na rua (hoje é Esplanada) Silva Jardim, que no seu tempo de nascimento devia ter um outro nome. Nessa rua, também nasceu Frei Miguelinho. E, uma rua antes, a Rua Triunfo, nasceu com a diferença de meses, em janeiro de 1899, aquele que seria um dia o presidente da Republica, João Café Filho. Em poucas palavras, um era vizinho do outro e, por sinal, até brincavam por entre as ruas do bairro quando meninos. É de se notar que Zé Areias era um amigo de João Café, pois certa vez, quando Café assumiu à Presidência da Republica, ele foi lhe fazer uma visita de cortesia, oportunidade em que lhe pediu um emprego numa Repartição Federal. Mas, isso é uma outra história.

A Esplanada Silva Jardim fica na divisa entre a Ribeira e as Rocas. Mesmo assim, para acabar com a pinimba, jogaram o bairro para mais distante, e a Ribeira passou a até a Escola Isabel Gondim. Essa era mesmo a divisa dos bairros Ribeira-Rocas. Sempre houve uma questão social entre moradores de certos bairros de Natal. Lagoa Seca rejeitava o lugar que se chamava Morro Branco. Petrópolis não aguentava lá muito bem um outro lugar que se chamava de Mãe Luiza. Já as Quintas, se dizia "que ele mora lá paras bandas das Quintas. Quem morasse na chamada Avenida Cinco não queria nem ouvir falar em Baixa da Coruja, bairro a que pertenceu por longos tempos.Tudo isso não passava de uma questão social. E a rua do Triunfo se tornou a aclamada rua 15 de Novembro, onde a marujada vinha se deleitar com as prostitutas que ali passaram a residir, pondo para foram as famílias de bem que lá moravam. Na Ribeira, continua a haver a ponte que um dia fazia a ligação entre os dois bairros - Cidade-Ribeira.

Não raro, muitas pessoas da cidade ouviu falar que João Café era canguleiro, uma forma de menosprezar o homem que se destacou na política brasileira. E o mesmo aconteceu com Zé Areias, um pobre homem que se tornou famoso no Brasil e no exterior, por suas respostas ferinas àqueles que o provocavam, como era um caso que aconteceu, certa vez entre ele e um colega de profissão. Certa vez, Zé Areias chegou à barbearia de seu Bevenuto puxando um bode. E Bevenuto estranhou aquele bode. Com isso, foi dizendo;

- Ô Zé!!! Um BODE?

Zé Areias, com um papel na mão para anotar o nome do apostador, perguntou em seguida:

- Vai querer?

E o barbeiro disse em tom de gozarão:

- Eu não!. O bicho tem cara de quem é "fresco"!!!

E, em seguida Zé Areias partiu, levando o bode pelo cabresto, dizendo:

- Vamos, Bevenuto!

Essas e outras boas piadas foram ditas por Zé Areias com o seu jeito simples de viver. Ele era um autentico boémio, o gozador dos fatos, o tocador de violão que chegou a deixar crescer a unha do seu dedo polegar direito e com ela afinava o instrumento. Conta-se que, durante a IIº Guerra, quando os americanos estiveram em Natal, Zé Areias montou o seu salão de barbeiro no campo de Parnamirim. Ali, o homem ganhou bastante dinheiro que acabava com todo ele nos bares da Ribeira, bebendo uma e outras. Se alguém falasse que beber o ofendia, ele tinha a resposta certa, na hora. Certa vez, quando alguém lhe repreendeu por beber em demasia, naquela hora passava um enterro de um "anjo" para o Cemitério. E Zé Areias, no arremate, disse:
- Olhe ali! Só bebia leite!
E continuou a beber suas cachaças e cervejas. O boémio e inveterado homem de coisas simples da vida, casou, uma vez, e foi pai de três filhos. A mulher lhe deixou pois não aguentou a viver na situação difícil que ele, sem querer, fazia-a a viver. Mulheres, teve muitas. Uma delas, Laura, dona de um Bar, na travessa Aureliano. Por lá ele fazia refeição e dormia em um quarto feito de madeira compensada, no terreno do Armazém de Madeiras de José Leandro. O cómodo foi feito especialmente para ele, em uma parte do terreno, bem por trás de um galpão e onde funcionava uma carpintaria.
Os existes que Zé Areias dizia eram uma forma de zombar de pessoas ricas ou médias, pois para ele pouco lhe interessava a condição social de que andava pelos arredores. Foi amigo de muita gente, como o Presidente Café Filho, os Governadores do Estado, como Aluizio Alves, Mons. Walfredo Gurgel a quem pediu um emprego e não obteve, Dinarte Mariz, José Augusto e tantos outros. De secretários, obteve uma ajuda como barbeiro na Cadeia Publica, o que largou poucos dias depois e desapareceu das vistas do Secretario de Segurança. Um dia, ao encontrá-lo e inquirido por que havia abandonado o lugar, Zé Areias simplesmente respondeu:
- Subloquei-o!
De estudos, ele pouco se interessou. Aprendeu com a vida, apesar de ter frequentado escolas logo quando ainda era infante. E assim viveu a sua própria vida, vendendo bilhetes de rifas ou da Loteria Federal. No tempo da Guerra, chegou a viajar para Dakar, no Senegal, a pedido dos praças norte-americanos, para fazer a barba e o cabelo dos soldados que estavam indo a luta. Nesse tempo, ele ganhou bastante dinheiro que não cabia nos bolsos. ainda assim, depois de uma viagem que para ele teve volta Zé Areias retornou a Natal, e aqui viveu os dias inesquecíveis de sua gloriosa aventura onde um dia nasceu. E foi aqui, depois de 72 anos fazendo xistes sem querer ofender a quem ouvia ou só queria saber, onde ele morreu de um ataque do coração na travessa Monte Carlos, nos braços de sua mulher a quem disse: "Mulher feia!. Quero morrer em teus braços".

Um comentário:

Bira Viegas disse...

Caro Alderico:
Quero lhe parabenizar pelo excelente artigo mostrando aos internautas a fígura "impar", que foi Zé Areia.
Um cordial abraço,
-Bira Viegas-