segunda-feira, 18 de agosto de 2008

RIBEIRA - 70

VIDAS EM DESALINHO

Eu conheci Maria Linhares quando já tinha cumprido a sua senteça de 33 anos de reclusão na Penitenciária de Natal (Rn). Voz firme, gorda até, altura mediana, cor mulata e vivia numa vila que era sua, onde alugava quartos para casais de poucos filhos ou mesmo nenhum, o que a mulher se sentiá melhor. A vila ficava em um buraco, bem próximo da Penitenciária de Natal no bairro de Petrópolis. Ali a mulher vivia, um tanto idosa, em um quarto que dava para um portão de ferro - lembranças que ela guardava do presidio, não restam duvidas - que ela fechava as 10 horas da noite, não se podendo mais entrar ou sair. A sua palavra era uma ordem. Quem passasse para casa que ficava mais à frente, seguia por um alto e até circulavam moças em cima do muro, permitindo se vê suas partes intimas. A vila ficava em baixo. Uma das ordens de Maria Linhares era de que ninguem podia tomar banho dentro do quarto em que morava. Banho, era num banheiro apertado onde se levava água em um balde. Nesse banheiro também ficava um sanitário feito de barro, coberto com uma tábua. Por sinal, o sanitário era cheio de baratas. Nos quartos, era bem comum se matar escorpiões que sempre apareciam vagando, de dente armado.

Maria de Lourdes Linhares cumpriu pena desde 1942 por conta de um crime que praticou. Foram 33 anos de reclusão. As vítimas foram Otília Pacheco Dantas e sua sobrinha, Arlete. Em um dia de outubro, Arlete e Otilia passaram de Bonde, vindas da Cidade Alta, para ir até a praia do Morcego que logo após se chamava Praia do Meio, e deram com a mão para Maria Linhares e prometendo voltar para ver a casa, situada em uma esquina a Av. Getúlio Vargas com a Rua Joaquim Fabricio, no alto do bairro Petropolis. Maria Linhares tomava conta da casa quando não estava trabalhando em outra residencia do noivo de Arlete. Ao ver a moça, a mulher disse que ela podia vir, pois seu noivo já estava quase pronto para casar e todos os móveis o rapaz tinha posto na residencia que, um dia, seria de Arlete.

Logo mais, depois do banho de mar, onde Arlete e sua tia, Otilia se deleitavam com o sal da praia ressecado pelo sol, resolveram, as duas, voltar para a cidade. Porém, o prometido estava de pé. Arlete queria ver os móveis de sua nova mansão. Voltando por lá, depois de um banho salgado, a jovem preferio tomar um banho doce para tirar o sal do corpo e, assim, entrou no banheiro do novo e bem cuidado lar. Enquanto despejava em sí a agua da caixa, Maria Linhares convidou Otilia para ir vê o que já tinha sido feito no quintal, logo a baixo. Note-se que está aí a primeira parte baixa que resultou, depois, na vila que Maria Linhares comprou para morar e alugar os demais quartos. E Otilia foi com Maria que a convidou a conhecer a garagem de casa, numa parte mais em baixo onde existia um cajueiro. Sem desconfiar de coisa alguma, Otilia caminhou com Maria até a garagem. Ao entrar, um homem que já estava esperando, agarrou a mulher e com um pano e laçou o seu pescoço. Otília se debateu mais o homem era mais forte que ela. Com a ajuda de Maria, os dois puxaram aquele torniquete até a mulher desfalecer. Em seguida, Maria Linhares, aproveitando a ação do homem - Felinto Saldanha - em cavar uma sepultura, jogou o corpo de Otília para dentro. Um fato estava consumado. Faltava o outro.

Quando Arlete saiu do banho, procurou por sua tia. Maria Linhares disse que ela estava na garagem esperando pela sobrinha. Então, Arlete caminhou até a garagem que dava para a rua Joaquim Fabricio (esse nome é de hoje, 2008. Naquele tempo, em 1942, a rua não tinha nome. Aliás, também, por perto, não havia casa alguma) e, ao entrar, foi segura por Felinto Saldanha que enlaçou pelo pescoço. A moça se debateu continuamente, porém a força empregada por Maria Linhares e Felinto foi suficiente para estrangulá-la como eles dois fizeram instantes antes com Otilia, a tia de Arlete. Consumado o segundo ato, os dois jogaram o corpo da moça na vala cavada para esse fim. A testemunha foi o cajueiro. Apenas o cajueiro de sombras amplas em todo o redor. Felinto cuidou de enterrar os corpos e espalhar folhas do cajueiro por entre a sepultura. O caso estava consumado.

Maria Linhares teve um caso com o noivo de Arlete. Ela era uma moça bonita e nova. Deu na sua cabeça atrapalhar o tal casamento. Para isso, aproveitou aquele dia em que as duas moças passaram para a praia, e combinou com elas que voltassem para ver o novo lar que já estava concluido. Foi assim que Arlete e sua tia, Otilia, voltaram para ver a mansão. Arlete trabalhava em uma loja do pai do seu noivo e levava uma vida tranquila e cheia de esperança, com o casamento já às portas. A loja ficava na rua Dr.Barata, no bairro da Ribeira, e Arlete morava em uma casa, na Cidade Alta, juntamente com seus pais, irmãos e a tia, também moça. Isso se deu em Natal, quando o país se preparava para a IIª Guerra. O noivo da moça deixou a cidade e foi morar no Rio de Janeiro. A sua casa ficou abandonada por um bom tempo. Maria de Lourdes Linhares cumpriu toda a pena na Cadeia. Ela confessou o seu crime, inocentou o noivo e pos também com ela o seu comparsa, Felinto Saldanha. Esse foi um dos crímes mais bárbaros acontecidos em Natal, naquele tempo.


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